Violação extrema e cárcere privado: Defensoria Pública revela irregularidades no Espaço Terapêutico Fazendinha

Na última terça-feira, uma vistoria identificou irregularidades que resultaram na liberação de pacientes internados à força

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Alojamento do espaço terapêutico (Madu Livramento, Midiamax)

Uma vistoria realizada na última terça-feira (3) no Espaço Terapêutico Fazendinha resultou na liberação de pacientes que estavam internados à força no local. Em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (5), a defensora pública Eni Maria Diniz trouxe detalhes das violações encontradas no local, o que inclui cárcere privado e tortura psicológica.

A comunidade terapêutica operava há cerca de um ano e meio com cerca de 130 pacientes. Para permanecer no local, os internos pagavam mensalidades que variavam de R$ 1.800 a R$ 3 mil. Além disso, realizavam trabalhos braçais, sem qualquer tipo de remuneração.

Eni Diniz
Eni Diniz (Karina Campos, Midiamax)

Eni Diniz explicou que a Defensoria Pública recebe frequentemente denúncias de violações de direitos de pacientes. No entanto, analisamos todos os casos com cautela antes da aplicação de medidas. No caso do Espaço Terapêutico Fazendinha, diversos órgãos estavam mobilizados para a vistoria.

“É importante destacar que a equipe envolvida contava com um médico psiquiatra especializado em dependência química, um psicólogo e um assistente social. Toda a equipe estava devidamente qualificada para conduzir a vistoria, com um olhar atento para identificar possíveis violações de direitos”, explica.

Conforme a defensora pública, todos os pacientes que saíram do Espaço Terapêutico Fazendinha passaram antes por uma triagem realizada por um médico psiquiatra. Além disso, as equipes mobilizadas entraram em contato com os familiares para orientações e esclarecimentos.

Cárcere privado e tortura psicológica

Ação do MPMS
Ação do MPMS (Alicce Rodrigues, Midiamax)

“No local havia idosos e pessoas em situações de extrema violação. Encontramos casos de omissão de socorro, pessoas feridas, pacientes sem atendimento médico, cárcere privado e tortura psicológica. Portanto, não houve interrupção de tratamento, como afirmado por alguns, porque, de fato, não houve tratamento no local”, enfatizou Eni.

Uma das pacientes estava em cárcere privado e só foi liberada após negociações, outras cinco mulheres haviam sido internadas involuntariamente e tinha contato com pacientes homens. A defensora destacou ainda que as informações só foram divulgadas após a coleta completa dos dados, para evitar qualquer interferência nas investigações.

“Situações muito tensas ocorreram no local. Não é que não haja irregularidades; pelo contrário, elas estavam presentes. Porém, optamos por não divulgar inicialmente para garantir a apuração de todas as informações. Ouvimos todos os pacientes e a Defensoria ficou ao local até o fim da operação”, diz.

Embora comprovada as violações, a defensora pública Eni Diniz explicou que não houve interdição do Espaço Terapêutico, pois alguns pacientes precisaram permanecer no local até que seus familiares estivessem localizados e pudessem buscá-los.

“Mesmo diante de situações de violação, precisamos considerar que nem todos os pacientes recebem assistência familiar imediata. No entanto, após a conclusão dos relatórios técnicos, tomaremos as medidas judiciais cabíveis”, afirmou.

Sobre possíveis multas, a defensora esclareceu que a responsabilidade de aplicá-las recai sobre o Conselho Regional de Farmácia, o que deverá ocorrer após a conclusão dos relatórios.

Além da Defensoria Pública, participaram da ação o MPF (Ministério Público Federal), o MPT (Ministério Público do Trabalho), o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o CRF (Conselho Regional de Farmácia), a Vigilância Sanitária, representantes médicos, auditores fiscais do trabalho e a Polícia Civil.

Vistoria e liberação de pacientes

Ação do MPMS
Pacientes saindo da clínica (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Em vistoria realizada na última terça-feira (3), equipes do MPF (Ministério Público Federal), Vigilância Sanitária e da Polícia Civil estiveram no Espaço Terapêutico Fazendinha, localizada no bairro Chácara do Poderes devido a denúncias de pacientes mantidos a força no local.

As equipes chegaram à clínica logo após o café da manhã e iniciaram uma vistoria. Ao entrarem no estabelecimento, solicitaram que todos os pacientes que estavam no local contra vontade saíssem. A esposa de um dos pacientes, que preferiu não se identificar, relatou que internou seu marido na clínica há menos de 24 horas devido ao vício.

