Marcado por extremos, 2024 foi alerta sobre impacto de mudanças climáticas em MS
A falta de chuva e o volume intenso também foram destaques no monitoramento e na necessidade de políticas públicas diante dos extremos
Karina Campos –
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Os extremos climáticos causaram desesperança em 2024? Dados de monitoramento indicam mudanças climáticas graduais em ritmo sem precedentes, inclusive em Mato Grosso do Sul. Assim, o ano foi marcado por episódios históricos, como a seca no Rio da Prata e o recorde de hectares queimados no Pantanal, um dos principais biomas do planeta.
Você se recorda da maior temperatura registrada no ano? Da baixa no nível de água no Rio Paraguai, que superou 124 anos? Da morte de brigadistas durante os incêndios na região pantaneira?
Falar sobre a situação climática do mundo nunca esteve tão em alta, afinal, tudo gira em torno da previsão para a atualidade e para os próximos anos. Nesta retrospectiva de 2024, o Jornal Midiamax apresenta um balanço com os principais acontecimentos meteorológicos no Estado.
Calor e frio
Desde janeiro, Mato Grosso do Sul enfrentou temperaturas acima dos 40°C. A passagem de sistemas meteorológicos e a influência de frentes frias foram breves, ocasionando pequenas quedas nos termômetros.
Entre o primeiro mês do ano e agosto, as chuvas não foram frequentes, o que causou seca extrema. Na maioria das vezes, as chuvas eram pontuais: enquanto a região Sul registrava volumes consideráveis, o Pantanal e o Norte não atingiram sequer 1 milímetro de precipitação.
Entre abril e maio, o Estado também enfrentou dias sem chuva, o que agravou a baixa umidade relativa do ar. Nesse período, um bloqueio atmosférico impediu a formação de chuvas no Estado.
Segundo dados do Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima), a maior temperatura do ano foi registrada em Aquidauana, com 43,7°C. Embora não seja o maior valor da história — que é de 44°C, em Água Clara —, representa uma marca preocupante.
Extremos climáticos
Por outro lado, a menor temperatura do ano foi de -0,3°C, em Rio Brilhante, no dia 26 de agosto. O balanço também revela que a menor umidade relativa do ar do ano foi de 7%, registrada em setembro e outubro em cidades como Aquidauana, Coxim, Sonora e Três Lagoas.
Do calorão ao frio, o sul-mato-grossense enfrentou no ano a resistência imunológica diante dos extremos climáticos. Em agosto, período comum de ventania e baixa umidade do ar, os dias de chuva foram até comemorados pelos moradores.
Foram quase 30 dias sem chuva significativa e calor acima do normal para um inverno, com temperaturas acima dos 35°C, até a chegada da frente fria em Campo Grande.
Fumaça que sufoca
A condição do ar alcançou índices insalubres em setembro deste ano, em decorrência das queimadas na Amazônia e no Pantanal. O corredor de fumaça densa encobriu prédios de Campo Grande e vistas deslumbrantes de Corumbá.
Além disso, para se ter uma ideia da densidade da fumaça, a falta de visibilidade atrapalhou a atuação de aeronaves em áreas de combate aos incêndios. O monitoramento do Qualiar, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), destacou que a qualidade do ar foi classificada como níveis “ruins” e até “muito ruins”.
Os danos causados pela fumaça estão relacionados à exposição a partículas tóxicas e à maior quantidade inalada para os pulmões. Dessa maneira, havia um risco aumentado de crises de asma ou bronquite, rinossinusites agudas virais e bacterianas, além de rinites alérgicas.
Seca atingiu extremos
O Rio Paraguai, em Ladário, atingiu o menor nível histórico no dia 8 de outubro, superando o recorde registrado em 1964. Dessa forma, o nível do rio é o pior desde o início da medição em 1900. São 62 centímetros abaixo da cota zero e uma semana após atingir a marca, a situação permaneceu preocupante após constatar-se que o nível continuou em queda.
Dados da Sala de Situação do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), que monitora o nível dos rios do Estado, indicam que no dia 15 de outubro o nível do Rio Paraguai em Ladário chegou a 68 centímetros negativos. São 6 centímetros a menos do que a semana anterior à medição, um novo recorde.
Do mesmo modo, o instituto estava em alerta de nível crítico. Contudo, apesar de alcançar níveis assustadores, o rio está em recuperação diante das chuvas. A normalização do nível pode levar anos, sem uma previsão.
Rio da Prata sumiu
A falta de chuvas em Mato Grosso do Sul “derrubou” o nível das águas e secou trechos do Rio da Prata, no oeste do Estado. Onde ele corre com abundância de água, o nível ficou 25 cm abaixo do normal e caiu em torno de 1 cm por mês, em julho deste ano.
Muito importante para o ecoturismo na região das cidades de Bonito e Jardim, o rio é afluente do Rio Miranda e mundialmente famoso por suas águas cristalinas.
