Com 5,2 mil vigilantes em Mato Grosso do Sul, categoria vê mercado encolher ano após ano
Essenciais na proteção de pessoas e patrimônios, vigilantes veem mercado enxugar vagas, perdendo até para segurança eletrônica
Lethycia Anjos –
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Em meio ao abrir e fechar das portas, uma figura permanece na inércia do nascer ao pôr do sol. Sempre de olhos atentos e pronto para qualquer imprevisto que fuja do habitual. Exposto aos inúmeros riscos associados a profissão, o vigilante muitas vezes passa despercebido no dia a dia, mas está sempre ali zelando pela segurança.
Em celebração ao Dia do Vigilante, comemorado nesta quinta-feira (20), o Jornal Midiamax destaca a importância crucial desses profissionais na segurança dos mais diversos ambientes.
O vigilante é o profissional que atua na vigilância orgânica das instituições. Suas atividades incluem garantir tanto a proteção física das pessoas quanto a integridade do patrimônio de seu contratante. Além pode ser encarregado de transportar valores ou garantir a segurança no transporte de cargas.
A profissão de vigilante é a única da área de segurança privada regulamentada por lei. Os artigos 15 a 19 da Lei nº 7.102/1983 tratam das definições da profissão, além de apresentar os requisitos e os direitos do profissional que exerce essa função.
O que é preciso para se tornar um vigilante?
Amilton José do Pilar, presidente do Sindesv-MS (Sindicato das Empresas de Segurança Vigilância e Transportes de Valores do Mato Grosso do Sul), explica que para se tornar um vigilante é necessário ter no mínimo 21 anos, não possuir antecedentes criminais, ter concluído pelo menos o 4º ano do ensino fundamental, além de passar por um curso de formação de vigilante e reciclagem a cada dois anos em escolas credenciadas pela Polícia Federal.
No entanto, a carga horária extensa do curso de formação representa um desafio para a formação de novos profissionais. Conforme o Sindesv, muitas pessoas interessadas na área acabam desistindo por não terem tempo livre para se dedicar ao curso.
“O curso tem 200 horas de aula, incluindo provas de armamento e tiro, noções de combate a incêndio, primeiros socorros e noções de direito penal. É um curso muito extenso e complexo.”
Celso Gomes da Rocha, presidente do Seesvig (Sindicato dos Empregados de Empresa de Segurança e Vigilância de MS) explica que os cursos de formação abrangem diferentes categorias em que o profissional poderá atuar após formado.
“Hoje nós temos o vigilante patrimonial que é o curso básico com duração de 21 dias. Nas extensões temos capacitações como a de transporte de valores, segurança pessoal, o famoso segurança vip e o curso de escolta armada. Essas são funções exercidas pela categoria”, detalha.
Vigilante é o mesmo que vigia?
Apesar das similaridades, as profissões relacionadas a segurança se diferem em diversos aspectos. Conforme o grupo Unifort, a diferença entre segurança, vigilante, vigia e porteiro pode ser resumida da seguinte forma:
- Segurança Patrimonial: Refere-se ao conceito amplo de proteção contra perigos, riscos ou ameaças. No contexto popular, pode ser usado como sinônimo de profissional de segurança.
- Vigilante: Profissional regulamentado pela Lei nº 7.102/1983. Passa por um curso de formação, e possui direito ao porte de arma em serviço. Suas responsabilidades incluem vigilância patrimonial, escolta de cargas, segurança pessoal e transporte de valores.
- Vigia: Contratado para observar, zelar e guardar patrimônio alheio. Atua de forma preventiva, não oferecendo resistência em caso de ação criminosa. A profissão de vigia não é regulamentada por lei e não exige um curso de formação específico.
- Guarda: O guarda é um termo popularmente utilizado para se referir a profissionais de segurança patrimonial.
- Porteiro: O porteiro trabalha em portarias ou portões, controlando o acesso físico de pessoas, objetos, bens e veículos. Auxilia na prevenção de furtos, roubos ou danos ao patrimônio. Assim como o vigia, a profissão de porteiro não é regulamentada por lei e não exige um curso de formação específico.
Amor compartilhado até na profissão
Gisele Ferreira da Silva, de 46 anos, e Vagner Rodrigues Pavão, de 43 anos, compartilhavam a vida, a casa e dois filhos, mas isso não era o bastante. Assim, decidiram compartilhar também a profissão. Há mais de cinco anos, o casal encontrou na carreira de vigilante uma opção para ter estabilidade financeira e mais tempo juntos.
