#CG125: Clássico filmado em Campo Grande mostra como a cidade perdeu seus ‘traços adolescentes’

‘Caçada Sangrenta’, ficção de 1974 coloca a Cidade Morena como cenário principal da fuga de um suspeito por assassinato

Karina Campos – 26/08/2024 – 13:00

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David Cardoso começou no cinema como técnico (Alicce Rodrigues, Midiamax)

A “perda dos traços adolescentes”é a nova tendência das redes sociais, quando uma pessoa compara uma foto antiga com uma atual e se vê mais madura. Curiosamente, dá para trazer a trand também para as páginas de jornal. No aniversário de 125 anos de Campo Grande, o questionamento sobre a perda dos traços antigos aos modernos perpetua na comparação da Capital de Mato Grosso do Sul com imagens antigas.

No caso, há 50 anos, época que Campo Grande ainda fazia parte do território de Mato Grosso, a cidade era palco de uma das principais obras cinematográficas, que retratava seus pontos históricos, como a Rua 14 de Julho, Aeroporto e o Morenão. Era o lançamento do filme “Caçada Sangrenta”, que ocorreu em 1974, evidenciando a carreira do ator, modelo e diretor David Cardoso.

Os tons amarelados e a falta de nitidez revelam que se trata do cinema antigo, com trilha e efeitos capazes de evocar nostalgia a quem tem mais de 40 anos. O filme, produzido pela DaCar Produções Cinematográficas, foi dirigida por Ozualdo Candeias e mostra as cidades de Campo Grande, Cuiabá, Ponta Porã, Dourados, Aquidauana e Corumbá.

Traços da cidade

Há uma lista de pessoas envolvidas na produção, com descrição até do laboratório do processo de “extração” das fitas. Na primeira cena, as manchetes de jornais citam a morte de uma bilionária, deixando uma herança. Em seguida, Nequinho, interpretado por David Cardoso, deixa a prisão, em Cuiabá, e viaja para Campo Grande, com o plano de seguir para o Paraguai.

Campo Grande aparece em cena já na segunda fase do filme, quando Nequinho deixa Cuiabá ao notar que está sendo perseguido. Ele desembarca no Aeroporto Internacional, que tem apenas um setor, arquitetura “quadrada”, pintura bege e sem letreiros. O suspeito entra em um Opala Verde com uma mala de couro a caminho do Centro. A seguir, uma visão panorâmica mostra a região ainda com poucos prédios.

O imponente Hotel Campo Grande, com seus 13 andares, dá o ar de uma cidade cara. É possível notar que o letreiro indica Mato Grosso. Há carros coloridos e antigos, como um Fusca e Chevette. Não há lojas, apenas a entrada aos hóspedes. Cenário diferente do atual, pois as antigas lojas estão fechadas diante das obras de revitalização do hotel.

Nequinho entra no saguão, caminha para o quarto, enquanto a cidade aparece pelas janelas. Neste take é possível notar a Rua 13 de Maio e os prédios históricos na Rua 14 de Julho.

O personagem deixa o quarto e passeia pela 14 de Julho, entrando na antiga Molina Modas. Antes, a tradicional lojista tinha a fachada vermelha, a entrada parecia ter um “hall”, rodeado de vitrinas. A dona da loja faz uma breve participação, sem mostrar o rosto. A loja não existe mais no endereço, entretanto, ainda tem renome na cidade.

UFMS

O Jornal Midiamax percorreu alguns trechos que aparecem no filme e um dos quase irreconhecíveis é a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Ainda não havia portões que cercam a Cidade Universitária. Antes, o monumento era para o lado de fora da Avenida Costa e Silva. Logo na entrada era possível ver o Estádio Morenão, o que não é possível atualmente pela quantidade de árvores. Para observar, é necessário dar uma volta na universidade.

Contudo, atualmente, o Morenão é considerado um monumento esquecido ao esporte. A arquitetura é preservada, sem revitalização. As pinturas descascam. As bilheterias abaixo das arquibancadas indicam esse cenário de esquecimento.

Muito diferente do filme, ao ser retratado um jogo entre o Operário e o Comercial, com o estádio lotado. Para se ter uma ideia, a geração com menos de 30 anos, nem sequer tem a noção de que o esporte regional reinava e já foi referência para outros estados.

A dupla que persegue Nequinho passa pelo trecho do letreiro gigante do “Autocine”, era visível, apesar da baixa nitidez da filmagem, que não possibilita identificar o que o espaço seria – só mesmo sendo campo-grandense “das antigas” para localizar.

Atualmente, a UFMS está muito mais arborizada. Sendo assim, boa parte dos monumentos está rodeado de árvores. Ao lado do Morenão está instalado o Parque da Ciência.

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Sul-mato-grossense em cena

O Caçada Sangrenta foi uma das primeiras obras de atuação do ator e diretor David Cardoso. Em entrevista ao Jornal Midiamax, o artista de 81 anos relembra o árduo trabalho de inserir a cidade no estrelato brasileiro.

