“Muitos de nós haitianos deixamos nosso país após o terremoto de 2010. Muitas pessoas morreram, faltou trabalho e passamos muita dificuldade. Então, o Brasil ofereceu ajuda e nós aceitamos”, relata, ao Jornal Midiamax, Junel Ilora, de 36 anos, que vive em Campo Grande desde 2014.

À época, cerca de 200 mil pessoas faleceram e milhares ficaram desabrigadas, segundo dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Com isso, o índice de pobreza aumentou e a população enfrentou muitas dificuldades. A saída de muitos foi a busca por abrigo humanitário em outros países – o Brasil, um dos principais destinos.

Nascido em Gonaive, no Haiti, Junel é um dos cerca de 1,7 mil haitianos refugiados em Campo Grande e, atualmente, preside a Ashabra (Associação para a Solidariedade dos Haitianos no Brasil) – a associação realiza, por mês, cerca de 300 atendimentos, auxiliando refugiados do Haiti e de outros locais como Chile. 

Junel é uma das vozes que falam ao Jornal Midiamax nesta quinta-feira (20), Dia Mundial do Refugiado. À reportagem, eles relatam as dificuldades de viver em um novo país e assimilar uma nova cultura, além do desafio da profissionalização, da saúde e à infraestrutura.

Vale destacar que Mato Grosso do Sul é uma dos locais que abriga refugiados haitianos, venezuelanos, chilenos, paraguaios, entre outros. Além disso, o Estado é uma importante rota de refúgio, sendo porta de entrada principalmente dos países vizinhos Paraguai e Bolívia. 

Desafios enfrentados por refugiados 

Segundo Junel, o primeiro desafio enfrentado por refugiados, em contexto geral, é o idioma, sendo essa uma ferramenta fundamental para adentrar à sociedade, conseguir trabalho e uma vida digna. “Nossos atendimentos são focados em auxiliar as pessoas conseguirem viver com dignidade, ter um emprego e recomeçar a vida”, explica. 

Ele conta que, atualmente, após o idioma, a segunda maior dificuldade é a disponibilidade de vagas em creches, para as mulheres conseguirem trabalhar. “Hoje Campo Grande recebe muitas mulheres com filhos, principalmente do Chile. Os maridos conseguem trabalhar, mas elas não, porque precisam ficar com a criança”, pontuou Junel. 

Em sequência, o terceira desafio é o acesso aos cursos de capacitação e profissionalização, uma demanda constante na associação. Em razão disso, eles estão sempre abertos às parcerias de entidades que queiram promover cursos e ajudar. Ainda há solicitações em andamento junto à prefeitura, que demoram mais para darem certo em razão da burocratização. 

“Hoje, também é um problema nacional na demora para a saída de documentação, como o RG. Às vezes leva mais de um mês e aí, durante esse período, a pessoa não consegue fazer muitas coisas. Mas não é um problema só aqui, é em todo o país”, disse Junel. 

Em Corumbá, rede de voluntários providenciava alimentação diária a imigrantes haitianos em 2018. Haitianos fugiam do Chile, onde houve endurecimento das políticas de acolhimento (Marcos Ermínio, Arquivo, Midiamax)

Empregos ocupados por refugiados em Campo Grande 

Ainda segunda as informações levantando junto à Ashabra, em Campo Grande, a maioria dos refugiados ocupa posições no setor de serviços. 

Entre haitianos, a maioria dos homens trabalha no ramo da construção civil, prestando serviços como serventes de pedreiro e outros serviços da área. A segunda categoria mais ocupada é por mulheres, que atuam como camareiras. Em terceiro, os haitianos também ocupam posições em supermercados. 

Além disso, segundo Junel, muitos vivem como freelancer, fazendo “bicos” como garçons, ajudantes de cozinha, bem como trabalhando para empresas que levam para trabalho em outros municípios. 

Refugiados no Brasil e em MS 

Conforme dados do Painel Brasil no Fórum Global sobre Refugiados, atualmente, a maior população de refugiados do mundo saiu da Venezuela, seguido de pessoas do Haiti, Cuba e Angola. O painel mostra haver pessoas de 163 nacionalidades diferentes que refugiam pelo mundo. 

