Três meses do Nasa Park: Descaso e falta de respostas assombram vítima do rompimento da barragem

Vítimas precisam lidar com informações desencontradas e uma aparente desorganização de autoridades

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Pai de Gabriele na propriedade destruída (Foto: Alicce Rodrigues, Midiamax)

“Toda vez que a gente tem que pensar no início dessa tragédia anunciada no dia 20 de agosto, às 8h48, quando recebi o áudio do vizinho avisando que a barragem tinha rompido… Dá um nó na garganta”, compartilha Gabriele do Prado, que teve a casa destruída após o rompimento da barragem do lago artificial no loteamento de luxo Nasa Park, na divisa entre os municípios de Jaraguari e Campo Grande.

“Uma situação que eu nunca vou me esquecer. O desespero desde a primeira ligação que fiz para a chácara para avisar meu filho e ele avisar meus pais, meu irmão e minhas filhas, e só às 11h05 eu ver que eles estavam vivos”, completa Gabriele.

Nesta semana, foram completados três meses de espera e angústia. Ainda sem reconstrução, sem respostas e sem solução, o caso parece se arrastar. Dona de casa, Gabriele vendia verduras e legumes produzidos na chácara que foi destruída, e também animais criados na propriedade.

“Agora, depois de tudo isso, estou morando na cidade. Eu tinha minha casinha construída lá do lado da casa da minha mãe, aonde só restou lama e destruição”, relata.

Desencontros com o Ministério Público

Destruição causada após o rompimento da barragem (Foto: Nathalia Alcântara, Midiamax)

Para completar a tristeza, as vítimas precisam lidar com informações desencontradas e uma aparente desorganização do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) no acompanhamento do caso.

Segundo Gabriele, na terça-feira (19), um representante do MP entrou em contato com 3 vítimas do rompimento da barragem para negociar um valor para pagamento em um evento acordo. No entanto, são 13 as famílias afetadas, mas nem todas foram contatadas.

“Gostaríamos de confirmar o valor mínimo que poderia ser aceito em um eventual acordo para uma resolução rápida deste caso. Caso haja a possibilidade de sugerir um valor mínimo diferente dos já mencionados, pedimos gentilmente que essa informação seja enviada até quinta-feira, dia 21 de novembro”, diz trecho da mensagem.

Para Gabriele, a situação demonstra descaso e evidencia desencontro de informação com o MP.

“Eles (Ministério Público) mandaram a gente criar um grupo no Whatsapp e deixaram dois representantes (dos moradores). Ficou eu e o sr. João. Porque eles não mandam essas informações no grupo?”, questiona a moradora.

“Minha mãe recebeu, o outro vizinho aqui recebeu, eu fiquei sabendo pelo senhor que recebeu a mensagem, então é complicado uma coisa assim, negociar só com 3 famílias, sendo que eles sabem que são 13 famílias desde a primeira reunião que tivemos com eles”, completa. 

Situação ambiental

Barragem se rompeu e lago inundou casas em Jaraguari (Foto: Nathalia Alcântara, Midiamax)

Outro ponto sobre o qual Gabriele levanta questionamentos tem a ver com a recuperação ambiental do trecho devastado pela água da barragem.

“Cadê o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta)? Cadê o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) pra vir aqui nas áreas afetadas olhar? Não é só olhar o leito do córrego não, eles têm que olhar a vegetação”, indaga a moradora.

Ela explica que, na propriedade da família, eles haviam firmado um TAC, na mesma área que acabou afetada pela água da barragem. Entre as preocupações de Gabriele e das outras famílias afetadas, é se as vítimas do rompimento é que ficarão com a obrigação de recuperar a vegetação devastada.

“Como que fica? A gente vai ter que reflorestar, refazer tudinho as cercas? A 26ª Promotoria do Meio Ambiente ficava aqui toda hora questionando como estava nosso TAC, vistoriando. A PMA (Polícia Militar Ambiental), a Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista), a Defesa Civil? Cadê esses órgãos? Eles tinham que vir ver o estrago”, completa Gabriele.