Natural de Maracaju, Cardoso relembra que estudou por um breve tempo em Campo Grande e se mudou para São Paulo, voltando alguns anos depois para prosseguir com os estudos e o alistamento militar. Apesar de sempre desejar a vida artística, foi ao ganhar o concurso de melhor bailarino no “Rei do Rock”, no Rádio Clube, que despertou para o que queria seguir da vida, por volta de 1963.

“Com o prêmio do concurso, vendi minha passagem de avião e fui de trem para São Paulo para economizar. Meu pai queria que eu fizesse o curso de Direito, fui com o Mazzaropi, mas como técnico. Trabalhei 6 anos no cinema antes de começar a ser ator. A câmera pesava 41 quilos, precisava de duas pessoas, o som era direto. O aparelho que emita o som, montava o filme, ia para o laboratório, tinha que combinar a fala com o movimento labial. Era uma coisa que dava prazer para dublar, tem alguns filmes meus que foram dublados devido à voz sul-mato-grossense, tinha um sotaque”.

David diz que fez questão de inserir a Capital no cinema, pois percebi que a arte estava se definhando já naquela época com o avanço da tecnologia e crise econômica. Ele faz questão de mencionar que em todos os trabalhos cinematográficos lançados tem a participação de alguém sul-mato-grossense.

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David, aos 81 anos, no auge da sagacidade (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Marcada na memória

Caçada Sangrenta foi filmada em 37 dias, passando por várias cidades do Estado. Os recursos eram poucos e a equipe grande, com mais de 50 pessoas. Cardoso ainda relembra que era preciso inserir alguma “pontinha” de publicidade subliminar para reduzir os gastos, por exemplo, a exibição da antiga e renomada Molina Modas.

“A Molina [mostramos] porque, primeiro, precisava de uma loja para mostrar e segundo que nos forneceu o figurino. Antigamente, quando mostrava um restaurante pode ter certa que o dono está cedendo a alimentação. Éramos umas 20 pessoas; o Hotel Campo Grande cedeu o coquetel, o Lúdio Coelho era o dono. Os filmes brasileiros eram feitos com garantia, por exemplo, o diretor chegava no banco, deixava o carro como garantia, pedia a liberação na censura. Hoje em dia não é assim, existem artistas, como a Norma Benguell, devendo uma fortuna até hoje”.

CG nas telinhas

Para os olhares atentos ainda há muito arte “gritando” pelos cantos da Cidade Morena, como mostra a obra da cineasta e diretora Marineti Pinheiro: A Sala de Sonhos. O filme destaca as histórias dos antigos cinemas da cidade, ilustrando o antes ou depois.

Em uma lista com 13 filmes, Campo Grande é cenário que vai desde a ficção ao musical. Marineti adianta que, por conta dos incentivos financeiros proporcionados pela Lei Paulo Gustavo, até o fim do ano outros filmes representativos devem ser lançados.

“É muito interessante a gente pensar na cidade como um espaço cinematográfico a partir dessas obras, e principalmente a nossa relação com a cidade a partir do momento em que a gente toma conhecimento e assiste, porque as pessoas, principalmente as pessoas que não são da área do audiovisual, acabam criando uma relação de empatia por essas obras”, detalha.

A cineasta justifica que o cinema ambientado em locais familiares proporcionam essa identificação. “Porque elas se veem ali, seja pela rua, o lugar, a história. Enfim, acaba criando uma relação e um sentimento de pertencimento. Então, [é importante] pensar em Campo Grande como uma cidade filmada e muito a ser filmada, porque tem muitas histórias a contar, é pensar nessa cidade que vai para a tela e que constrói outra relação de sentimento, de entendimento, de conhecimento e de entretenimento pela própria cidade onde a gente vive”, finaliza.

Para ler e assistir:

  1. Salas de Sonhos – Marineti Pinheiro
  2. Barulho do Mato – Lucas Arruda e Mariana Sena
  3. Honra – Alexandre Couto
  4. Sobá, trilhos e silencio – Miguel Horta e Taty Furuse
  5. Série MS em Histórias cinematográficas – Com cinco curtas sobre estado, mas num contexto muito de Campo Grande (2017)
  6. MS em Imagens em Som, série de curtas de 2021 que tem outras cinco obras contextualizadas, a maioria em Campo Grande
  7. Campo Grande Meu Amor I – Diretores: Tina Xavier; André Knoner Monteiro; Eduardo Romero; Aurélio Marques; Alline Areco Romero, Ana Carla Pimenta e Fabio Castro
  8. Conceição dos Bugres – Candido Alberto da Fonseca
  9. Ela veio me ver – Essi Rafael
  10. Campo Grande das Araras” e “Fujona – Em Busca de Liberdade – das Diretora Lu e Rosiney Bigatão
  11. A Margem é o Centro – Thauanny Maíra
  12. Ano que vem tem mais – Marineti Pinheiro e Filipe Silveira
  13. A mesa – Campo Grande de Culturas – André Patroni e Kleomar Carneiro

#CG125 – Campo Grande faz aniversário!

Jornal Midiamax iniciou a partir de 19 de agosto a publicação de uma série de reportagens com perspectivas sobre a Capital sul-mato-grossense, que completa, no dia 26 de agosto de 2024, 125 anos de sua fundação.

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