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Cotidiano

Órfã e roubada para cuidar de criança, Madalena deixou legado ao ser persistente, matriarcal e disciplinadora

"Ela nos ensinou a nunca abaixar a cabeça diante da discriminação e dos preconceitos", relatam filhos
Graziela Rezende, Victória Bissaco -
Filho, Marcos Terena (Nathalia Alcântara, Midiamax)

“Minha mãe era uma mulher tipicamente terena, matriarcal, disciplinadora e que sempre nos aconselhava a tomar decisões, a ser justo, principalmente na relação com as pessoas”. O legado da indígena Madalena está explícito nas palavras de um dos filhos, ainda emocionado ao ver a passagem de espírito da mãe, nesse fim de semana, em .

Madalena Gomes, na língua portuguesa, e Allunoe, na tradição terena, a indígena de 87 anos nos deixou no último domingo (23), após um período de luta contra o diagnóstico de Alzheimer e Parkinson. O velório ocorre nesta segunda-feira (24), na Pax Real da Avenida . Já o sepultamento será às 16h30, no Cemitério Parque das Primaveras, perto da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

Filhos, Marcos e Miriam Terena (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)
Filhos, Marcos e Miriam Terena (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Em sua trajetória de vida, batalhando muito na infância, adolescência, e depois na criação dos seis filhos, Madalena persistiu no exemplo e atuou na criação do Conselho dos Direitos da Mulher Indígena. “Ela nos ensinou a nunca abaixar a cabeça diante da discriminação e dos preconceitos, algo que, provavelmente, ela também viveu. E isso ajudou muito a formar a minha personalidade e dos meus irmãos, sem falar nos reflexos no movimento indígena brasileiro internacional”, argumentou Marcos Terena.

Órfã, Madalena presenciou o assassinato do pai, quando tinha cerca de 9 anos. “Depois uma família de fazendeiros, que ocupava as terras indígenas, trouxe ela para Campo Grande, para cuidar de um dos filhos. Ela não falava português, não comia as comidas da cidade, então, teve que superar todas as questões para sobreviver. E ela conseguiu”, relembrou o filho.

Quando mais jovem, diz que a mãe fez orações e assim ele conseguiu integrar a Academia da Força Aérea, para ser piloto de avião. “É marcante isso pra mim, ela prontamente fez a sua oração e eu tenho muita gratidão por esta conquista, afinal de contas, não é qualquer pessoa que se torna piloto da Força Aérea, muito menos sendo indígena. Minha mãe, em três palavras, é persistente, corajosa e disciplinadora”, disse.

‘Ajudou mães solteiras e chegou a adotar crianças abandonadas’

Madalena Gomes. Foto: Redes Sociais/Reprodução
Madalena Gomes. Foto: Redes Sociais/Reprodução

Sobre o legado para a comunidade, Marcos ressalta que a importância é extrema para a cultura indígena. “Minha mãe passou por fases ruins, momentos difíceis sozinha, na adolescência, não sei se ela teve juventude, mas, ela aprendeu a importância da união. A união no idioma, na cultura, mas, também no dia a dia da vida das pessoas. Lembro que ela ajudou muitas famílias indígenas que não tinham onde morar, repartindo o quarto em uma casinha lá na Vila Planalto e também ajudou mulheres grávidas, mães solteiras como se diz, inclusive adotando alguns para que não se tornassem crianças abandonadas”, argumentou.

Ao fim da vida, Marcos comentou que a mãe ainda ensinou, mostrando que a caminhada em direção à morte é inevitável. “Mesmo assim não podemos ter medo da morte e nem esperar que ela chegue e nos domine totalmente. Ou seja, tem que saber viver o momento e enxergar aquele o que nós chamamos de campo dos ancestrais, o campo das estrelas. E isso é mágico. E temos que fazer isso no coração das pessoas. Muitas pessoas procuravam minha mãe, queriam dormir no colo dela. Pessoas muito ricas, filhas de fazendeiros, que procuravam para pedir uma vez, uma palavra ou esse adormecimento no colo. Isso jamais será esquecido”, pontuou.

Outra filha, Mirian Terena, veio do Mato Grosso para cuidar da mãe, seguindo a tradição indígena. “Eu fiquei, até o final, cuidando da minha mãe com muito amor e carinho. Porque para nós, os indígenas, nossos velhos, nossos anciões, são bibliotecas vivas, fontes de sabedoria, e nós temos por obrigação de cuidar até o final”, contou.

Ao Jornal Midiamax, relembrou que a mãe era uma mulher muito forte. “Ela criou os filhos com sabedoria, alertando, sempre conversando conosco e nos dando conselhos. Minha mãe passou pra gente toda uma história de força e superação que não vamos esquecer nunca, e sempre vamos trabalhar para deixá-la viva”.

Mirian é integrante e uma das fundadoras do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas do Brasil. Ela conta que a força de lutar pelo direito das mulheres é uma luta passada pela mãe, que sempre colocou os filhos ‘a par’ dos preconceitos que poderiam sofrer ao longo da vida. “Então, ela foi uma pessoa de luta, de peso, que todo mundo conhece aqui em Campo Grande”.

Ainda, conta que a mãe a ensinou a sempre lutar pelos direitos dos povos indígenas, ação que continua até os dias de hoje. “Nosso povo precisa ter nossa luta e história reconhecidas, precisa de moradia digna, de alimentação digna. É uma luta que eu vou continuar lutando. Tudo isso graças aos ensinamentos da minha mãe, que ensinou a mim e aos meus irmãos a sermos quem somos”.

‘Transmitia paz quando estávamos juntas’, fala advogada

Advogada Tatiana Ujacow (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)
Advogada Tatiana Ujacow (Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

A advogada e ativista da causa indígena Tatiana Azambuja Ujacow esteve presente no momento da despedida e disse que, logo que conheceu Dona Madalena, o que mais a impressionou foi a doçura e o sorriso dela. “Ela transmitia paz quando estávamos juntas e a gente nem imaginava, ao conhecê-la, toda a história de luta que foi a vida dela. Era uma mulher forte, guerreira, mas, sem nunca perder essa doçura, essa ternura que ela tinha, justamente esse jeito dela nas situações difíceis e que dava resiliência e força para o seu povo enfrentar”, opinou.

Conforme Tatiana, Dona Madalena passou por uma história de superação sem se abater com as circunstâncias, sempre com a capacidade de resiliência e agora deixando este legado de força, resistência e luta pelos direitos dos povos indígenas.

“E ela construiu uma família, onde construiu também lideranças para estar na frente deste processo de luta da defesa dos direitos indígenas. É uma perda lastimável para Mato Grosso do Sul e para a comunidade indígena”, finalizou.

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