‘Não teremos Natal’: Família lamenta medida que impede ‘acumulador da Planalto’ de ir para casa

Embora tenha decorado a casa, Elisangela, esposa do ‘acumulador’, lamenta que não receberá visitas para o Natal

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Foto da família de José
Foto da família de José (Henrique Arakaki, Midiamax)

Em plena véspera de Natal, uma figura já conhecida dos campo-grandenses voltou a chamar atenção. Com a barba branca e uma tornozeleira eletrônica, ele passa os dias ‘vagando’, aparentemente sem rumo, entre praças e parques da cidade. A figura? José Fernandes, mais conhecido pela alcunha de ‘acumulador da Rua Planalto’.

Embora a medida cautelar que concedeu sua liberdade garanta uma residência, ele segue pelas ruas. Desde o dia 12, José está em regime semiaberto, após acabar preso em flagrante em agosto deste ano por crime ambiental. Apesar da liberdade provisória, a justiça estabeleceu uma medida restritiva que o impede de se aproximar de sua casa, onde estão sua esposa e quatro filhas, de 8, 9, 11 e 16 anos.

José Fernandes se tornou uma figura conhecida após incomodar toda a vizinhança e gerar inúmeras denúncias aos órgãos públicos. Isso aconteceu devido ao acúmulo de lixo, mato alto e até fezes no entorno de sua casa, entre as ruas Planalto e Geraldo Agostinho. A situação chegou a um ponto em que o acúmulo prejudicou o trânsito de quem passava pelo local.

‘Não quero saber se ele cometeu crime, só quero ele aqui’

Roupa que era usada por José
Roupa que era usada por José (Henrique Arakaki, Midiamax)

Em meio a toda essa situação, quem mais sofre é a esposa e as filhas, que, desde a prisão do pai, têm passado por acompanhamento psicológico. Elisangela Elias dos Santos, 48 anos, conta que o marido não consegue ficar na casa do sobrinho, por isso, passa os dias andando pela cidade.

“Nós vamos vê-lo na casa do sobrinho, mas nem sempre podemos ir. Não sabemos se ele será liberado para vir aqui, a princípio a restrição é de 180 dias. Mas ele não aguenta ficar fechado o dia inteiro, por isso fica andando pelas ruas”, disse.

Ela conta que grande parte dos itens e móveis retirados pela prefeitura durante a limpeza do local, garantiriam o sustento da família, uma vez que os objetos eram restaurados e vendidos por José. Agora, ela e as filhas sobrevivem com uma quantia deixada por ele.

“Ninguém vai querer vir aqui comprar depois de toda essa situação. As pessoas nem passam por aqui, não vão querer parar e comprar alguma coisa. Vivo com R$ 1.500 por mês que ele deixou”, lamenta.

Elisangela decorou a casa, mas não irá receber visitas

Casa decorada para atender pedido das filhas
Casa decorada para atender pedido das filhas (Henrique Arakaki, Midiamax)

Embora reconheça os problemas do marido, Elisangela considera a medida de restrição arbitrária e lamenta que, neste ano, ele tenha que passar o Natal longe de casa.

“Nossa casa não tem mais alegria, não teremos Natal. Não quero saber se ele cometeu crime ambiental, só quero ele aqui. Só arrumei a casa porque as crianças pediram, mas não teremos Natal. Nessa hora, minha casa estaria cheia de gente, com a família toda reunida”, lamenta.

Prisão, liberdade e suspensão da ação penal

Acumulador da rua Planalto
Casa do acumulador (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

A delegada Gabriela Stainle Pacetta, da Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista) expediu o mandado de prisão em agosto. Em 9 de dezembro ele teve a liberdade provisória concedida.

Na decisão, a juíza considerou que assumiu o compromisso de morar na casa de seu sobrinho. Além disso, concordou em fazer seu tratamento médico. “Afastando-se do local em que os delitos foram, em tese, praticados, assumindo, ainda, a responsabilidade por seu tratamento médico”.

Após a determinação da liberdade provisória, a Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal suspendeu o andamento da ação penal. Isso, até se apresentarem os resultados da perícia a que o ‘acumulador’ será submetido em 2025.

José Fernandes ainda deve passar por análise de insanidade mental em janeiro de 2025, na clínica psiquiátrica SINAPSI-Q, em Campo Grande. Tiago Ferreira Campos Borges, médico psiquiatra credenciado pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, irá realizar a perícia.