Contudo, em novembro, a água voltou a fluir em meio as pedras do rio. O retorno da abundância animou agentes de turismo da região. Ainda, a situação está sendo acompanhada por ambientalistas, institutos e também por empresários do setor de ecoturismo.
Morte lenta do Pantanal?
Berço de espécies nativas, a maior planície alagada do mundo e um dos principais ecossistemas da humanidade, o Pantanal sul-mato-grossense foi vítima das mudanças climáticas. O ecossistema ainda sente o reflexo das drásticas alterações em temperaturas e sazonalidade das chuvas.
Ainda assim, a pergunta que ecoa entre os cientistas é “O Pantanal vai acabar?”. Ao longo deste 2024, o cenário tradicional de cheias e planícies alagadas foi diferente. Enquanto as embarcações que atravessam o Rio Paraguai foram impedidas de navegar diante do baixo nível de água, a mata se acabava em fogo.
Não houve período de cheia, ou seja, o Rio Paraguai atinge níveis extremamente baixos e os incêndios se alastram por Mato Grosso do Sul, na contramão de tudo o que o bioma representa.
O último boletim divulgado pelo Governo do Estado da Operação Pantanal, os incêndios devastaram mais de dois milhões de hectares. Como plano operacional, o Governo do Estado instalou 10 brigadas avançadas em diversos municípios, desde janeiro. Mais de 500 servidores públicos, entre bombeiros, brigadistas e voluntários, atuaram no combate aos incêndios.
Contudo, as bases operacionais foram desmobilizadas com o retorno das chuvas em novembro. Em vários episódios, o combate ao fogo perduravam dia e noite. O subcomandante geral do Corpo de Bombeiros, Coronel Adriano Rampazio, ressalta que, além do descanso das equipes, os equipamentos utilizados na operação devem passar por manutenção. Com a desmobilização de 10 bases, permanecem três na Serra do Amolar, na região do Redário e divisa com Mato Grosso.
Vidas perdidas em incêndios
Por enquanto, a morte de animais em decorrência dos incêndios ainda é incontável. Todavia, trabalhadores morreram por incêndios florestais em Mato Grosso do Sul. No dia 13 de agosto, o peão Edson Genovez, de 32 anos, morreu após ter o corpo atingido por chamas enquanto tentava abrir aceiros na fazenda: em certo momento, o vento mudou de direção e o fogo atingiu a vítima, que não conseguiu sair. Com isso, outros funcionários da propriedade socorreram o trabalhador.
A segunda morte foi de Paulo Henrique Pereira Souza, trabalhador de um caminhão-pipa. Ele era brigadista em uma usina de Sonora, quando no dia 21 de agosto, o fogo se alastrou no canavial da empresa, que faz divisa com Mato Grosso.
As chamas se concentravam na área do distrito mato-grossense de Ouro Branco do Sul. O fogo então se alastrou e atingiu o canavial da empresa, também do lado mato-grossense.
Do calor e secura a chuva intensa
A partir de novembro, a redução dos focos de incêndios florestais no Pantanal permitiu a redução das equipes em campo pela Operação Pantanal. O Governo do Estado decidiu retirar 10 bases avançadas, permanecendo três em atuação em combate aos incêndios. A decisão é motivada pelo retorno das chuvas.
Todavia, nos primeiros dias do mês, o alto volume de água favoreceu o alagamento em municípios, com destaque para Campo Grande. No dia 9, carros ficaram presos em meio a alagamentos no cruzamento da Avenida Mato Grosso com a Rua Espirito Santo, região central.
Em outro vídeo aparece o forro da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Leblon que desabou com a chuva. Na avenida Duque de Caxias alguns semáforos não estão funcionando, condutores têm de redobrar a atenção na via. Motoristas também relatam semáforos desligados na Avenida Mato Grosso.
Episódios de alagamentos se estendem até dezembro, como no dia 13, com ruas tomadas pela água, inclusive em bairros nobres da Capital, como o Carandá Bosque.
Chuva histórica
“Não lembro de ver 200 mm em 24hs nesse tempo que estou aqui”, disse o meteorologista do Cemtec, Vinicius Sperling, após um dia com chuva histórica em Aral Moreira. A cidade alcançou a marca histórica de 204,6 milímetros de chuva em 24 horas, o que era esperado para o mês inteiro, no dia 3 de dezembro.
A chuva teve fatores favoráveis, como uma baixa pressão atmosférica do Paraguai e Bolívia, cavados e da frente fria associada ao ciclone.
Políticas públicas
Neste ano, o Brasil foi palco da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, evento que reúne líderes mundiais, representantes de governos, empresários e ativistas, tratando sobre o futuro do planeta frente as alterações climáticas.
Em Mato Grosso do Sul, o II Fórum de Mudanças Climáticas debateu de ações de preservação do verde. Logo, a alta no assunto que considera ações para reduzir os impactos das mudanças climáticas abre a discussão: “Ainda dá tempo?”.