Vagner passou anos trabalhando com vendas externas no varejo. Insatisfeito, tentou inúmeras profissões, mas nada parecia fazer sentido, até que um dia se deparou com um vigilante e pensou: “Por que não?”
“Era 2015, havia saído da área de vendas e já tinha tentado outras opções, mas nada dava certo. Um dia, vi um vigilante patrimonial em seu posto de serviço e achei muito interessante o que ele fazia: sua postura, seu uniforme e a maneira como atendia os usuários do local com presteza. Decidi que era aquilo que eu faria”, relembra.
Com o plano em mente, Vagner começou a se programar para encarar a sala de aula novamente. Ele reuniu a documentação necessária, passou por exames de saúde e psicológicos, comprovou seus antecedentes criminais, e aguardou a análise de toda a documentação. Após ter sua inscrição aprovada, ele participou de um curso de formação de 21 dias em período integral, o que considera a parte mais difícil de profissão até hoje.
“Com o término do curso, fiz provas teóricas e práticas, incluindo testes no estande de tiros, e recebi a avaliação de apto para a função. No entanto, ainda tive que esperar 60 dias para que a Polícia Federal homologasse meu curso, visto que a profissão de vigilante patrimonial é regulamentada e fiscalizada por meio de leis e portarias específicas”, explica Vagner.
De lá para cá, foram nove anos trabalhando como vigilante. Hoje, Vagner atua como vigilante líder em uma empresa segurança, além trabalhar como vigilante patrimonial na delegacia de Polícia Federal de Dourados e instrutor do curso de reciclagem para vigilantes.
“No início foi difícil, mas hoje uma área complementa a outra, e é uma satisfação imensa poder compartilhar experiências e ajudar quem está começando agora”.
Baixa procura dificulta inserção de mulheres na profissão
Nesse meio tempo, Gisele, influenciada pelo marido, decidiu que também entraria no ramo da vigilância. Passou por todo o processo de preparação, igual a Vagner, e em 2019 ingressou na profissão. No entanto, ao exercer sua função, na prática, se deparou com os entraves impostos pela desigualdade de gênero.
“Hoje, o maior desafio para conseguir uma vaga na área de segurança privada feminina é o desinteresse por parte das empresas. Na hora da contratação, elas priorizam vigilantes homens por acreditarem que são mais capazes”, diz Gisele.
A vigilante explica que, em alguns casos, as empresas de segurança privada recorrem às cotas para poder contratar mulheres. Apesar de ser o mínimo, essa medida assegura que elas também possam ocupar esses espaços.
“Já fui descredibilizada por terceiros somente por ser mulher. No entanto, com o respaldo da empresa em que trabalhava, que me dava todo apoio, foram criadas normas para o local e até fui parabenizada pela minha postura”.
Conforme Gisele, em alguns postos, o risco é grande, principalmente quando se trata de turnos noturnos, o que aumenta a exposição ao fator surpresa. Por esse motivo, a procura por vigilantes femininas também diminui.
Escala flexível trouxe melhor qualidade de vida
O casal Vagner e Gisele trabalham no período diurno, em uma escala 12X36, ou seja, 12 horas seguidas de trabalho para 36h de descanso. Para eles, a escala flexível trouxe uma melhor qualidade de vida. Além disso, nas horas vagas Gisele se dedica a produção de pão de mel artesanal, personalizados especialmente para eventos e confraternizações.
“Como minha rotina se resume em uma escala 12×36 igual do meu esposo, nas folgas nos programamos para ter nosso lazer, nossos extras e afazeres”, explica.
Conforme o Sindesv e o Seesvig, os vigilantes podem trabalhar em diversas escalas, incluindo:
- Escala 12×36 horas, tanto noturnas quanto diurnas, trabalham 12 horas seguidas e folgam 36 horas.
- 8,48 horas 7×2 de segunda a sexta-feira, com jornadas de 8 horas e 48 minutos.
- 5×2 de segunda a sexta-feira, com jornadas de 8 horas e 48 minutos.
- 15×15 – 15 dias de trabalho com 12 horas por dia seguidos de 15 dias de descanso
- 7×7 – 7 dias de trabalho com 12 horas por dia seguidos de 7 dias de descanso.
Vagner relembra que, no início, chegou a trabalhar em plantões noturnos, mas logo percebeu que a rotina exaustiva e a maior exposição aos riscos não era para ele. Desde então, passou a trabalhar em turnos diurnos.
‘Segurança pública e privada andam lado a lado’
Para o presidente do Seesvig, os maiores riscos associados à profissão recaem sobre os vigilantes que trabalham com o transporte e segurança de dinheiro, como os carros-fortes e bancos.