“Conversei com o pessoal do Ministério Público e eles me disseram que houve denúncias de pessoas sendo mantidas aqui contra vontade. Isso não pode ocorrer, pois se trata de um centro de apoio. Eu trouxe meu marido para cá após verificar com a Vigilância Sanitária, e o local estava regularizado”, explicou.

Outro paciente, que estava do lado de fora da clínica, relatou que não houve esclarecimentos, apenas a oportunidade de deixar o local. Ele destacou que preferiu ir embora, pois era submetido a trabalhos sem remuneração.

“Não tinha combinado nenhum. Estou aqui há dois meses, eu trabalhava na parte de monitoria, mas todo mundo trabalhava. Pagava normal e ainda trabalhava sem remuneração”.

Paciente relata maus-tratos recorrentes

(Madu Livramento, Midiamax)

Wennity dos Santos estava há três meses no Espaço Terapêutico Fazendinha, e afirma que os pacientes não só eram submetidos a trabalho forçado, mas sofriam maus-tratos. Ela explica que após o café da manhã, todos iam para a ‘laborterapia’, onde faziam trabalhos.

“Diziam que a gente tinha armário, mas era só uns paletes. Tínhamos que seguir as regras da clínica, se não nos puniam. Após um desentendimento com outro paciente me deram um ‘protocolo duplo’. Fiquei dois dias dormindo, urinei na cama, e me traziam comida pela janela, tinha até bichos na comida”, contou.

Espaço terapêutico se defende e afirma que internos era ‘bem assistidos’

Há seis meses no local, o psicólogo Roberto Chaparro afirmou que os internos são bem assistidos e as famílias recebem relatórios. “Faço acompanhamento psicológico com eles, individual e em grupo. No ponto de vista psicológico eles são bem assistidos”, disse.

“Às vezes eles trazem muitas reclamações, insatisfações, mas a gente faz serviço de acolhimento, para propor a reflexão. Para ver se não há alguma revolta ou mais questão mais interna própria”, explicou o psicólogo.

Além disso, o advogado do Espaço Fazendinha, Bruno Camatte, afirmou que uma fiscalização há dois meses constatou a regularidade do local.

“Houve uma denúncia anônima dizendo que havia maus tratos, cárcere privado, o que não foi demonstrado e que em razão dessa investigação houve um motim entre os internos, o que ocasionou a saída de muitos que estavam inclusive em tratamento”, acredita o advogado, sobre a motivação para a vistoria desta terça-feira.

Ele disse ainda que acredita que a proximidade do final de ano tenha sido motivo das denúncias. “Alguns tentaram a denúncia para saírem, mas aqui é um espaço terapêutico que eles podiam ter feito um requerimento solicitando saída.

Falta de regulamentação abre margem para irregularidades em comunidades terapêuticas

Embora o termo “comunidade terapêutica” seja relativamente recente, diversas outras denominações já foram e ainda são comumente usadas para designar instituições similares, como “casas”, “clínicas” ou “centros” de “recuperação” ou “reabilitação”. O termo “reabilitação”, por sua vez, possui uma concepção mais ampla, sendo frequentemente associado à área da fisioterapia, embora também se refira a questões de saúde mental.

“Um exemplo disso é que a RDC 50/2002 da Anvisa, que trata da infraestrutura de serviços de saúde, utiliza o termo ‘reabilitação’ exclusivamente no contexto da fisioterapia, e não em outros cenários”, esclarece o CRP (Conselho Regional de Psicologia).

Ao mesmo tempo, em que essas instituições não integram o SUS (Sistema Único de Saúde) e nem o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), a RDC Anvisa n° 29/2011 as considera como parte suplementar da Rede de Atenção Psicossocial, o que segundo o CRP, abre a possibilidade para repasses de recursos públicos.

“Essa variedade nas nomeações muitas vezes pode gerar confusão nas pessoas e também nas políticas públicas quando se trata de estabelecer uma tipificação da entidade. Comumente o que realmente caracteriza uma ‘Comunidade Terapêutica’ está no seu modo de funcionamento”, explica.

Em resumo, as comunidades terapêuticas consistem em organizações privadas, frequentemente vinculadas a instituições religiosas, e que, ao mesmo tempo, recebem recursos públicos. Geralmente localizadas fora dos grandes centros urbanos ou na zona rural, essas instituições adotam uma abordagem de tratamento que inclui o afastamento dos internos de seus locais de origem, regras de convivência e participação obrigatória em atividades religiosas. Além da laborterapia (o trabalho de internos e ex-internos para a manutenção da instituição) e abstinência total do uso de drogas.

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