“Considerando que o incidente de insanidade mental do acusado encontra-se em andamento, com perícia designada para a data de 25/01/2025; ainda, diante da concessão de liberdade provisória do réu no pedido de revogação preventiva autuado, suspenso o andamento da ação penal até a solução do incidente de insanidade mental”, determinou a Juíza.

Ainda em agosto, a casa de José passou por um mutirão de limpeza que durou cerca de 7 horas.

Quem é o ‘acumulador da rua Planalto’?

Acumulador da rua Planalto
José Fernandes (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

Em julho deste ano, José Fernandes, que sempre preferiu se manter distante de entrevistas, optou por abrir as portas de sua casa e contar ao Jornal Midiamax história que o levou a chegar nesse ponto. Ele relata que tudo começou em 2006, quando recebeu uma notificação judicial de desapropriação de seu terreno de 1 mil metros quadrados, localizado entre a Rua Rolândia e a Avenida Fábio Zahran.

Segundo ele, a área foi desapropriada para a construção da Avenida Fábio Zahran, que naquela época, era chamada de Via Morena. A princípio, mesmo discordando da decisão, José concordou com a desapropriação, desde que houvesse garantias de que ele receberia um novo terreno ou o valor correspondente à área desapropriada.

Acumulador da rua Planalto
Avaliação do terreno (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

“Eu disse que saía desde que me dessem uma área em outro lugar, ou me pagassem valor que o terreno valia. Um oficial fez o levantamento e disse que valia apenas R$ 106 mil, isso não pagava nem o que investi no terreno. Depois chegaram com caçamba e destruíram tudo, até mataram meus animais”, relata.

Na época, além de José, outras 76 famílias receberam a ordem de desapropriação, sendo que ele foi o primeiro a contestar o valor avaliado judicialmente. Mesmo sem saber ler, ele sabia que o valor estava muito aquém do esperado. Quando o local foi oficialmente desapropriado, ele já morava há um ano na casa localizada na Rua Planalto.

‘Foi a única maneira que encontrei para chamar atenção’

Acumulador da rua Planalto
José mostra retrato de quando era mais jovem (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

O processo se arrastou por anos, durante os quais José começou a realizar protestos para chamar atenção para seu caso. Ele organizou diversas manifestações na Prefeitura de Campo Grande, Câmara de Vereadores e em outros órgãos públicos da cidade. No entanto, o impasse persistia sem solução até 2023, quando encontrou uma nova maneira de chamar atenção para o problema.

“Tentei de tudo. Fazia várias manifestações, mas nunca deram moral. Cheguei a ser expulso da prefeitura. Até então, sempre mantive minha casa muito bem cuidada, o jardim era impecável, as crianças brincavam e a manutenção era recorrente”.

‘Minha casa não era assim’

Aos poucos, José sucumbiu e, como último recurso, iniciou os protestos em frente à sua casa na Rua Planalto. Primeiro, fixou uma faixa na frente da residência, onde relatava que teve seu terreno desapropriado e não recebeu compensação por isso. Em seguida, começou a espalhar lixo e objetos pela calçada.

“Não vou dizer que o que faço é bonito. Fiz por ignorância, não agi da mesma forma que os advogados. Minha casa não era assim, mas esta é a maneira que encontrei para lutar”, disse José.

Acumulador da rua Planalto
Fotos mostram como a casa era antigamente (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

Assim, ele passou a ser conhecido na região como o ‘acumulador da Rua Planalto’, tornando-se uma figura frequente em polêmicas e alvo de reclamações devido aos seus protestos.

Em agosto, o processo teve um novo desdobramento. A decisão passou por uma atualização e previa o valor de R$ 245 mil referente ao terreno, contudo, era em precatório, ou seja, um tipo de pagamento que indica que o valor foi determinado judicialmente, mas não pode ser acessado imediatamente.

“Estou lutando do meu jeito. Não digo que está certo, mas é o que posso fazer. Não tenho dúvidas de que toda essa movimentação aconteceu por causa disso. Mas o dinheiro está em precatório, o que significa que foi determinado o pagamento, mas não posso ter acesso direto a ele.”

Para a esposa, a situação reflete o sofrimento que há anos é compartilhado por toda a família. Embora compreenda o lado dos vizinhos, ela acredita que os protestos de José são a única maneira de resolver a situação.

“Isso mexe com a cabeça do ser humano. Às vezes ele está bem, em outras está em uma depressão profunda. Não posso mais receber visitas. Entendo as reclamações, mas é a forma que ele encontrou para buscar justiça. Um problema vai gerando outro”, relata.

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