“Pela hora da morte”. A expressão que serve para descrever algo tão caro que pode lhe custar a vida cabe bem para descrever o sensível momento da despedida de um familiar. Junto à certeza da morte, há mais uma verdade pouco comentada: não existe caixão, vala, coroa de flores ou sepultamento grátis. Por mais democrática que seja, a morte também impõe seus custos. A diferença é que quem permanece vivo é que precisa arcar com eles.

Os preços, contudo, podem variar bastante – e justamente no momento de vulnerabilidade emocional, quando recorrer à razão é muito mais difícil para quem cuida do último adeus. Assim, as negociações complexas feitas nesse momento delicado deixam famílias especialmente mais vulneráveis a situações abusivas nas relações de consumo, quando fica mais fácil convencer alguém a aderir a planos e serviços com preços mais altos do que o esperado.

Em Campo Grande, histórias não faltam. Desde venda casada a superfaturamento em caixão. Esse é o tema da primeira reportagem de uma série que explora os custos e negócios que orbitam a morte, transformando esse mercado num ramo que tem até nome pomposo: death care (cuidados com a morte, em livre tradução).

Consumidor precisa se precaver

Ação civil pública movida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) que investiga a cobrança de preços abusivos e venda casada em um cemitério privado de Campo Grande é um sintoma do que pode acontecer com frequência quando alguém morre.

No caso, a empresa investigada é acusada de realizar reajustes anuais, cobrando 8% do salário mínimo na chamada taxa de administração e manutenção funerária – prática que pode ser classificada como cobrança abusiva. Além disso, a empresa realiza a imposição e cobrança de multa em caso de atraso nos pagamentos, em patamar que supera os 2% permitidos por lei.

Com isso, duas observações são possíveis: deixar para pensar na morte somente na hora que ela chegar é aumentar as chances de ser enganado, principalmente por conta de questões emocionais. A outra é que o planejamento pode deixar as coisas até mais baratas.

Especialista em direito do consumidor, o advogado Marcelo Salomão explica que é fundamental estar atento a todos os detalhes de um contrato. “O contrato como o de aquisição de um jazigo é muito semelhante à compra de qualquer imóvel. Então, taxas como um valor de condomínio previstas em contrato são legais. Mas, a questão pode ser um problema quando há um reajuste injustificado de valores ou quando há venda casada”, explica. 

Salomão aponta que as Pax e cemitérios privados têm a liberdade de cobrar preços livremente, com base na oferta e demanda. Entretanto, há regras a serem cumpridas. “Elas são empresas privadas como qualquer outra. Se há maior procura, os preços podem subir, é o livre mercado. O que não pode ocorrer é a prática de valores muito acima da média de mercado ou, no pior dos casos, existir um cartel que eleve o valor da média mercadológica propositalmente”. 

Problemas mais comuns em Campo Grande  

No primeiro semestre deste ano, o Procon-MS (Secretaria Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor) registrou 12 reclamações relativas a produtos e serviços funerários. Dentre os principais problemas, estão falta de informação, descumprimento e solicitação de cancelamento de contrato, divergência de valores, reajuste do plano, falha na prestação do serviço e negociação de débitos.

Já no ano passado, o Procon-MS confirmou existência de 40 reclamações de consumidores no mesmo segmento. “Importante ressaltar que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) pressupõe que todas as pessoas devem receber informação prévia, adequada e clara no processo de aquisição de qualquer produto ou serviço, sempre respeitando a liberdade de escolha na contratação. Tais medidas são um direito básico dos consumidores”, ressalta o órgão.

O que é venda casada e como identificar 

A “bíblia” do consumidor consciente é o CDC (Código de Defesa do Consumidor), que reúne o que é direito e o que é dever nas relações de consumo formais. E é no artigo 39 que estão as definições de prática abusiva, tais como a venda casada.

Em resumo, esta consiste em tentar vender duas ofertas em conjunto, como se fosse obrigatório adquirir ambas, quando o cliente só está interessado em uma delas. A exemplo do caso investigado em Campo Grande, clientes denunciam que a empresa em questão realiza venda casada no cemitério, proibindo a compra de placas de jazigos sem ser da empresa indicada pela denunciada. A empresa ainda é classificada como suspeita e o caso segue em investigação. 

Como podem ser feitos os reajustes

Segundo o advogado especialista em direito do consumidor, Fábio Barros, a Lei nº 3.909, de 30 de novembro de 2001, que regula os serviços funerários e de cemitérios no Município de Campo Grande, estabelece alguns pontos principais relacionados à obrigação de pagamento de taxas para manutenção.

Os serviços funerários são públicos, podendo ser prestados diretamente pelo município ou por terceiros, nas condições estabelecidas pela legislação. 

Imagem ilustrativa – (Henrique Arakaki/Midiamax)

Desse modo, o preço não pode ser superior ao estabelecido no edital de licitação. Os cemitérios privados, apesar de serem de domínio particular, têm interesse público e, por isso, são fiscalizados pelo município. Sendo assim, necessita ser permissionário. 

“Qualquer reajuste de preço dos serviços e da tarifa de manutenção deve ser autorizado anualmente pelo executivo municipal, após a aprovação da planilha de custos apresentada pelas concessionárias. Além disso, a periodicidade de reajuste não pode ser inferior a 12 meses”, explicou o advogado.

Os valores praticados podem variar conforme o tipo e nível de serviços oferecidos, mas devem seguir a média padrão estabelecida pelo município, bem como o que é previsto no edital de licitação. 

Consumidor é obrigado a pagar manutenção de jazigo? 

A legislação permite a cobrança de taxas de manutenção para jazigos, mas impõe limites e controles sobre o valor dessas taxas. A cobrança deve ser pequena e ajustada conforme a planilha de custos aprovada pelo executivo municipal. O objetivo é garantir que os preços não excedam o estabelecido no edital de licitação e que os reajustes não ocorram em intervalos menores que 12 meses. 

“No âmbito das relações de consumo, as taxas cobradas por serviços previamente acordados, como a administração e manutenção de cemitérios, são consideradas legítimas”, explica o advogado Flávio Barros.

Logo, a legislação prevê que, desde que o pagamento tenha sido regularmente acordado entre as partes e o serviço tenha sido usufruído, a cobrança é um exercício regular de direito e não se trata de cláusula abusiva. Entretanto, o reajuste também deve cumprir com o acordo prévio, dentro do que é previsto em lei.

“Portanto, os consumidores devem sempre verificar e entender os contratos que assinam, especialmente em relação a taxas de manutenção e administração, para garantir que estão de acordo com os termos”, finaliza.

Onde denunciar se o consumidor se sentir lesado? 

Caso o consumidor se sinta lesado ou encontre dificuldades em resolver questões relacionadas a essas cobranças, é recomendável consultar um advogado especialista de confiança ou, ainda, acionar o Procon municipal ou estadual e formalizar uma denúncia. O Procon-MS, a exemplo, pode ser consultado por meio de seus canais oficiais como o site www.procon.ms.gov.br, telefone 151 e o aplicativo MS Digital.

Sindicato desconhece denúncias

Consultado pela reportagem, o Sindef-MS (Sindicato das Empresas do Segmento Funerário de Mato Grosso do Sul) informou não ter conhecimento sobre denúncias como venda casada.  

“Nosso sindicato é patronal, sendo assim não somos abertos a clientes ou sociedade, porém sempre prezamos pelo bom atendimento das empresas para a população de Campo Grande e a Prefeitura, através da Agência de Regulação (AGEREG) acompanha de perto nossos serviços, nos fiscalizando periodicamente, principalmente se houver alguma denúncia nesse sentido”, informou. 

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