Com a intenção de enfrentar a grave questão das condenações de inocentes em Mato Grosso do Sul, o Instituto Vozes promoverá pesquisas e debates sobre o sistema de justiça brasileiro, além de patrocinar assistência jurídica gratuita a pessoas carentes. O lançamento da organização não governamental e sem fins lucrativos ocorreu no último dia 6 de março e, com exclusividade, a advogada e diretora-presidente do Instituto, Priscilla Emanuelle, dá mais detalhes ao Jornal Midiamax.

“Priscilla Emanuelle, diretora-presidente, explicou que o primeiro projeto do Instituto é enfrentar a grave questão das condenações de inocentes no Estado. “Vivemos a cultura de que o erro judiciário é uma exceção, quando em verdade exceção é o seu reconhecimento”.

Segundo Priscilla, renomados profissionais do direito participam das ações, entre eles a diretora técnica Rejane Alves de Arruda, além de Andréa Flores, Nancy Gomes de Carvalho, Aline Aparecida de Souza, Bruna Nubiato Oliveira e Ricardo Pereira e Pedro Paulo Sperb.

Juntos, o corpo consultivo quer enfrentar a grave questão das condenações de inocentes no Estado, além de atuar, exclusivamente, na defesa criminal do hipossuficiente. Atuante na área criminal há 28 anos, Rejane ressalta que a assistência, “para quem não tem condições e que necessita de uma boa defesa, principalmente nos processos considerados injustos”, é de extrema importância.

No entanto, mesmo tendo o desejo de atender muitas pessoas, haverá critérios a serem respeitados, sendo assim, será estudado “caso a caso” para se enquadrar nos pressupostos estabelecidos pelo instituto.

Durante o lançamento, o desembargador Odemilson Roberto Castro Fassa, diretor-geral da Escola Judicial de MS, representou o Poder Judiciário e falou sobre a “expectativa positiva” com o Instituto, que visa promover debates, eventos, relacionados ao desenvolvimento e fortalecimento do sistema de justiça.

“Além do viés do atendimento aos hipossuficientes, de modo a propiciar o acesso mais amplo às questões relacionados ao poder judiciário. O instituto desempenhará um papel importante, somando com a Defensoria Pública, que já faz um excelente trabalho. É mais uma porta que se abre para os que necessitam desse tipo de ajuda”, opinou.

Debate importante

(Instituto Vozes/Divulgação)

Na ocasião do lançamento, houve a palestra “Erro Judiciário em perspectiva” e teve como palestrantes o Des. Fernando Braga Damasceno, do TRF da 5ª Região, e os juízes José Henrique Kaster Franco e Roberto Ferreira Filho, ambos do Poder Judiciário de MS.

Dedicado ao estudo do problema do erro judiciário, Fernando falou que a ideia do Instituto é “fantástica” e ter a participação da sociedade civil organizada é fundamental e acaba por estimular o Estado a se dar conta de que pode estar cometendo mais erros do que deveria.

“Não temos uma noção real dos erros judiciais cometidos na justiça brasileira. Fora do Brasil já existem muitos estudos do que se chama de cifra oculta: erros cometidos e que ninguém sabe a não ser a própria vítima. Há muita pesquisa séria que tenta fazer uma projeção. No Brasil, é difícil ter uma projeção segura porque a amostra – casos de erros conhecidos – é pequena. Existem sim algumas projeções a partir do reconhecimento, mas repito: não é uma projeção segura como, por exemplo, nos EUA, onde se tem um banco de dados de mais de três mil erros cometidos”, explicou.

Ainda conforme o desembargador, há uma “tendência natural” de que se evolua na prevenção do erro, a partir da migração do senso comum judiciário do conhecimento que está sendo produzido, que mapeia fontes de erros e que tenta propor a contenção destas fontes de erro.

“Nosso papel na Enfam é fazer com que, em um curto espaço de tempo, os juízes absorvam esse conhecimento e apliquem na prática, no dia a dia. Por enquanto, não se tem o risco de erro como o maior problema do judiciário – especialmente em gestão, em efetividade, tempo, duração do processo. Na verdade, o problema do erro é muito recente no Brasil e em alguns países já somam décadas. A criação desse instituto vem em um bom momento”, completou.

‘Ser humano é imperfeito’, ressaltou juiz

O juiz Kaster Franco, durante momento de fala, também argumentou que existem erros e tentou mostrar uma forma de minimizá-los. “É necessário saber que todos estamos sujeitos a erro, mesmo porque a neurociência nos mostra que muitas vezes erramos sem sequer saber que estamos errando. O ser humano é imperfeito”, ponderou.

No entender do juiz, é muito difícil se ter uma ideia da real situação no Brasil sobre erro judiciário, no entanto, ele citou que existem outros países onde se têm pena de morte e, depois de executada a pena, descobre-se que o condenado não cometeu o crime.

“A justiça é feita de pessoas que acabam precisando do relato de testemunhas e estas, muitas vezes estão envolvidas no fato e podem ter a percepção falseada por uma série de emoções. Situações assim são muito complicadas. Temos ainda um pequeno déficit de acesso à justiça, apesar dos esforços da defensoria e agora do instituto. Muitas pessoas necessitam e a estrutura não é ainda suficiente em nenhuma das instituições em razão da letigiosidade existente no país. A população e a imprensa têm um papel fundamental em denunciar e fiscalizar, porque enquanto as instituições cumprirem seu papel de fiscalização, menos erros ocorrerão”, finalizou.

Também presente no evento, o juiz Roberto Ferreira Filho abordou em sua fala a necessidade de se estar atento ao fato de que o trabalho é feito com seres humanos, com pessoas com suas histórias, com suas realidades, e os erros podem se multiplicar.

“Na verdade, não é o erro do juiz, do promotor, do defensor, é um erro estrutural e iniciativas como essa do Instituto Vozes mostram que a sociedade está mais atenta para que a justiça seja feita e não só na área criminal. Citamos a área criminal como exemplo pela consequência de uma decisão equivocada, mas isso serve para qualquer outra área como família, infância, entre outras. Então é mostrar que, como profissionais do direito, temos que reconhecer que não julgamos papeis, julgamos seres humanos”, garantiu.

No entender de Roberto, para evitar que possíveis equívocos aconteçam é necessário, antes de mais nada, uma mudança de cultura que passa pelo entendimento de conciliação, da justiça restaurativa, enfim, por métodos que solucionam conflitos com diálogo, sem que seja necessária uma decisão de cima para baixo (imposta). “A mudança de cultura é essencial, assim como as instituições funcionarem de uma maneira ainda mais acessível. Precisamos de um judiciário aberto para ouvir críticas e demandas porque nossa função é ajudar na pacificação social”, concluiu.

Serviço:

Os interessados em solicitar assistência jurídica no Instituto Vozes devem preencher um formulário disponível no site: https://vozesjusticaparainocentes.org.br/.

O formulário estará sujeito à seleção do corpo jurídico.