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Cotidiano Especial

Feriado, 20 de novembro vira símbolo de resistência e celebração da Consciência Negra em MS

Reflexões e ações do movimento negro no primeiro feriado nacional da Consciência Negra
Helder Carvalho -
(Arte/ colagem: Giovana Gabrielle, Jornal Midiamax)

O 20 de novembro, além de homenagear o líder Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência à escravidão, tornou-se oficialmente um momento de reflexão e conscientização sobre as questões raciais em todo o Brasil. Isso porque foi sancionada lei que torna a data feriado nacional, um marco importante para a comunidade.

A data é muito mais que um feriado. Repleta de significados, 20 de novembro deixou de ser dia útil para ser celebrado, vivido, refletido e materializado em ações culturais e educativas. Neste ano, Campo Grande se mobiliza em movimento que mistura arte, educação e moda, evidenciando a importância de manter essa data viva em seu propósito.

Nesse contexto, em , a data é oportunidade de reflexão e de aprendizado, seja a partir de iniciativas pessoais, de quem entende, vivencia e trabalha em prol da conscientização, seja na educação, nas artes e em mobilizações sociais, evidenciando a importancia e os desafios da valorização da herança e cultura afro-brasileira.

O Jornal Midiamax ouviu representantes do movimento negro que atuam na região, que destacaram a falta de embasamento teórico nas escolas quando se trata de temas relacionados à história e cultura afro-brasileira. Além disso, eles apontaram a carência de incentivos para ações culturais promovidas pelo movimento negro, o que dificulta o fortalecimento dessas iniciativas na comunidade.

A Educação como Pilar de Consciência

Doutora em Educação pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e docente da (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a professora Eugênia Portela é conhecida por seu trabalho com Educação das Relações Étnico-Raciais. À reportagem, ela vê o Dia da Consciência Negra como um marco essencial para a reflexão sobre o racismo estrutural e o apagamento cultural.

Para ela, é um momento para reconhecer a urgência de incluir a história afro-brasileira e africana nos currículos escolares e de promover a formação de professores sobre o tema. Eugênia, que está à frente de projetos educacionais nessa área, explica que, embora a Lei 10.639/03 que completou 21 anos, tenha estabelecido essa obrigatoriedade, a formação dos professores ainda é insuficiente.

Consciência Negra
Professora Eugênia Portela ( arquivo pessoal/Ilustração e colagem: Giovana Gabrielle)

Desde a implementação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira, ainda há muitos desafios na formação de professores para lidar com esse conteúdo.

“Os professores não tiveram formação inicial com conhecimento suficiente para dar conta de ensinar esses conteúdos e há uma fragilidade na formação continuada”, diz. Portela também destaca que as secretarias de educação, tanto estaduais quanto municipais, nem sempre deram a devida importância à implementação desses conteúdos.

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Enquanto nas escolas públicas há alguma pressão de promotores públicos para garantir a aplicação da lei, “para escolas particulares isso passa despercebido, sem nenhum tipo de cobrança”. A docente ainda observa que, embora alguns professores busquem incluir atividades relacionadas à cultura negra, como mostras culturais ou desfiles, muitas vezes essas ações carecem de um “embasamento teórico necessário” para que a implementação da lei tenha um impacto de médio e longo prazo.

“Sem uma formação sólida, não dá para falar em impacto. Estamos lidando com uma educação que ainda minimiza ou apaga a história e as contribuições da população negra”, afirma Eugênia.

A Professora enfatiza que, enquanto a formação docente não for repensada e aprofundada, as escolas continuarão reproduzindo uma visão eurocentrada e colonizada do conhecimento. A falta de preparo faz com que muitos educadores abordem a cultura afro-brasileira apenas superficialmente, limitando-se a eventos pontuais ou ao uso de livros didáticos com uma abordagem rasa do tema.

Eugenia destaca que o tema da redação do Enem deste ano, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, foi uma oportunidade para a sociedade refletir sobre essas questões, mas acredita que essa reflexão deveria acontecer de forma contínua, e não apenas em exames e datas comemorativas.

