A morte do caseiro Jorge Ávalo, atacado por uma onça-pintada no Pantanal do Touro Morto, reacendeu um mistério que intriga Mato Grosso do Sul há mais de três anos, o caso de Tânia Bonamigo, desaparecida durante uma trilha na Cachoeira Los Pagos, em São Gabriel do Oeste, a 118 km de Campo Grande.
Embora raros, os ataques de onça sempre habitaram o imaginário cultural sul-mato-grossense e agora, ganham força com a morte de Jorge. O homem trabalhava como caseiro em um pesqueiro particular quando desapareceu na segunda-feira (21). Na manhã desta terça-feira (22), os restos mortais do homem foram encontrados pelo cunhado e encaminhados para análise de DNA no Núcleo Regional de Medicina Legal de Aquidauana.

Três anos sem respostas
O sumiço de Tânia Bonamigo, em janeiro de 2022, mobilizou a maior operação de busca por uma pessoa desaparecida já registrada no Estado. Durante 30 dias, o Corpo de Bombeiros percorreu a região com helicópteros, drones, cães farejadores e dezenas de militares em revezamento. Na época, militares confirmaram que pegadas de onça foram identificadas na trilha, alimentando a hipótese de um ataque do animal.
Contudo, a ausência de qualquer vestígio físico — roupas, objetos pessoais ou sinais de violência — fragilizou essa teoria. Na ocasião, a delegada responsável pelo caso, Maria de Campos, chegou a dizer que considerava improvável a morte por animal. “Onça não come roupa, tênis”, disse. Com isso, uma possível fuga entrou um cogitação.
Com o passar dos meses, a investigação mergulhou em especulações. A própria filha de Tânia, em entrevista concedida ao Jornal Midiamax em 2023, negou veementemente a ideia de fuga. “A única certeza que eu tenho é que minha mãe não fugiu”, disse. Ela ainda criticou os rumores que surgiram nas redes sociais, como a suposição de que Tânia teria fugido para o Chile. “A internet é malvada, as pessoas inventam, falam as coisas, mas só nós sabemos o sentimento”.
Relatos conflitantes e lacunas

Antes disso, em 2022, o inquérito apurou que Tânia estava em um grupo de 15 pessoas que partiu de Campo Grande em quatro veículos rumo à trilha. Ela teria chegado à rodoviária de São Gabriel do Oeste e, em seguida, ido ao encontro dos demais, mas não há imagens que confirmem sua entrada nos carros. Um dos poucos relatos sobre sua presença na trilha veio de uma das irmãs, que disse tê-la visto no alto da cachoeira.
“A maioria dos depoimentos afirma que não viu Tânia no local, exceto essa irmã”, afirmou o delegado Fábio da Silva Magalhães.
Militares que atuaram na megaoperação relatam que, desde o início, havia inconsistências nos relatos prestados por familiares e amigos de Tânia. Enquanto preenchiam o formulário padrão de busca, essencial para o planejamento estratégico da operação, perceberam que os relatos mudavam de um dia para o outro. “Não havia consistência de informações”, disseram. Em uma versão, Tânia estava bem. Em outra, chorosa, com problemas conjugais. Por fim, surgiram relatos de que estaria em depressão e teria viajado sozinha.
O clima, segundo os servidores, era de pressão constante. Alguns chegaram a sofrer ofensas por parentes de Tânia durante as buscas, mas seguiram com o trabalho. Além disso, no local da trilha, quando os bombeiros chegaram, encontraram apenas um dos quatro carros que haviam partido de Campo Grande. Na ocasião, permaneciam ali duas irmãs de Tânia, um amigo e o guia. Um dos veículos, que deixava o local, cruzou com a viatura da Polícia Civil de São Gabriel do Oeste e entregou uma mochila, dizendo que era da desaparecida.
Cães farejadores e vestígios questionáveis

Além da mochila, também foram entregues um short, uma lingerie e um tênis — de onde foram extraídas palmilhas e cadarços — para que os cães farejadores pudessem atuar. Quatro cães participaram da varredura. Nenhum indicou qualquer pista de que Tânia estivesse ou tivesse estado naquela área. Para os bombeiros envolvidos, haviam duas hipóteses, ou a mulher nunca esteve no local, ou os objetos entregues não pertenciam a ela.
Também durante a operação, policiais à paisana, com óculos de visão noturna, apareceram dizendo ser “amigos da família” e dispostos a ajudar. No entanto, especialistas em buscas argumentaram que o “rastreamento humano”, realizado dias depois, seria ineficaz, uma vez que o terreno já estava amplamente contaminado por movimentações.
As trocas de plantão se mantiveram até o fim do mês, com atuação em locais de difícil acesso e sobrevoos constantes. Drones de última geração com câmera térmica, fornecidos por agentes da Polícia Federal, foram utilizados, além de helicópteros, equipes especializadas em rapel, trilhas e agentes do serviço reservado.
Testemunhos frágeis e o vídeo que levanta dúvidas
Servidores também ouviram funcionários de uma fazenda próxima. Todos disseram acreditar que Tânia sequer havia estado naquele local. Uma parente chegou a sugerir que a vítima poderia ter sido atacada por abelhas, batido a cabeça e saído desorientada. No entanto, investigadores não localizaram nenhuma pista física.
Paralelamente, a Polícia Civil obteve imagens da rodoviária onde o grupo havia parado. Segundo o relatório obtido pelo Midiamax, as imagens mostram Tânia chegando ao local, mas não entrando no carro com os demais.
Questionados, integrantes da excursão não confirmaram ter visto Tânia nas imediações da trilha. Apenas uma das irmãs afirmou que a viu no alto da cachoeira, mas nem chegou a descer pela trilha. Uma amiga, mencionada por essa irmã como possível testemunha, chegou a dizer informalmente que Tânia “estava se encontrando”, em referência ao momento emocional que vivia. Formalmente, porém, declarou à polícia que “só se estivesse muito enganada, mas viu uma mulher com características semelhantes”.
Passados mais de três anos, o desaparecimento de Tânia Bonamigo segue envolto em mistérios enquanto a pergunta que paira é: o que realmente aconteceu naquela trilha?
Matar onças é crime!
Vale lembrar que o artigo 29 da Lei n° 9.605/1998 estabelece como crime ambiental matar, perseguir ou capturar onças-pintadas, sem autorização. A pena para esse crime pode variar de detenção de seis meses a um ano e multa, agravada em caso de espécies ameaçadas como o caso da onça-pintada. Além disso, existem sanções administrativas, como multas que vão de R$ 500 a R$ 3 mil por animal, conforme o Decreto 6.514/2008.
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