Ainda segundo a moradora, não está claro qual vai ser o papel que deverá ser desempenhado pelos responsáveis pelo loteamento Nasa Park na recuperação da área destruída. 

“O Nasa (Park) vai fazer o TAC? Vai fazer reflorestamento? Porque se a gente, se cada proprietário for fazer um reflorestamento, isso é um gasto absurdo. Aí eles (autoridades, Ministério Público) querem que a gente dê uma estimativa de valor para o Nasa pagar. Mas como fazer isso sem falar o que o Nasa vai fazer ou não vai fazer?”, compartilha.

Para ela, os moradores prejudicados precisam, primeiro, ser informados sobre o que o Nasa Park vai executar. 

“A obrigação mínima do Nasa é fazer o TAC e o cercamento, que é caro. A gente está falando de engenheiro, topografia, CAR (Cadastro Ambiental Rural). São muitos documentos, muita coisa para ser feita e que vai levar muitos anos. Como vamos dar valor sem saber qualquer responsabilidade do Nasa Park sobre a recuperação?”, pontua.

Saúde emocional

Além do desgaste de ver tudo destruído, de pensar na recuperação e na reconstrução da vida, as famílias ainda precisam lidar com feridas emocionais.

“Ninguém nunca vai sequer ter noção do que passamos.”

“Meu filho é autista, tem 14 anos. Foi ele quem ajudou a colocar as irmãs dele e minha mãe dentro do carro para salvar a vida deles. Ele não tomava remédio controlado há uns 2 anos. Agora toma remédio dia e noite”, compartilha Gabriele.

Com a necessidade da retomada no uso de remédios, aumentam também os gastos da família. São cerca de R$ 200 mensais só com medicamentos.

“Não é só a perda material. A gente sofre em todos os sentidos, né? No sentido financeiro, sentido material, sentido psicológico, porque é muito complicado. São vários fatores juntos, não é só o rompimento da barragem que eles falam como se fosse uma tragédia apenas ambiental, mas isso aí destruiu vidas, matou sonhos, matou conquistas”, detalha.

“Pra gente ter a nossa casinha que era simples, mas era nossa, foram anos pra construir, ninguém constrói nada do dia pra noite, não. A pessoa que é trabalhadora, pobre, humilde, ela não constrói nada do dia pra noite”, finaliza.

Barragem estava sem manutenção havia 26 anos e apresentava inúmeras irregularidades

Construída em 1998, a barragem do loteamento de luxo Nasa Park não passou por nenhuma manutenção técnica em 26 anos desde a construção, o que pode ter motivado o rompimento da estrutura no dia 20 de agosto deste ano. Nesse meio tempo, o local acumulou irregularidades.

Em setembro, o CREA-MS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso do Sul) confirmou que não encontrou nenhuma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) expedida para manutenção no local. O único registro do CREA-MS é de construção da barragem, em 1998. Ou seja, a barragem passou 26 anos sem manutenções legais.

Sem avanço

Os relatos de dor e desesperança se multiplicam entre as vítimas, desde o acontecimento da tragédia. Alguns deles foram relatados em outras matérias, como no texto, também do Midiamax, publicado quando o rompimento completou dois meses.

Retorno dos órgãos

O Midiamax entrou em contato com o Ministério Público de Mato Grosso do Sul na última semana. Apesar da insistência da nossa equipe de obter algum retorno do órgão, nenhum de nossos contatos foi respondido. O espaço segue aberto para que o MPMS se manifeste.

A reportagem também acionou o Imasul para saber como estão os levantamentos sobre os problemas e demandas ambientais da região afetada. No entanto, também não obtivemos devolutiva. O espaço deste jornal segue igualmente aberto ao órgão.

nasa park
Casa ficou destruída (Foto: Alicce Rodrigues/Midiamax)

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