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Cotidiano

Proposta de reforma do Código Civil retira preferência de cônjuges em herança

Caso aprovada, nova legislação define que cônjuges ou conviventes ocupariam terceira posição na linha hereditária, atrás de filhos e pais
Osvaldo Sato -
Tema da atualização do Código Civil é debatido nos meios acadêmico e político (Foto: Freepik)

Um anteprojeto de reforma do Código Civil, apresentado ao Senado Federal em abril, traz uma mudança significativa no que diz respeito aos direitos de herança para viúvos e viúvas. De acordo com a proposta, os cônjuges deixam de ser considerados herdeiros necessários. 

Conforme a redação atual do Artigo 1.845 do Código Civil, do ano de 2002, os herdeiros necessários são descendentes (filhos e netos); ascendentes (pais e avós) e cônjuges. Isso garante a eles o direito a uma parte da herança legítima, equivalente à metade dos bens do falecido. Ou seja, 50% do patrimônio é destinado obrigatoriamente a essas pessoas e deve ser dividido entre elas.

Assim, com a proposta de alteração, o cônjuge seria excluído deste artigo e deixaria de ser herdeiro necessário. Manter-se-ia, porém, na ordem de sucessão hereditária prevista no artigo 1.829 do Código Civil. Neste sentido, cônjuges ou conviventes ocupariam a terceira posição nessa ordem, atrás de descendentes e ascendentes.

Em outras palavras, viúvos e viúvas perderão o direito à herança caso a pessoa falecida tenha pais ou filhos vivos. O cônjuge só terá direito à herança se o falecido deixar um testamento a seu favor, respeitando as formalidades legais.

Especialistas divergem

A medida tem opiniões divergentes entre especialistas em Direito de Família e das Sucessões. Para o advogado Manoel Augusto Martins de Almeida, a alteração proposta está alinhada à realidade atual e, considerando as demais propostas para o tema, possibilitará que se realize um planejamento sucessório com maior liberdade, a fim de evitar o surgimento de conflitos em caso de falecimento de quaisquer dos cônjuges ou conviventes.

Ele explica que o texto atual do Código Civil foi produzido na década de 70, ainda que efetivado em 2002. Isso fez com que fosse escrito em consonância com a realidade brasileira daquela época, em que sequer o divórcio era permitido no Brasil (só passou a integrar o ordenamento jurídico constitucional em 1977).

“Desde então, passados aproximadamente 50 anos desde a elaboração do texto em vigor, a sociedade passou por transformações absolutamente complexas, e hoje suas realidades, seus direitos, seus anseios e necessidades, guardam pouquíssimas semelhanças com os mesmos parâmetros de meio século atrás. Notadamente, em se tratando do direito de família, o texto em vigor não se revelou capaz de acompanhar a evolução social”, afirmou o advogado.

“A condição de herdeiro necessário do cônjuge ou convivente em união estável, que fora incluído no texto com o viés de trazer uma maior proteção financeira à viúva, numa época em que sequer o divórcio era permitido”, explicou.

“Na realidade atual, essa condição de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente traz diversos entraves à solução dos inventários. Isso porque, além de participar (ter direito a) 50% do patrimônio constituído durante o casamento ou união estável, a lei atual garante sua participação em igualdade de condições com os descendentes e ascendentes, naqueles bens que o falecido ou falecida já possuía antes do início da vida conjugal, ou que recebeu por herança ou doação”, concluiu.

Parlamentar considera retrocesso

Em contraponto, há quem acredite que a proposta prejudique o cônjuge que efetivamente participou do processo de construção do patrimônio. É o caso do senador pelo Espírito Santo, Fabiano Contarato, que se manifestou contrário à proposta, onde, segundo ele, seria um retrocesso de direitos.

“Imagine a situação em que um casal construiu por anos um patrimônio e a sua companheira não terá direito a herança porque há outros familiares à sua frente na ordem sucessória? Isso é um grande retrocesso e lutarei no Senado Federal para impedir essa mudança”, destacou Contarato em seu site.

Em artigo científico, o especialista em direito processual civil Mario Delgado destacou que, em um cenário onde há pessoas que se casam por diversas vezes, a atual legislação premia, pela sorte, aquele que será detentor da maior parte da herança.

“Os relacionamentos conjugais se sucedem e se multiplicam com diferentes parceiros, e aquele que tiver a sorte de ocupar a posição de cônjuge ou convivente ao tempo da abertura da sucessão, pouco importando o tempo de conjugalidade, se tornará o grande premiado, em detrimento dos próprios filhos do autor da herança. Salta aos olhos a injustiça desse paradigma”, destaca.

Neste sentido, de um lado apresenta-se o receio de que um cônjuge, que tenha participado por toda uma vida da construção do patrimônio, não seja constituído herdeiro dos bens da partilha; do outro, há a crítica de que a atual legislação ‘premia’ aquele último cônjuge (e até filhos oriundos de outros relacionamentos), mesmo que não tenha efetivamente participado da construção de um patrimônio, criando diversos imbróglios jurídicos e brigas sucessórias.

Casamentos e divórcios

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que o estado de Mato Grosso do Sul, historicamente, sempre se destacou entre as unidades da federação com maiores taxas de divórcio do país. 

Em 2022, o estado ocupou a segunda posição. Diante dos 15.038 casamentos registrados neste ano, houve 7.678 divórcios contabilizados.

Além disso, o tempo médio de duração de um casamento no Estado é de 11,6 anos, sendo o terceiro menor do País, que tem como média geral 16 anos.

Os números demonstram uma realidade diferente da verificada quando o primeiro código civil foi gestado, em uma época em que o divórcio sequer era permitido. Desta forma, a reflexão constante sobre possíveis atualizações no Código Civil pode ser crucial por várias razões. 

Alguns exemplos são as mudanças sociais e tecnológicas; a adaptação às necessidades da população; a correção de lacunas e incoerências; a constitucionalização dos direitos humanos; e este tema que instiga esta matéria, do planejamento sucessório e proteção dos indivíduos.

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