Os movimentos lentos na terra e o olhar cansado da pequena rã era de quem já estava entregue à própria sorte e não poderia contar nem com a Mãe Natureza, que parecia já ter deixado aquele local no Pantanal há tempos.

O cenário de desolação encontrado pela reportagem do Jornal Midiamax em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense, sequer tinha sido tocado pelo fogo, mas já sentia as fortes consequências de um foco de incêndio próximo dali.

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Equipe percorreu trecho de carro (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

No caminho percorrido pelo Corpo de Bombeiros e equipes de reportagem, a aflição dos animais encontrados anunciava que o que muitos chamariam de inferno, se aproximava. Conforme a tenente-coronel do CBMMS, Tatiane de Oliveira, a temperatura ali no entorno ultrapassava os 60°C.

O calor era tão intenso próximo de um grande foco de incêndio que a sola do sapato de um dos cinegrafistas no local derreteu. Se a borracha não resistiu, imaginem o que sentiu a rã ou a centena de outros animais que ali mesmo pereceram.

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Militar indo em direção ao fogo (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Os relatos são um retrato do poder de destruição que vai muito além do fogo propriamente destrutivo. O Jornal Midiamax acompanhou um duro dia de combate dos brigadistas do Corpo de Bombeiros em Corumbá.

Estrada do suplício

O trabalho árduo aconteceu em um local às margens Rio Paraguai, bem próximo da área urbana da Cidade Branca. Ainda de Corumbá já era possível ver a cortina de fumaça e o que aguardava os combatentes.

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Deslocamento é feito de barco (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Primeiro de barco, para atravessar o rio, e depois de carro, por uma estrada tomada pela fumaça densa e fuligem. É neste trecho que um dos militares parou para ajudar a rã, oferecendo um pouco de água. Um gesto simples, mas importante para a biodiversidade do Pantanal.

Naturalmente aquele anfíbio pularia para qualquer lugar tentando fugir da interferência humana. Porém, como bem disse Saint-Exupéry no livro ‘O Pequeno Príncipe’, só se vê bem o coração. E de coração para coração, de imediato, a rã pulou para as mãos do militar do Corpo de Bombeiros.

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Rã pulou para junto do militar (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Se um dia, aquela atitude representou perigo para o animal. Naquela tarde quente, foi a sua salvação. Mais à frente na ‘caminho do suplício’, em meio aos estalos do fogo queimando a vegetação seca, era uma iguana que tentava sobreviver, correndo desesperada em busca de um refúgio.

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Rã foi salva de um destino cruel no fogo (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Em outro ponto da estrada, mais adiante, dois pássaros cantavam sem parar rodeados em uma área já consumida pelo fogo. O canto da dor, segundo quem já viveu a tristeza de outras tragédias ambientais, era por um provável ninho destruído pelas chamas.

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Rã rastejava na areia (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Por fim, uma casa de cupim agora usada como ‘casulo’ para o fogo teve um fim trágico. Conforme Tatiane, o fogo fica ‘aprisionado’ dentro do cupinzeiro e pode quebrar, reativando o fogo em áreas onde ele já passou ou se espalhando em áreas não queimadas. Com isso, é necessário destruir os cupinzeiros.

Rota de fuga do incêndio

Apesar do vento e do tempo seco remando contra a maré dos Bombeiros, os militares têm a tecnologia a seu favor. Durante o combate, o Cabo Victor Barbosa Lima cobria a área afetada com um drone.

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Fumaça denunciava local da queimada (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

“O drone nos ajuda a identificar a linha de frente do fogo e com isso a gente consegue traçar uma rota de fuga e estratégia de combate. É possível ter uma visão aérea da área”, explica.

O cabo estava averiguando uma frente bem grande, com muita fumaça. Essa área foi identificada como sendo a frente do foco e a equipe que estava em campo foi avisada remotamente pelo rádio comunicador.

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Militares enfrentam fogo de frente (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

“Tem que se preparar muito e para isso nós temos especializações dentro do Corpo de Bombeiros. E além dos EPIs e da tecnologia, nós vamos nos adaptando às situações”, continua. “A gente usa protetor solar, protetor labial, muita hidratação… Aqui é um ambiente muito inóspito; clima seco e pesado para respirar. Mas a gente coloca uma balaclava para tampar o rosto e vai combatendo”, finaliza.

Ponto de segurança

A equipe recebeu autorização para ir até certo ponto próximo ao foco do incêndio. Depois dali, apenas os brigadistas, com as roupas e equipamentos certos, poderiam avançar. Entretanto, em determinado momento, o fogo começou a cercar as equipes e o local deixou de se tornar seguro tanto para a reportagem, quanto para a equipe de sete bombeiros. Assim, foi necessário se afastar.

