Independente da idade em que se tornam mães, mulheres sempre estarão sujeitas a julgamentos. Nesse contexto, a gravidez precoce, muitas vezes inesperada, traz consigo uma série de preocupações para a saúde mental e física, sendo alvo de estigmas e críticas da sociedade.

Por outro lado, a gravidez tardia, embora possa oferecer maior estabilidade emocional e financeira, também enfrenta seus próprios riscos e julgamentos.

Em meio a essa dualidade, o ‘relógio biológico’ segue cronometrando o momento ideal para uma mulher se tornar mãe. Essa ‘hora certa’, contudo, está diretamente ligada a questões de gênero – afinal, a cobrança de uma gestação no tempo certo só recai às mulheres. Mas, existe um momento ideal para engravidar?

Do ponto de vista biológico, sim.

A idade considerada ideal para a gravidez é entre 20 e 35 anos. Isso se deve ao fato de que, conforme aponta o Ministério da Saúde, a fertilidade feminina começa a declinar a partir dos 30 e diminui mais rapidamente a partir dos 35 anos.

Só que na vida, sobretudo de uma mulher, não dá para garantir condições ideais ou sequer prevê-las. É quando surgem novos olhares. Independente do que é considerado ideal, gestações que fogem a esse padrão de idade ocorrem diariamente e representam 30% das 11.110 gestantes atendidas em 2024, na rede pública de saúde em Mato Grosso do Sul.

Em 2024, maternidade começou aos 10 anos em MS

A gravidez precoce, considerada um problema de saúde pública, abrange gestações que ocorrem entre os 10 e 19 anos. Contudo, é importante ressaltar que, no Brasil, a idade mínima para consentimento da relação sexual é de 14 anos. Portanto, qualquer gestação em meninas menores de 13 anos pode ser criminalizada como estupro de vulnerável.

Gestações em 2024
Gestações em 2024 (Lethycia Anjos, Midiamax)

Assim, entre janeiro a abril de 2024, Mato Grosso do Sul contabilizou 1.493 gestações precoces, o que corresponde a 13,4% do total registrado no Estado. A maioria dos casos ocorreu em adolescentes de 19 anos (473).

Quanto menor a faixa etária, menor o número de gestações. No entanto, os dados evidenciam que 21 gestações podem ter decorrido de abuso sexual. Um dos registros do Ministério da Saúde, contudo, aponta gestação de uma menina de apenas 10 anos (veja a tabela abaixo).

Gestação precoce
Gestação precoce (Lethycia Anjos, Midiamax)

Psicóloga especializada em atendimento maternoinfantil, Keyth Gimenez Goyano, explica que uma gravidez não planejada, por si só, já é considerada uma gestação de risco. No entanto, quando acontece durante a adolescência pode ter impactos significativos na saúde mental da gestante.

“Uma gravidez não planejada é um dos fatores de risco para um processo depressivo, que pode ocorrer no pré ou pós-parto. Muitas vezes, a gestação precoce ou tardia pode desencadear uma doença psíquica materna”.

Gestação tardia
Gestante Ilustrativa – (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Números de gestações tardias superam as precoces

Em outro extremo, a gestação tardia, que ocorre após os 35 anos, também acende alerta, por ser considerada um fator de risco para a saúde tanto da mãe quanto do bebê. Entre janeiro a abril de 2024, Mato Grosso do Sul registrou 1.774 gestações tardias, o que corresponde a 16% do total de nascidos vivos (11.110).

Os dados mostram que o maior percentual de gestantes compreende mulheres de 35 anos. Outro ponto que chama atenção é que a gestante mais velha registrada em 2024 deu à luz aos 53 anos.

Gestação tardia
Gestações tardias em 2024 (Lethycia Anjos, Midiamax)

Para Keyth Gimenez, apesar dos riscos envolvidos, a medicina avançou o suficiente para oferecer qualidade de vida e segurança às gestantes acima dos 35 anos.

“A sociedade tem seus padrões do que é ser uma boa mãe, de qual o tempo correto para engravidar. A gestação tardia era um tabu, mas hoje vejo mulheres tendo filhos após os 40 muito mais fortalecidas, conscientes, escolhendo o momento certo. É uma conquista recente das mulheres”, diz.