“É uma responsabilidade coletiva trazer esses temas para o cotidiano da sala de aula. Precisamos romper com a colonialidade do saber e fortalecer a autoestima dos estudantes negros, para que eles possam se ver na história de maneira positiva e construtiva”, conclui Eugênia.

Moda como Caminho de Resgate e Transformação

Eduardo Alves de 33 anos, adentrou no mundo da moda de uma maneira pessoal, alinhando suas marcas, Bocaíuva Moda Inclusiva e a escola Alinhado, com um compromisso social. Sua trajetória no setor começou há cerca de 15 anos, mas foi o desejo de conectar moda e educação que o motivou a criar projetos como o Niara.

A moda, para Eduardo, é uma ferramenta poderosa de expressão e transformação social, e sua marca reflete esse conceito ao buscar incluir e resgatar a cultura afro-brasileira, especialmente em comunidades quilombolas. Através do design, da modelagem e das estampas, ele procura destacar as raízes culturais e promover a representatividade criando um espaço onde as pessoas podem se reconectar com sua ancestralidade e, ao mesmo tempo, desenvolver habilidades práticas.

“Eu vejo a moda como uma porta de entrada para conversar sobre temas que precisam ser abordados”, afirma. Para ele, a moda é muito mais do que estética.

Consciência Negra
Eduardo Alves, idealizador do Projeto Niara (Henrique Arakaki/Ilustração e colagem: Giovana Gabrielle)

Capacitação, autoestima e pertencimento

O projeto Niara, iniciado com o apoio de um grupo de pessoas próximas e com o financiamento do Fundo de Investimento Cultural de Mato Grosso do Sul, tem um impacto significativo na comunidade de Tia Eva. Eduardo acredita que a moda tem o poder de abrir diálogos sobre temas sensíveis, como a ancestralidade e a identidade negra.

O Niara, além de oferecer qualificação em costura e modelagem, promove um resgate cultural por meio de rodas de conversa e eventos como o Festival Niara, realizado hoje. Através desse projeto, Eduardo busca não só capacitar pessoas, mas também fortalecer a autoestima e o senso de pertencimento, incentivando os participantes a entenderem a importância histórica e cultural da comunidade quilombola e, mais amplamente, do movimento negro.

O impacto que ele acredita ser possível vem da união da educação, da cultura e da moda para transformar a vida de quem mais precisa de oportunidades.

“A moda tem esse papel de vir de uma forma muito leve, trazendo um pouquinho da nossa representatividade”, diz. Ele também considera o projeto como uma maneira de educar sobre a importância histórica da comunidade quilombola de Tia Eva, que guarda em si a memória de resistência e preservação cultural afro-brasileira no estado de Mato Grosso do Sul.

Neste 20 de novembro, o Festival Niara marcará o encerramento da primeira fase do projeto com um grande evento. A programação inclui um desfile com peças produzidas pelos alunos, intervenções artísticas, apresentações de samba e uma feira de artesanato.

O festival, que será realizado na rua principal da comunidade quilombola Tia Eva, promete ser um ponto de encontro para toda a cidade, que é convidada a celebrar, apoiar e aprender com a cultura negra. O evento é gratuito e aberto ao público, eduardo ressalta que ver a comunidade e outros visitantes participando reforça o valor desse resgate cultural para todos.

Afronta: o Maior Festival de Cultura Negra de MS

Consciência Negra

Criado e organizado pelo produtora cultural Jess de 33 anos, o Festival Afronta, é atualmente o maior festival de cultura negra de Mato Grosso do Sul. Desde seu início, o evento tem como objetivo celebrar e fortalecer a identidade e a cultura afro-brasileira.

Para Jess, o feriado é uma oportunidade para trazer visibilidade às questões raciais e reforçar o compromisso coletivo de valorizar a cultura negra. Ela destaca, porém, o risco de esvaziamento da data, que precisa ser combatido com o engajamento e a conscientização do público.

