Sair de casa cedo para pegar ônibus é rotina de quem depende do transporte público, mas se não bastasse a precariedade do serviço a população de Campo Grande agora também precisa lidar com os ‘bolos’ que levam dos ônibus. A situação acontece todos os dias, mas é pior aos finais de semana, quando os ônibus simplesmente não passam.

Reportagem do Jornal Midiamax denunciou a falta de motoristas no Consórcio Guaicurus que está obrigando a paralisação de linhas. E é daí que vêm os ‘bolos’ aos usuários. Sem motorista para preencher o quadro de horários, os ônibus simplesmente não passam e quem fica na mão é o usuário que depende do transporte público.

Estimativa de fontes ouvidas pelo Jornal Midiamax é de que faltem mais de 70 motoristas no quadro de funcionários do Consórcio Guaicurus. Essa situação tem se agravado há alguns meses, com muitos funcionários deixando a empresa para empregos melhores, principalmente na área de celulose.

Duas horas de espera diária por ônibus

O trabalhador Stefferson Martins, 44, mora no bairro São Conrado, e conta sobre rotina exaustiva que enfrenta diariamente para ir e voltar do trabalho, com espera por ônibus que chega a duas horas.

No último domingo de trabalho, ele levou um ‘bolo’ do ônibus e chegou atrasado ao trabalho. “Fui pegar a linha 305 São Conrado como sempre pego para ir trabalhar, às 12h24 na rua que moro, e não passou. Cheguei no ponto às 12h10 e só fui pegar o 307 as 13h06. Cheguei atrasado no serviço”.

Se para chegar ao trabalho é difícil, a jornada que o trabalhador enfrenta na volta é ainda pior. “Ao sair às 22h do serviço, consigo pegar o São Conrado no terminal só às 23h40, olha quanto fiquei exposto na rua para assalto”, conta.

Nos comentários das redes sociais do Jornal Midiamax, outros usuários do transporte público confirmam a situação. “Inclusive a linha 409 não existe aos domingos, uma situação complicada, visto que os outros ônibus demoram demais”, disse leitora.

Outro leitor do Jornal Midiamax conta que pega ônibus em terminais todos os dias e vê quando até fiscais precisam assumir as linhas. “Isso que eles falam que não falta motorista é mentira, falta sim. No meu bairro é um problema, conheço motoristas em rotina exaustiva para dar conta do trabalho”, conta.

Sobrecarga e baixos salários

A ‘debandada’ dos motoristas do Consórcio Guaicurus se intensificou após a demissão do diretor da Viação Cidade Morena, Leonardo Constantino Meneghin, após 16 anos no cargo. Na época, o Jornal Midiamax mostrou que motoristas homenagearam o colega em letreiros dos ônibus.

Os motoristas do Consórcio Guaicurus recebem salário de R$ 2.749, mais vale-gás a cada dois meses e R$ 250 de ticket alimentação por mês. Com a demissão do diretor e oferta de vagas no setor de celulose com condições melhores, muitos motoristas decidiram deixar a empresa.

Com a saída de funcionários, quase que diariamente, os motoristas que ficam foram autorizados pelo Consórcio Guaicurus a fazer diárias e estão sendo consumidos pela sobrecarga. Há relatos de motoristas saindo do trabalho a meia-noite e iniciando novamente a jornada antes das 5h.

Presidente do STTCU-CG (Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo Urbano de Campo Grande), Demétrio Freitas, confirma a falta de motoristas não só de ônibus, mas de todos os setores, devido a ofertas mais atraentes de empresas do setor de celulose. Porém, ele não soube informar sobre déficit de motoristas no Consórcio Guaicurus.

Consórcio nega e prefeitura se exime da responsabilidade

A prefeitura disse que a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) fiscaliza diariamente o serviço de transporte coletivo urbano e, quando existe algum problema, são tomadas as providências cabíveis perante as situações apresentadas. 

“O quantitativo de motoristas cabe ao Consórcio Guaicurus, sendo importante para os usuários, que o sistema funcione independentemente de qualquer problema que venha ocorrer, não deixando de atender as necessidades dos usuários”, termina a nota.

Em nota, o Consórcio Guaicurus negou que haja falta de ônibus, apesar dos relatos de motoristas e passageiros, e informou que “as linhas de ônibus continuam operando dentro da normalidade, e a população está sendo atendida conforme os padrões estabelecidos, respeitando os horários de chegada em cada ponto da cidade”.