‘Meu medo era não vê-la crescer’

Aos 45 anos e com uma filha já adulta, Sussi Cristiane de Paula recebeu a notícia que mudaria sua vida: estava grávida novamente. Enquanto a alegria de ser mãe outra vez se misturava com a preocupação dos riscos associados à gestação tardia, sua maior insegurança era não poder acompanhar o crescimento da filha devido à idade.

Sussi conta que a gestação ocorreu de forma natural. Na época, ela estava passando por um processo de colocação do DIU (Dispositivo Intrauterino), mas foi informada que, devido à idade, não estaria mais ovulando, o que a levou a afrouxar os cuidados.

“Minha médica me recomendou um exame endrovaginal. No dia em que fui fazê-lo, o médico que realizou o exame disse que eu não estava mais ovulando. Achei estranho, pois estava até menstruada no dia, mas com isso acabei me descuidando e engravidei”, relata.

Gestação tardia
Sussi e Helena (Arquivo pessoal)

A descoberta da gestação trouxe um turbilhão de sentimentos, mas Sussi logo se acostumou com a ideia. Com o apoio de seu esposo e de sua filha Eduarda, de 25 anos, aliado a uma rotina tranquila de trabalho, ela conseguiu enfrentar os desafios que a idade poderia impor.

“Quando descobri a Helena, fiquei muito assustada por conta da idade, mas durante toda a gestação tive acompanhamento obstétrico, o que me deixou segura. Não precisei abdicar de nada”.

No entanto, a autocobrança e o sentimento de insegurança foi um grande um desafio em seu período de gestação. Para ela, o maior medo era não poder acompanhar o crescimento da filha, pois se sentia fora da idade ideal para ser mãe.

“Nunca me senti julgada pelas pessoas. O maior problema era que eu mesma me julgava por dentro por conta da minha idade. Tinha medo de não ver a Helena crescer”, relata.

‘Helena tinha data para nascer, mas não quis esperar’

Por conta dos riscos de uma gestação tardia, a mãe sabia que precisaria redobrar os cuidados. Tudo ia bem, até que semanas antes do parto ela descobriu que precisaria ser submetida a uma cesária de emergência se quisesse ver sua filha nascer.

“A Helena tinha data certa para nascer. Semanas antes fiz um ultrassom e o médico disse que teria que fazer uma cesária de emergência, pois havia perdido todo o líquido do bebê, naquela hora me desesperei, corri para casa para arrumar as malas e voltei para o hospital”, relembra.

Maternidade atípica

Gestação tardia
Sussi ao lado do marido e filhas (Arquivo pessoal)

Após o nascimento, a mãe teve outra surpresa: Helena nasceu com Síndrome de Down, uma condição genética causada pela presença de três cromossomos 21 nas células, ao invés de dois. Por isso, também é conhecida como Trissomia do cromossomo 21.

“Fiz diversos exames, mas só descobrimos a Síndrome de Down quando ela nasceu. Na hora teve aquele impacto, os cuidados precisam ser bem maiores. Além disso, Helena nasceu com cardiopatia congênita e aos três meses descobrimos um problema de tireoide”, explica.

Assim como Helena, crianças, jovens e adultos com Síndrome de Down podem ter algumas características semelhantes e estar sujeitos a uma maior incidência de doenças, no entanto, apresentam personalidades e características diferentes e únicas.

“A alimentação precisa de mais atenção, pois a mastigação é diferente, os dentinhos demoram para nascer. O cuidado cardiológico também é contínuo. Graças a Deus, a cirurgia foi descartada, mas são vários cuidados que precisamos ter diariamente”, explica a mãe.

Apesar das dificuldades de uma gestação tardia e dos desafios trazidos pelo Síndrome de Down, Sussi conta que deixou todas as inseguranças para trás no momento em que pegou Helena nos braços.

“Ser mãe da Helena é um amor tão grande, tão avassalador, não consigo nem explicar. Só agradeço, ela transformou minha vida. Helena foi o maior presente que Deus nos deu, agradeço todos os dias pela vida dela”.

Mães adolescentes sofrem com abandono e rejeição

Gestação tardia
Gestante (Henrique Arakaki, Midiamax)

A adolescência, por si só, é uma fase de autoafirmação, marcada por transformações físicas, psicológicas e sociais. Quando acompanhada por uma gravidez inesperada, o ciclo de desenvolvimento se interrompe, exigindo das mães uma maturidade psicológica e socioeconômica para atender não apenas às próprias necessidades, mas também às do filho.