“Enfrentamos o crime organizado, são situações inesperadas e temos que estar de prontidão para exercer nossa função caso ocorra uma situação de risco, como um assalto a um carro-forte ou agência bancária. Lidamos todos os dias com riscos iminentes.”
Celso ressalta que o risco é ainda maior nas regiões de fronteira, onde os vigilantes atuam em apoio às forças de segurança pública, como a Receita Federal, no combate ao tráfico de armas e drogas.
“As pessoas muitas vezes não percebem, mas os vigilantes estão em todos os lugares. Temos uma enorme responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma importância fundamental para o Estado. Em todas as áreas da segurança pública, há vigilantes da iniciativa privada; estamos sempre ao lado da sociedade.”
Da falta de vagas a desvalorização profissional
Em Mato Grosso do Sul, há cerca de 5.200 trabalhadores ativos na área de vigilância. Somente em Campo Grande, o Seesvig estima em torno de 2.000 profissionais. Contudo, devido à baixa oferta de vagas, o número de profissionais formados e aptos para a função é três vezes maior que o número de trabalhadores ativos com carteira assinada. Por isso, é comum que vigilantes recorram ao trabalho informal e temporário.
Um ponto que dificulta a permanência na área é a desvalorização profissional. Celso ressalta que são frequentes as queixas ao sindicato sobre empresas que atrasam salários e vale-alimentação, além de não fornecerem condições básicas de saúde e posto de trabalho adequados.
“Esses riscos impactam muito a saúde mental dos profissionais. Em meio a isso, temos que lidar com o descompromisso das empresas. Por isso estamos sempre brigando por condições salariais satisfatórias que garantam uma boa condição econômica aos vigilantes”, destaca o presidente do Seesvig.
‘Postos de trabalho diminuem a cada ano’
Para Vagner, a maior dificuldade de trabalhar como vigilante não está nos riscos associados, mas sim na redução gradual das vagas disponíveis.
“A cada ano, perdemos uma parcela do mercado para profissões como porteiros, controladores de acesso, vigias e até mesmo para a segurança eletrônica, onde um operador de monitoramento realiza o trabalho de vários vigilantes simultaneamente”, explica.
Em Mato Grosso do Sul, aproximadamente 4.500 postos de trabalho da área de vigilância estão concentrados em Campo Grande, o que representa cerca de 40% desse efetivo, conforme dados do Sindesv-MS.
Uma das maiores dificuldades, conforme o Sindesv, é manter os postos de trabalho, que vêm diminuindo ano após ano no Brasil. “Anteriormente, havia mais de 750 mil postos de trabalho para vigilantes, mas atualmente esse número gira em torno de 450 mil, o que torna cada vez mais desafiador permanecer na profissão”, diz.
Amílton explica que o Sindesv MS atua em conjunto com três sindicatos laborais para manter os postos de trabalho, buscando várias melhorias como benefícios de saúde, vale alimentação, crédito consignado e cartão de crédito, entre outros. No entanto, o principal desafio é combater as empresas clandestinas que deslocam serviços de vigilância qualificados para serviços de menor qualidade.
Empresas clandestinas contribuem para desvalorização da profissão
Em 2023, cerca de 502 policiais federais em todo o Brasil saíram às ruas para a Operação Segurança Legal VII, que resultou no fechamento de 449 estabelecimentos clandestinos de segurança privada, incluindo casas noturnas, comércios, condomínios e outros.
De acordo com a PF, a contratação de serviços clandestinos de segurança privada representa um risco à integridade física das pessoas e ao patrimônio, pois os ‘seguranças’ não estão sujeitos ao controle da Polícia Federal quanto a antecedentes criminais, formação, aptidão física e psicológica.
“A Polícia Federal tem realizado um trabalho exemplar no controle e fiscalização das empresas clandestinas. Isso é extremamente positivo para nossa categoria, pois permite que as empresas legalizadas melhorem diretamente as condições de trabalho nos postos para os vigilantes”, ressalta o vigilante Vagner.
Além disso, as empresas clandestinas não cumprem os requisitos mínimos de funcionamento previstos na legislação. No Brasil, apenas empresas de segurança privada autorizadas pela Polícia Federal podem prestar serviços e empregar vigilantes.
De âmbito nacional, a Operação está em andamento desde 2017 e é coordenada pela Polícia Federal e pela Divisão de Controle e Fiscalização de Segurança Privada, com a participação das Delegacias de Controle de Segurança Privada nas capitais e das Unidades de Controle e Vistoria nas Delegacias Descentralizadas.
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