Natalia Renteria, advogada e doutora em Governança Climática, diz que há um árduo trabalho pela frente, considerando as novas políticas instaladas, como a lei que regula mercado de carbono no Brasil.
Nesse contexto, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a lei que regulamenta o setor e cria o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa), (Lei 15.042, de 2024).
Conforme o comunicado da Agência Senado, o mercado de carbono permite que empresas e países compensem as emissões por meio da compra de créditos vinculados a iniciativas de preservação ambiental. Ou seja, a intenção do marco regulatório é incentivar a redução das emissões poluentes e amenizar as mudanças climáticas.
Responsabilidade
“Quando a gente olhava o mundo em geral em relação à adoção de políticas de carbono, o Brasil não tinha. Agora, nós podemos dizer que nós temos. É importante para a gente proteger a nossa indústria nacional num mundo que cada vez mais vai criar barreiras de carbono para exportar. Se criam legislações, a gente precisa ter aqui. A lei de carbono tem esses lados, o lado do mercado regulado voltado para as indústrias e setor econômico, e o lado do mercado voluntário que é baseado em projetos que valoriza a floresta, que valoriza a agricultura e a preservação”.
Logo, a especialista descreve que com a legislação em vigor, as políticas públicas passaram a ter orientações de medidas para a redução das emissões prejudiciais ao planeta.
“Agora se fala em uma economia climática. Estamos num novo momento que só no futuro vamos olhar para trás e entender o marco que nós vivemos, que nós presenciamos. Quando a gente olha os compromissos, chegamos no momento que era para estar cumprido e não está, estamos para trás. Contudo, os estudos e as indicações nos mostram que se a gente apostar em políticas públicas combinadas, não é só o mercado de carbono, não é só uma política de comando e controle, não é só um incentivo, você tem que incentivar uma produção diferenciada, uma produção com novas bases, dando instrumentos e apoios distintos”.
Extremos menos previsíveis
Jaime Verruck, secretário de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, explica que os estados seguem as recomendações de fóruns internacionais, adaptando a realidade de cada região.
O Estado tem comitês formados com a participação da sociedade, Conselho Deliberativo, Secretaria Executiva, Plenária, Comitê Técnico-Científico e Câmaras Técnicas.
“Esse é um instrumento fundamental para a gente desenvolver as políticas de mudança climática. Normalmente, a gente fala em política ambiental, mas política de mudança climática estão falando em outras coisas, falando em sustentabilidade, redução desmatamento, transição energética, descarbonização da indústria”.
Ou seja, a discussão é mais ampla quando cita a questão ambiental. Ligado a isso, a mudança ambiental é variável e tem níveis de controle menores, por exemplo, previsão de chuva intensa ou calor extremo.
“Você perde um controle sobre o ponto de vista de previsibilidade. Você tem que ter mecanismos de mitigação, de adaptação dos municípios para fazer isso. No caso dos incêndios no Pantanal, vê o esforço em termos de recurso de pessoas e estrutura que foram colocadas esse ano, então mostra um pouco a dimensão do que os poderes públicos e pessoas vão ter que efetivar”.
Políticas para o futuro
“Já temos o orçamento e falta ser aprovado para o próximo ano. A União está sinalizando também com a manutenção. Nesse ano a participação da União foi fundamental. Em janeiro vamos começar a prevenção, com visita direto aos produtores rurais para avaliar se eles têm as condições mínimas de fazer um combate inicial”.
Seguindo o planejamento anual, a equipe dos Bombeiros retiraram materiais e equipamentos das áreas de combate manutenção em Campo Grande, os preparando para os trabalhos que podem ocorrer no próximo ano.
“Quando os materiais chegam são listados e inseridos numa planilha, para o controle dos mais de 400 equipamentos, de sapa (para escavar) e motomecanizados. Tudo que é empregado na Operação Pantanal é controlado por aqui, e com isso a gente pode saber o local onde estão, quando houve manutenção e o controle do quantitativo”, disse o subtenente Evandy Segarini.
São feitos o controle e a manutenção dos materiais que chegam de diferentes áreas do Pantanal, várias ferramentas e equipamentos diversos – roçadeira, pinga-fogo, motobomba flutuante, soprovarredor – passam por avaliação, recuperação e conserto.
A retomada do verde no Pantanal
O IHP (Instituto Homem Pantaneiro) e Brigada Pantanal iniciam as avaliações de áreas atingidas por incêndios em 2024. O número de focos ativos reduziram desde novembro. Vale lembrar que, em outubro, o fogo atingiu uma área em recuperação que estava sendo tratada pelo IHP, destruindo mais de 25 mil mudas plantadas nos últimos dois anos.
Agora, as equipes focam no planejamento das etapas de recuperação. Segundo o instituto, o campo ainda apresenta risco de escassez hídrica, o que pode refletir no tempo de recuperação da região. A conferir…
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