A Santa Casa de Campo Grande atravessa uma das maiores crises financeiras de sua história. Com um déficit mensal de R$ 13 milhões (R$ 156 milhões anuais) e uma dívida acumulada de R$ 250 milhões junto a instituições bancárias, o Hospital Filantrópico, que atende 90% de seus pacientes via SUS (Sistema Único de Saúde), peleja para manter o atendimento à população.
Em evento realizado na manhã desta terça-feira (8), a presidente de Santa Casa, Alir Terra, apontou que o principal motivo da crise que afeta o maior e mais bem equipado hospital de Mato Grosso do Sul é o subfinanciamento do SUS.
“Quando fazemos um procedimento via SUS, o valor pago não cobre toda a despesa. Isso já foi reconhecido pelo próprio Poder Judiciário Federal”, explica.
Nesse cenário, a saída para evitar o colapso foi recorrer a suscetivos empréstimos, o que agravou ainda mais sua situação financeira.
“A Santa Casa de Campo Grande, ao longo dos tempos, vem aumentando o seu déficit porque faz empréstimos para não entrar nas crises para atender os pacientes. No entanto, a obrigação legal de dar atendimento ao paciente é do Poder Público, como um todo, ou seja, o SUS. Não há um culpado nisso, o SUS é subfinanciado”, afirma.
Vale lembrar que, a Santa Casa capta dinheiro do SUS, governo estadual, prefeitura de Campo Grande, de emendas parlamentares de senadores e deputados federais, além do serviço particular.
Desequilíbrio financeiro

Em 2018, o hospital entrou com uma ação judicial pedindo o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato com o SUS. Uma auditoria determinada pela Justiça Federal confirmou o desequilíbrio e apontou um déficit de R$ 256 milhões. Segundo Alir Terra, atualmente o processo está em grau de recurso no TRF3, com parecer favorável do Ministério Público Federal reconhecendo a defasagem nos repasses.
Além disso, a Santa Casa ainda aguarda o pagamento de R$ 23 milhões não repassados durante a pandemia, apesar de estarem previstos por uma lei federal. O valor total devido pela União é de R$ 46 milhões, e o hospital já obteve decisões judiciais favoráveis, inclusive no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A solução definitiva, segundo a gestão do hospital, está na atualização da tabela SUS, que não passa por um reajuste real desde sua publicação em 2008.
“Precisamos de um equilíbrio para que a Santa Casa continue prestando o serviço. No entanto, para que a gente consiga o reequilíbrio econômico-financeiro, é necessário ele estar no contrato, não sendo um aporte pontual e sim recorrente. Tem que ser um equilíbrio do contrato para que a gente possa trabalhar com um orçamento que consiga atender todas as necessidades da instituição”.
Na última semana houve um anúncio de repasse de R$ 25 milhões, quantia arrecadada por meio de emendas parlamentares de senadores e deputados federais sul-mato-grossenses. No entanto, o valor em questão foi insuficiente para livrar o hospital da crise. Além disso, em 2025, o hospital recebeu um acréscimo pontual de R$ 5,36 milhões no convênio junto à Prefeitura da Capital.
Estrutura separada entre público e privado

