Como o Marco Temporal influencia nos conflitos indígenas em Mato Grosso do Sul?
STF faz a segunda rodada de discussão na Câmara de Conciliação nesta quarta-feira
Fábio Oruê, Thalya Godoy –
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Mato Grosso do Sul tem 26 TIs (Terras Indígenas) ainda em processo de regularização e travadas pelas discussões do Marco Temporal. Nesta quarta-feira (28), o STF (Supremo Tribunal Federal) faz a segunda rodada de discussões da Câmara de Conciliação.
O Marco Temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
A tese do Marco Temporal surgiu em 2009 no STF para demarcar o território Raposa Serra do Sol, em Roraima (RR). No entanto, por falta de entendimentos jurídicos, existe a tentativa de fazer com que ela sirva de parâmetro para as demais demarcações de terras indígenas no Brasil, travando todos os processos em andamento.
Qual a relação entre o Marco Temporal e os conflitos em MS?
É justamente essa demora que motivou os indígenas da TI Panambi – Lagoa Rica, em Douradina, a começarem a retomar as áreas em meados de julho. Isso gerou a tensão que terminou em conflito com os fazendeiros da região. O resultado foi que diversos indígenas saíram baleados e o clima tenso perdura até hoje.
Mas como a Tese do Marco Temporal impacta nessas terras em Mato Grosso do Sul? Para o procurador Marco Antônio Delfino de Almeida, do MPF (Ministério Público Federal) de Dourados, a PEC não deve se aplicar regionalmente, principalmente em Douradina.
“O que é o Marco Temporal? O Marco Temporal diz que os indígenas não estavam na ocupação em 5 de outubro de 1988. A gente teve uma tentativa de demarcação da Funai em 1972. A gente tem documentos que mostram que a própria USPI, a mando da colônia Agrícola Nacional de Dourados, efetuou a prisão de lideranças desse território. Então, assim, zero possibilidade de Marco Temporal”, disse ao Jornal Midiamax, no começo de agosto, durante a visita da ministra Sônia Guajajara à região.
“O Marco Temporal é um absurdo, do ponto de vista jurídico, mas ele tem até alguma argumentação fática em outros cenários, aqui não tem a mínima possibilidade que ele se apresente”, afirmou. Os territórios indígenas em MS estão em diversos municípios do Estado. Entre eles, Dourados, Amambai, Caarapó e Paranhos.
Como ocorre o processo de demarcação de Terras Indígenas?
Segundo dados da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Mato Grosso do Sul conta com 58 Terras Indígenas atualmente e mais duas Reservas Indígenas. Deste número, 16 estão na primeira fase, a de estudo. Outras quatro estão delimitadas – como a Panambi – e seis declaradas.
Em fase de homologação são cinco e já regularizadas são 27 em todo o Estado. Entretanto, por conta do imbróglio jurídico do Marco Temporal, todos os processos estão travados. Apesar de, na opinião do procurador, a tese ainda não impactar diretamente na demarcação, a preocupação dos indígenas é que a aprovação do Marco Temporal deslegitime a presença deles em áreas ocupadas e aumente ainda mais a tensão já existente.
Confira as terras que estão em estudo:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Apapeguá | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Apykai | Guarani/ Guarani Kaiowá | Dourados |
Douradopeguá | Guarani | Dourados |
Dourados – Amambaipeguá II | Guarani Kaiowá | Caarapó e Dourados |
Dourados – Amambaipeguá III | Guarani Kaiowá | Caarapó e Dourados |
Garcete Kuê (Nhandeva Peguá) | Guarani | Sete Quedas |
Guaivyry-Joyvy (Amambaipeguá) | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Iguatemipeguá II | Guarani Kaiowá | Amambai, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Dourados, Iguatemi, Paranhos e Tacuru |
Iguatemipeguá III | Guarani Kaiowá | Tacuru |
Laguna Piru (Nhandeva Peguá) | Guarani | Eldorado |
Laranjeira Nhanderu (Brilhantepeguá) | Guarani | Paranhos |
Mbocajá (Ñandévapeguá) | Guarani | Amambai, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos e Tacuru |
Potrerito (Nhandeva Peguá) | Guarani | Paranhos, Sete Quedas e Tacuru |
Vitoi Kuê | Guarani | Japorã e Mundo Novo |
As que estão delimitadas:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Dourados – Amambaipeguá I | Guarani | Amambai, Caarapó e Laguna Carapã |
Iguatemipegua I | Guarani Kaiowá | Iguatemi |
Jatayvari | Guarani Kaiowá | Ponta Porã |
Panambi – Lagoa Rica | Guarani Kaiowá | Douradina e Itaporã |
Ypoi/Triunfo | Guarani Nhandeva | Paranhos |
E, por fim, as já declaradas:
Terra Indígena | Etnia | Municípios |
Guyraroká | Guarani Kaiowá | Caarapó |
Ofayé-Xavante | Ofayé | Brasilândia |
Panambizinho | Guarani Kaiowá | Dourados |
Potrero Guaçu | Guarani Nhandeva | Paranhos |
Sombrerito | Guarani Nhandeva | Sete Quedas |
Sucuriy | Guarani Kaiowá | Maracaju |
Taquara | Guarani Kaiowá | Juti |
Linha do tempo do Marco Temporal
Ao proferir decisão favorável aos indígenas durante o julgamento de um conflito com produtores de arroz em Roraima, o Supremo usou como argumento que o povo da Raposa Terra do Sol já estava no território quando foi promulgada a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Consequentemente, o posicionamento abriu precedentes para que outros casos de demarcação fossem analisados usando a mesma lógica e limite temporal.
Em 2023, o STF determinou a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal e concluiu que a demarcação dos territórios indígenas independe de ocupação na data da promulgação da constituição, em 1988.
Entre os pontos que serão incorporados novamente à lei, estão: a proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
Entretanto, para a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o marco temporal ignora as violências e perseguições que os povos indígenas enfrentam há mais de 500 anos, em especial durante a ditadura militar, que impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios no ano de 1988.
Um dos exemplos de povos afetados é o Tapayuna. Expulsos de suas terras nas décadas de 1950 e 1960, período em que o Brasil vivenciava a ditadura militar, foram removidos de seus territórios para a reserva do Xingu, em Mato Grosso.
Por esse motivo, não estavam em seus territórios na década de 80, quando foi promulgada a Constituição Federal. Conforme a tese do marco temporal, esse povo, expulso do próprio território, não terá direito às suas terras.
Fato é que, desde abril deste ano, todas as tramitações dos processos judiciais em instâncias inferiores sobre o tema estão suspensas por determinação do ministro Gilmar Mendes, relator dos pedidos.
Contrariando a decisão da Corte, o Congresso Nacional consolidou o Marco Temporal na legislação. Em seguida, partidos e associações indígenas acionaram novamente o Supremo. Enquanto os favoráveis à lei pediram que o tribunal validasse a lei, outros solicitaram a declaração de inconstitucionalidade.
Para que serve a Câmara de Conciliação?
Mendes então criou a Câmara de Conciliação em abril para tentar encontrar um consenso entre as partes. Porém, a decisão não foi avaliada pelos demais ministros da Corte e não considerou as solicitações do movimento indígena, como a suspensão dos efeitos da lei.
A primeira discussão aconteceu em 5 de agosto e segue nesta quarta. A comissão de conciliação é composta por seis representantes indicados pela Apib; seis indicados pelo Congresso Nacional; quatro integrantes indicados pelo governo federal e dois integrantes dos estados e um dos municípios.
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