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Fogo começou a cercar equipes (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

É necessário agir rápido diante da imprevisibilidade do fogo. “Nós fizemos o combate direto em uma linha de temperatura muito alta. Além disso, um fator que complica é a condição do vento e a fumaça que não traz segurança. Não trouxe segurança nem pra nós, nem pra vocês”, comenta o sargento Élcio Matheus Barbosa, um dos integrantes da equipe.

O vento acaba auxiliando nas mudanças repentinas do trajeto do fogo. Tanto que mais cedo, a equipe iria para uma região mais afastada, conhecida como Porto Maracangalha. Porém, quando todos se preparavam para partir, o monitoramento identificou que o foco naquele local havia mudado de direção por conta justamente do vento.

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Deslocamento é feito de barco (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Agora estava em uma região sem acesso fácil. Por conta disso, a partir daquele momento seria necessária uma grande operação que levaria pelo menos mais 24h:

  • Primeiro pelo ar para resfriar uma área que serviria de passagem para os brigadistas.
  • Depois, uma viagem de 1h30 para pelo Rio Paraguai até o Porto Maracangalha.
  • Por fim, abrir caminho na vegetação até chegar ao local do fogo.
  • Depois do combate, o Corpo de Bombeiros ainda monitora a região por 48h para assegurar que o fogo não voltou.
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Sete militares enfrentavam grande foco de incêndio (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

“Pra vocês terem noção em São Paulo, Minas Gerais, a cada 20, 30 km que você anda é possível encontrar um núcleo urbano. Na região do Pantanal se anda até 200 km sem sequer encontrar uma rodovia, uma estrada próxima”, explica a tenente-coronel.

Tudo isso carregando sopradores, bombas costais – que resfriam e extinguem incêndios -, enxadas, mangueiras e motobombas. Além disso, carregam motosserras para cortar troncos em queima lenta, assim como no caso dos cupinzeiros. Fora que há lugares onde os barcos não conseguem atracar.

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Combatentes andam sempre com EPIs (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

E o Pantanal tem suas particularidades: para os perigos com o fogo quente, usam balaclavas e para a ameaça selvagem, como cobras, usam caneleiras. Segundo a tenente-coronel, já são 80 dias dessa rotina no Pantanal.

Há ainda uma possibilidade de ampliar a equipe de combatentes com mais de 100 servidores em campo. Isso alinhado ao turbilhão de ocorrências no quartel dos Bombeiros. E a tendência é só piorar.

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Corpo de Bombeiros deve reforçar equipes (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

“Para 2024, o cenário não é nada favorável. A gente tem toda a bacia do Rio Paraguai baixa; sem previsão de chuva; tendência de uma estiagem mais severa que 2020, que foi um marco para os incêndios florestais”, ressalta Tatiane.

Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) da última sexta-feira (21), Corumbá acumulava 1.771 focos de incêndio em 2024 – 170 apenas nas últimas 24 horas, deixando a cidade como a com mais focos de fogo no Brasil.

População convive com fumaça dos incêndios

O triste cartão-postal para quem chega a Corumbá é o fumaceiro visto de longe por conta dos grandes incêndios florestais no Pantanal. A grande cortina de fumaça é percebida cerca de 75 km da zona urbana e fica pior a cada quilômetro mais perto.

Reportagem do Jornal Midiamax percorreu o trecho de 450 km entre Campo Grande e Corumbá na quinta-feira (20), rumo ao Pantanal sul-mato-grossense. Se para quem chega já é difícil, imagina para quem convive diariamente com o fumaceiro, que toma conta de cidade.

Por conta da situação, que coloca em risco a saúde e o bolso, corumbaenses precisam mudar a própria rotina para se adaptar à fumaça.

Cemitério de animais no Pantanal

O Gretap (Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal) contabilizou durante levantamento na manhã desta quinta-feira (20) centenas de animais mortos por conta dos incêndios que assolam o Pantanal, em Corumbá.

Os especialistas percorreram a Estrada Parque Pantanal até o Porto Manga, segundo a Coordenadora Operacional do Gretap, Paula Helena Santa Rita, para cobrir a área atingida pelo fogo e identificar fauna afetada.

Paula relata que na Bahia Seca o fogo cercou o local e aqueceu a água. Com isso, dezenas de peixes foram encontrados mortos boiando. Segundo a coordenadora, em 2020 – ano trágico para o Pantanal – os animais dali passaram pelo mesmo.

“Foi identificado um jacaré adulto que tinha 12 animais próximos; lagartos, anfíbios e serpentes”, relata. Mas o que chamou mais atenção de Paula foi uma família de Emas, que andava pelas cinzas em busca de algum alimento, já que não tinham como fugir para outro lugar.