Atualmente, apenas 10% dos atendimentos do hospital são privados, incluindo operadoras de planos de saúde e particulares em 63 leitos de enfermaria. Fabiano Cansado, diretor de expansão da Santa Casa, destaca que, em 2024, essa linha de atendimento gerou R$ 36,7 milhões, valor cerca de 10% a mais do que foi pago.
“Precisamos corrigir esses termos, repasse do SUS é para o Hospital Público. Hospital Filantrópico e Hospital Privado, eles estão pagando, pelo serviço prestado”, explica.
Ele esclarece que a Santa Casa mantém setores físicos e financeiros separados entre o SUS e a linha privada. Por isso, embora o hospital enfrente um crise, isso não atinge a área privada.
“Em relação à parte financeira, esses recursos que vieram através da linha privada puderam subsidiar a Santa Casa, nesse ano todo que passou com dificuldades. Um acalento em meio à crise”, diz.
A legislação permite até 40% de atendimentos privados, e a gestão já trabalha com uma diretoria de expansão para aumentar esse percentual e atrair novos parceiros. Conforme Fabiano Cansado, a ideia é diversificar as fontes de receita e garantir mais sustentabilidade à instituição.
“O conglomerado Santa Casa conta com vários braços de negócios. Além do atendimento SUS, temos a linha privada, a escola de saúde, o plano Santa Casa Saúde, que juntando todos esses, consegue subsidiar um pouco o nosso déficit”.
‘Forçados a prestar um serviço gratuito e mal remunerado’
Segundo a administração do hospital, outra questão que a ser considerada é que, embora o subfinanciamento seja amplamente discutido, é preciso também falar sobre o ‘serviço que não é pago’. Hoje 30% dos pacientes advêm do interior e 70% da Capital.
“Pelo contrato prefixado, somos obrigados a entregar uma meta mensal de R$ 5,9 milhões em serviços de média complexidade, conforme a tabela SUS. No entanto, todos os meses ultrapassamos essa meta, entregando cerca de R$ 700 mil a mais em atendimentos. Isso ocorre por decisão própria? Não. É porque os pacientes continuam sendo encaminhados para o hospital, mesmo após atingirmos o limite contratado”.
Conforme o diretor de negócios e relações institucionais da Santa Casa, João Carlos Marchesan, a partir do primeiro atendimento que excede essa meta, o serviço já está sendo prestado gratuitamente ao governo. Uma vez que o hospital não recebe nenhum valor além do pactuado.
“Essa realidade se estendeu, nos últimos anos, também à alta complexidade. No final do ano passado, por exemplo, deixamos de receber R$ 813 mil em serviços de alta complexidade porque o teto de repasses havia sido atingido. Ao analisarmos nosso faturamento, identificamos um ‘arrasto’ de R$ 5,4 milhões — valor que corresponde a serviços já prestados, mas ainda não pagos, devido à defasagem no processamento do Ministério da Saúde, que pode levar até 60 dias para concluir o faturamento”.
‘Prejuízo de quase R$ 3 milhões por mês’
Assim, ao considerar uma média mensal, esse valor representa cerca de R$ 500 mil de serviços de alta complexidade não pagos, somando-se aos R$ 700 mil da média complexidade. Ou seja, a Santa Casa presta cerca de R$ 1,2 milhão por mês em serviços que não são remunerados. E o custo real disso para o hospital, conforme a tabela CIPTA, é cerca de duas vezes e meia esse valor. No fim das contas, o prejuízo chega a quase R$ 3 milhões por mês.
“O hospital atende, trata o paciente, o devolve à sua casa — mas não recebe por isso. Temos tentado minimizar essas perdas com a transferência de parte desses atendimentos para emendas parlamentares. No entanto, é importante ressaltar que, sem aumento no teto de repasses, continuamos forçados a prestar um serviço gratuito, além de mal remunerado”.
Superlotação da Santa Casa é reflexo da crise

A grave situação financeira é acompanhada por uma rotina de superlotação. No último fim de semana, a Santa Casa atingiu um recorde de ocupação na área vermelha, destinada a casos mais graves: 25 pacientes ocupavam o espaço projetado para apenas 6 leitos equipados com ventiladores. Em um caso extremo, dois pacientes precisaram de ventilação manual, revezada entre os profissionais de saúde.
“Fizemos um esforço gigantesco para transferir pacientes para outras unidades, mas conseguimos apenas uma transferência. A maior parte dos casos acabou redistribuída internamente, até mesmo com o uso de leitos privados”, relatou o médico Willian Lemos.
45 pacientes para apenas 7 leitos
A área verde também está sobrecarregada, com 45 pacientes para apenas 7 leitos. Na ortopedia, há 118 internados, sendo 50 ainda aguardam o primeiro procedimento cirúrgico.
“Além de mais financiamento, a Santa Casa precisa de uma rota de saída eficiente para pacientes que já não necessitam de cuidados de alta complexidade, mas permanecem internados por falta de retaguarda. Em 2024, quatro pacientes considerados ‘residentes’ — internados por mais de 90 dias — geraram um custo superior a R$ 400 mil ao hospital. Embora o número pareça pequeno diante da demanda total, esses casos ocupam leitos e recursos que poderiam estar sendo direcionados a novos atendimentos”.
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