Sobre as baixas de motoristas para empresas que oferecem melhores condições de trabalho, as empresas de ônibus limitaram-se a dizer que possuem “profissionais qualificados capazes de suprir as demandas de todas as linhas em operação”, sem comentar sobre jornadas exaustivas.

Déficit de R$ 4,7 milhões

Na terça-feira (5), o Consórcio Guaicurus notificou a Prefeitura de Campo Grande e entrou com nova manifestação na ação em que pede o reajuste da tarifa de ônibus. O Consórcio alega um déficit de R$ 4,7 milhões, por parte do Município.

Conforme a manifestação feita no processo, os serviços prestados são remunerados pela receita tarifária, com R$ 4,65 remunerada e R$ 5,80 técnica. No entanto, de março de 2023 a 29 de fevereiro deste ano, o Consórcio teria identificado um déficit de R$ 4.749.610,38.

O que o Consórcio alega é que isso desestabiliza, de forma grave, o sistema orçamentário. “Compromete a execução do serviço público de transporte municipal, sobretudo o pagamento de funcionários e conservação da frota”.

Assim, o pedido é para que em 5 dias a Prefeitura faça a quitação do débito, sob pena de incidência de multa. Mais ainda, o Consórcio afirma que o não pagamento na íntegra da tarifa técnica atual, de R$ 5,80, deixa transparecer que a Prefeitura “abandonou o transporte público”.

Isso, para o Consórcio, é visto como conduta que “coloca o requerente em uma situação de grande dificuldade, eis que o serviço pode paralisar a qualquer momento por falta de recursos financeiros, levando em conta que a linha de crédito está se esgotando”.

Também é citada alegação do Município de que o reajuste só poderia ser feito após o dia 1º de março, já que foi a data do reajuste em 2023. “Mas já estamos no dia 05.03.24 e, até o momento, o reajuste não ocorreu, sem qualquer tipo de justificativa”, afirma.

O pedido é de multa de R$ 100 mil por dia de atraso do pagamento do déficit de R$ 4,7 milhões. Ainda não há decisão ou manifestação da Prefeitura de Campo Grande sobre a manifestação do Consórcio Guaicurus.

Midiamax acionou a Prefeitura de Campo Grande sobre o reajuste e aguarda retorno. A reportagem foi feita com base em documento oficial, por isso está passível de atualização para acréscimo de posicionamento.

Tarifa vai aumentar

A prefeita Adriane Lopes (PP) comentou no dia 4 de março que o reajuste da tarifa vai acontecer nos próximos dias, sem falar em valores. Agora em março acaba o prazo de um ano para o novo aumento da tarifa.

O Consórcio Guaicurus entrou com as ações por alegar que o Município atrasa os aumentos das tarifas. Isso, porque a última teria que ocorrer em outubro de 2022, mas foi feita em março de 2023.

Ao mesmo tempo, o Consórcio pediu novamente o reajuste já em outubro de 2023, ou seja, apenas 7 meses após o último aumento. A Agereg afirma que o atraso de 2022 só aconteceu por culpa do Consórcio, que deixou de apresentar documentos necessários para que isso ocorresse.

Guerra judicial por reajuste

Há meses, tramita na Justiça o processo entre o Consórcio Guaicurus e a Agereg, para reajuste da tarifa do transporte público de Campo Grande. Ainda em fevereiro, as partes precisariam decidir sobre o reajuste anual da tarifa.

São dois reajustes em disputa. Um que deve aumentar o valor real da tarifa de ônibus para os usuários e até o momento está mantido e outro que é referente a um período contratual de 7 anos.

O que a Agereg relata é que o Consórcio teve lucros nos últimos 7 anos, ao contrário do que alega. “Importante frisar que desde 2019 o Consórcio Guaicurus alega prejuízos com a pandemia da COVID-19 e diminuição de passageiros, além disso, deixou de cumprir cláusulas contratuais, acarretando óbice à revisão dos primeiros 07 (sete) anos do contrato”, pontua a Agência na contestação.

“Assim, esta AGEREG realizará a revisão contratual no próximo ciclo, que se encerrará em 2026, considerando os lucros que o Consórcio obteve no período dos primeiros 07 (sete) anos da execução do contrato, bem como os alegados prejuízos e descumprimentos contratuais do Consórcio, mesmo porque, caso ocorra, a revisão considerando o primeiro ciclo do contrato trará efeitos negativos ao Consórcio”.