“É um trabalho coletivo, mas também individual. A gente precisa que as pessoas saiam, que participem dos eventos, que consumam arte preta, que paguem o ingresso quando for possível, porque isso fortalece todo o movimento”, diz Jess. Além do Afronta, a produtora organiza o Slam Camélias, evento de poesia e arte que ocorre em Campo Grande, e que é mais um exemplo de como a cultura preta está presente e viva na cidade.

A proposta do Afronta é romper barreiras e permitir que o público experimente a cultura negra de forma autêntica, sem estereótipos. No festival, além das apresentações musicais e de dança, o público encontra um ambiente onde questões como o respeito às religiões de matriz africana, o fortalecimento das comunidades quilombolas e a valorização das expressões culturais periféricas são abordadas com seriedade e compromisso.

“A arte proporciona essa oportunidade de quebrar tabus e preconceitos. Quando as pessoas veem apresentações e exposições que valorizam a cultura negra, elas começam a desmistificar certos estereótipos”, explica Jess.

Ela também faz um apelo ao poder público, lembrando que eventos como o Afronta e o Slam Camélias precisam de apoio governamental para continuar: “Não mais fazer cultura na raça, sem apoio e sem incentivo. A cultura move, todos consomem cultura, mas muitas vezes o apoio não é suficiente”, afirma. Ela destaca que, embora o festival e o esquenta do dia 15 tenha recebido algumas parcerias locais,a permanência e expansão de eventos como esses dependem de políticas públicas consistentes e de um investimento contínuo. O esquenta que aconteceu no dia 15 recebeu apoios de Ajuberô Ateliê, Capivas Cervejaria, Meio Fio e Kprod. Já o festival esse ano teve apoio da Fundação de Cultura, Segov, Setesc, Kenner, Ítalo Massas e Pizzas.

Compromisso Coletivo

Em Campo Grande, o 20 de novembro não é apenas uma data de celebração, mas um momento de fortalecimento e reconhecimento da importância da cultura afro-brasileira. Eugênia, Eduardo e Jess são apenas alguns dos muitos agentes culturais e educacionais que, com suas iniciativas, promovem a reflexão sobre a identidade negra e sobre o papel fundamental da cultura e da educação na construção de uma sociedade mais justa.

O Projeto Niara e o Afronta mostram que a celebração do 20 de novembro é mais do que um simples feriado. É um espaço de luta e de valorização cultural que une a comunidade quilombola, artistas, educadores e o público em uma corrente de resistência. Conforme Jess afirma: “Nós somos pretos a vida inteira, o ano inteiro, todo dia.” Com essa visão, ela reflete a realidade de quem vive e celebra a cultura negra de forma contínua e que encontra no 20 de novembro um símbolo de orgulho, de conquista e de persistência.

Contudo, para que essa data continue sendo um marco transformador, é essencial que o apoio à cultura afro-brasileira vá além de novembro. Que o engajamento se expanda para todos os meses e que políticas públicas garantam que a história e a cultura negra sejam respeitadas e reconhecidas em sua totalidade.

20 de novembro: em MS, data já era feriado em 4 dos 79 municípios

Pela primeira vez no Brasil, a data alusiva a Consciência Negra, em 20 de novembro, será feriado nacional. Antes do decreto do presidente Lula, em 2023, apenas quatro cidades de Mato Grosso do Sul tinham a data como feriado municipal. Foram 52 anos até que a luta do movimento negro fosse reconhecida em nível nacional.

Em Mato Grosso do Sul, a data era considerada feriado em Corumbá, Ladário, e , municipios que contavam com leis e decretos municipais que instituíram feriado. Nos demais 74 municípios de Mato Grosso do Sul, o Dia da Consciência Negra era apenas comemorativo, mas considerado dia útil.

Em Corumbá, o feriado municipal foi instituído em 2008. Já em Ladário, a data integra o calendário comemorativo da cidade há 10 anos, e tornou-se feriado em 2010 – mesmo ano em que Itaporã e Jaraguari também instituíram a data.

Dados do Censo 2022 mostram que Mato Grosso do Sul tinha 179 mil pessoas que se reconheciam como pretas, o que representa apenas 6,5% dos 2,7 milhões de habitantes. Destes, 2.572 pessoas integram a população quilombola, conforme os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

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