No Brasil, um em cada cinco bebês nasce de gestantes com idades entre 10 e 19 anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, 66% dessas gestações são indesejadas, indicando que ocorrem em condições desfavoráveis.

Entre os fatores que contribuem para o aumento de casos de gestação precoce, a desinformação sobre sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos desponta como o principal deles. Além disso, questões emocionais e psicossociais exercem influência significativa, assim como a falta de acesso à proteção social e ao sistema de saúde e o uso inadequado de contraceptivos.

Gestação precoce é fator de risco para depressão

Segundo a psicóloga Keyth Gimenez, os números de gestações precoces seguem elevados no país. Somente em 2023, por dia, 1.043 adolescentes se tornam mães no Brasil, conforme levantamento do Ministério da Saúde.

“A gravidez na adolescência pode desencadear problemas psicológicos significativos. Além disso, existe a questão da capacidade do corpo dessa jovem em levar a gravidez adiante de forma saudável, muitas vezes há um alto risco, o que impacta muito sua vida social”, explica.

Em muitos casos, as reações da família diante da adolescente grávida são contraditórias. A rejeição à gravidez e o constrangimento podem levar a família ou o parceiro a tomar medidas extremas, como expulsar a adolescente de casa, induzir ou forçar o aborto, ou impor responsabilidades, como o casamento.

“A orientação e o apoio familiar são de extrema importância. Essa jovem precisará de suporte financeiro e emocional da família e do pai da criança. A gestação na adolescência é um período complexo, o abandono e rejeição pode desencadear diversas questões de saúde mental.”

Dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) indicam que, em 2023, 106 mil mulheres foram abandonadas pelo genitor de seus filhos, sendo obrigadas a assumirem a responsabilidade de uma maternidade solo.

Maturidade imposta

‘Uma criança cuidando de outra’, Thalliane Aguilar, de 20 anos, até perdeu as contas de quantas vezes ouviu essa frase. Mãe aos 14 anos, a jovem precisou lidar com as consequências, julgamentos e privações de uma gestação precoce.

Thalliane relembra que a descoberta da gravidez veio por meio de um ‘saber ancestral’, também conhecido como ‘intuição de avó’. Bastou um olhar para suas costas e sua avó soube: ela estava grávida.

“Minha avó sempre ficava olhando para minhas costas e dizia que eu estava grávida. Como minha menstruação não era regular, eu não conseguia saber se estava atrasada ou não. Um dia, decidi fazer o teste de gravidez e, para minha surpresa, deu positivo”.

Após a surpresa, veio o choque. Thalliane sabia que, daquele momento em diante, sua vida mudaria completamente. “Julgamento? É o que mais tem. ‘Uma criança cuidando de outra’, todo mundo acha que tem direito a opinar. Não foi um período fácil, mas minha família sempre esteve ao meu lado”, diz.

Ao contrário de muitas mães adolescentes, Thalliane teve uma rede de apoio que possibilitou que ela, mesmo grávida, terminasse o ensino médio. Aos 15 anos, ela conseguiu um emprego como jovem aprendiz e passou a conciliar trabalho e estudos.

‘Escondi a gravidez o máximo que pude’

Entre os inúmeros medos e anseios que acompanham uma gestação precoce, a jovem relembra que o maior deles era o julgamento dos profissionais de saúde.

“Meu maior de medo era sofrer algum tipo de constrangimento porque os médicos não aceitavam, brigavam com as meninas que engravidavam cedo. Por isso, tinha medo. Não gostava nem de falar que estava grávida, escondi a gravidez o máximo que pude”.

No caso de Thalliane, a falta de informação foi determinante para uma gravidez não planejada. A jovem relembra que, na época, não tinha conhecimento sobre métodos contraceptivos.

“Não sabia nem como usar uma camisinha, por isso, não usava nada. Na segunda gravidez, estava tomando anticoncepcional trimestral. Hoje optei pelo DIU, e tenho usado há três anos, melhor método que usei”.

