“Quando tem conflito, só morre indígena”, desabafa irmão de morto a tiro em Antônio João

Indígena Guarani Kaiowá Neri da Silva deixa esposa e filho de um ano

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Cabana onde morava Neri, morto em conflito (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Aos 16 anos, um indígena acabou presenciando a morte do irmão a tiro pela polícia durante confronto pela Terra Indígena Nhanderu Marangatu, em Antônio João. Além dos sete irmãos, Neri da Silva, de 23 anos, deixa esposa e um filho de apenas um ano. Ele morreu na quarta-feira (18), mas só nesta sexta-feira (20) o corpo deve ser liberado para a família sepultar.

O Jornal Midiamax está na região de conflito e teve a oportunidade de conversar com indígenas, que lutam pelo direito de permanecer nas terras. A área de conflito que envolve a Fazenda Barra, de propriedade da influente família Ruiz, foi homologada como terra indígena em 2002. Mas teve os efeitos suspensos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em seguida.

Há um ano, o conflito pela área ganhou força, diante da pressão de indígenas e ações dos fazendeiros para se manterem na área, com escolta da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul autorizada pela Justiça na área. Com a morte, indígenas de outras cidades chegam a aldeia para o velório, enquanto dezenas de militares se concentram na propriedade privada.

Dezenas de viaturas estão no local (Foto: Fala Povo)

‘Esperando ele voltar’

O conflito, que resultou na morte do indígena e ainda deixou outros dois feridos, ocorreu no momento em que indígenas tentavam ocupar a sede da fazenda. Irmão de Neri afirma que o policial que o matou estava em cima de uma viatura da polícia.

“Quando o conflito acontece, nunca morre branco, só indígena. Estão falando de armas, mas a gente só tem flecha, que nem chega longe”, defende ele. A polícia, que usa fuzis, alega que os indígenas estavam armados e que abriram fogo, iniciando o tiroteio contra a tropa.

O Jornal Midiamax mostrou na quinta-feira (19) a versão da polícia. Foi divulgado que o indígena cometeu um latrocínio quando era adolescente. Ele cumpriu pena na Unei (Unidade Educacional de Internação) e foi liberado em 2017. A família não comentou o episódio.

Com um bebê de um ano no colo, a esposa, Eva Souza Gonçalves, ainda tenta lidar com a morte do marido. “Eu ainda estou esperando meu marido chegar”. Assim como ela, a mãe de Neri e irmãos, bem como toda a comunidade, está visivelmente abalada com a morte.

(Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Histórico de mortes em Antônio João

O assassinato de Neri não é o primeiro em Antônio João. Vários indígenas foram mortos em conflitos por terra na cidade, entre eles Marçal de Souza, em 1983. Quem vive ali, convive com as perdas, em uma disputa sem fim.

Uma das lideranças, Loretito Fernandes, afirma que perdeu um irmão há 9 anos, também assassinado. “Nós somos daqui, nascemos e temos raízes aqui, eles que nos tiraram da nossa terra e agora falam que é deles. Eles não têm nada aqui”.

A Terra Indígena Ñande Ru Marangatu foi declarada para posse e usufruto exclusivo e permanente do povo Guarani Kaiowá, por meio da Portaria nº 1.456, de 30 de outubro de 2002, e homologada por meio de Decreto Presidencial de 28 de março de 2005. No entanto, a demarcação foi suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

(Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

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