Amor incondicional

Gestação tardia
Thalliane ao lado dos filhos (Arquivo pessoal)

Os primeiros meses após o nascimento de seu filho, Marcos Willyan, foram os mais desafiadores. Conciliar trabalho, estudo e os cuidados de um bebê exigiu muito mais do que uma adolescente estava preparada para lidar.

“No início, foi extremamente difícil. Perdi minha liberdade, deixei de sair com meus amigos para cuidar do bebê e das tarefas domésticas. Além disso, com o trabalho e os estudos, tudo se tornava exaustivo, mal sobrava tempo para mim mesma”.

Aos 16 anos, Thalliane descobriu a segunda gestação, também não planejada, apesar da surpresa, a jovem relata que se sentia mais preparada para ser mãe.

“Minha segunda gestação ocorreu por falha do método contraceptivo, lembro que eu tomava a injeção anticoncepcional a cada de 3 meses, mas acabei engravidando novamente”, diz.

Com o passar do tempo, Thalliane descobriu, mesmo que de forma imposta, o verdadeiro significado de ser mãe. Embora a gravidez na adolescência tenha sido o período mais desafiador de sua trajetória, hoje, aos 20 anos e mãe de Marcos Willyan, de 6 anos, e Leonardo Ravih, de 3, ela nutre o sonho de ser pedagoga, aspiração que surgiu do trabalho diário de cuidar dos filhos.

“Ser mãe é um amor incondicional, um sentimento que não se sente por ninguém, só pelo filho. Atualmente, faço estágio como pedagoga em uma escola e minha paixão pela pedagogia despertou através deles”, finaliza.

Métodos contraceptivos disponíveis no SUS

Além da laqueadura e da vasectomia, o SUS disponibiliza diversos métodos contraceptivos temporários. A escolha do método varia conforme a escolha e a condição de saúde de cada paciente:

  • Anticoncepcional injetável mensal;
  • Anticoncepcional injetável trimestral;
  • Minipílula;
  • Pílula combinada;
  • Diafragma;
  • Pílula anticoncepcional de emergência (ou pílula do dia seguinte);
  • Preservativo feminino;
  • Preservativo masculino;
  • DIU.

MS registrou 21 gestações de meninas menores de 13 anos

Gestação tardia
Maternidade da Santa Casa (Henrique Arakaki, Midiamax)

De janeiro a abril, Mato Grosso do Sul registrou 21 gestações em meninas com até 13 anos. Esses dados evidenciam uma problemática alarmante, onde 1,41% dos nascidos vivos são resultados de abuso sexual.

Em termos de faixa etária, a maioria das gestações ocorreu em meninas de 13 anos, totalizando 16 casos durante o período mencionado. Em seguida, aparecem gestações em meninas de 12 anos (3 casos), 11 anos (1) e 10 anos (1).

Nessa perspectiva, é importante salientar que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) considera como criança toda pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente entre 12 e 18 anos. No Brasil, a idade de consentimento para relação sexual é de 14 anos. Portanto, no caso de relações sexuais com crianças ou adolescentes abaixo da idade de consentimento, o abuso sexual é legalmente presumido como crime, mesmo que não haja violência e independentemente da idade do parceiro, se este for maior de 18 anos.

Além disso, o Código Penal brasileiro estabelece a conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos como estupro de vulnerável. A pena para esse crime é de 8 a 15 anos de reclusão.

No caso das gestações decorrentes de estupro, a legislação prevê o aborto legal. No Brasil, esse procedimento é permitido em três situações: gravidez de risco à vida da gestante; gravidez resultante de violência sexual (independente da idade) e anencefalia fetal (conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal em 2012).

Qualquer gestante ou mãe que, por alguma razão, não queira ou não possa assumir os cuidados maternos em relação ao bebê, pode procurar a Justiça Infantojuvenil e formalizar seu interesse em aderir à entrega voluntária, com a garantia do sigilo do ato.

Desinformação dificulta acesso a direito da gestante

No entanto, a desinformação fundamentada por crenças religiosas dificulta o acesso de vítimas de violência sexual à interrupção da gestação ou entrega voluntária.

Em 2022, um caso gerou repercussão nacional após a justiça ­de Santa Catarina impedir que uma criança de 11 anos interrompesse a gravidez decorrente de abuso sexual, mesmo diante dos riscos a sua integridade física. Após a comoção nacional, a menina conseguiu interromper a gestação.

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