Vale destacar que há uma diferenciação entre refugiado e imigrante. Todo refugiado é imigrante, mas nem todo imigrante é refugiado. O imigrante é uma pessoa escolheu se deslocar e pode voltar a qualquer momento ao seu país de origem ou ao país onde vivia antes de se mudar, pois não corre riscos por lá. Por outro lado, o refugiado é alguém que precisou deixar o país por alguma questão de força maior. 

O Brasil acolheu cerca de 77,3 mil refugiados reconhecidos até 2023. Esse é maior quantitativo verificado ao longo da história do sistema de refúgio nacional. Ao todo, 143 mil pessoas já são reconhecidas pelo Brasil como refugiadas. 

Atualmente, os imigrantes venezuelanos são maioria no Estado, totalizando 10.827. Em sequência há o imigrante paraguaios, que totalizam 9.789 pessoas. Nos últimos seis anos, Dourados foi a cidade que mais acolheu refugiados e imigrantes venezuelanos, com 4.248 registros, apontam dados do Governo Federal. 

Esses números são confirmados com base nos dados, divulgados no dia 13 de junho, do Anuário Refúgio em Números, organizado pela equipe do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), a partir de dados oficiais do Governo Federal.

A reportagem solicitou mais dados regionais junto a PF (Polícia Federal) e à Sejusp (Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública), mas não houve retorno até a publicação. O espaço permanece aberto para acréscimo de informação.

História sobre o Dia Mundial do Refugiado 

O Dia Mundial do Refugiado foi instituído em 2001, para promover a reflexão sobre a situação em que se encontram pessoas forçadas a abandonar seus países de origem, devido a perseguições, conflitos armados e crises humanitárias. 

Segundo o MMFDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), a proteção dos refugiados é um desafio global, que exige atenção por parte dos governos. A atuação do órgão na temática dos refugiados é baseada em sua competência legal pelas políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos. 

No país, o trabalho é desenvolvido pela Secretaria Nacional de Proteção Global, por meio da Assessoria para Assuntos sobre Refugiados.

O Governo Federal afirma que a Lei de Refúgio brasileira (Lei nº 9.474/1997) é considerada uma das mais avançadas no mundo. O reconhecimento da comunidade internacional se estende às ações de ajuda humanitária e integração socioeconômica de refugiados e imigrantes, como o trabalho que vem sendo realizado desde que iniciou o fluxo migratório venezuelano.

O que diz a Prefeitura de Campo Grande

A reportagem procurou a Prefeitura de Campo Grande acerca dos problemas relatados por refugiados que vivem na cidade. Por meio de nota, a Prefeitura destacou ações institucionais de acolhimento e de educação, mas não apontou políticas específicas para os cerca de 1,7 mil refugiados haitianos que residem na capital.

Contudo, destacou a construção e entrega de 166 novas salas modulares que devem reduzir o déficit de vagas em EMEIs, sendo 26 na região do Bandeira, onde a comunidade haitiana está mais concentrada.

A Prefeitura também pontuou que a Rede de Assistência Social da SAS (Secretaria de Assistência Social) dispõe a imigrantes e população em situação de rua em geral “os serviços do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTRO POP)”, o Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), acolhimentos Institucionais (com duas unidades de acolhimento para adultos e famílias), além da Casa de Passagem Resgate.

“Cabe salientar que a Casa de Passagem Resgate, localizada na região central de Campo Grande, é a unidade que prioriza o atendimento às pessoas em processo de migração, isto é, o imigrante e/ou estrangeiro”, traz a nota, que detalha os serviços: acolhida/recepção; escuta; desenvolvimento do convívio familiar, grupal e social; estudo Social; apoio à família na sua função protetiva; cuidados pessoais; orientação e encaminhamentos sobre/para a rede de serviços locais com resolutividade; construção de plano individual e/ou familiar de atendimento; orientação sociofamiliar; e acompanhamento e monitoramento dos encaminhamentos realizados, além da articulação com os serviços de outras políticas públicas setoriais e de defesa de direitos.

“A SAS ressalta ainda que as equipes de assistentes sociais das unidades atuam em parceria com órgãos, entidades e demais secretarias da Gestão Municipal, como a FUNSAT, com o objetivo de reinserir os usuários e acolhidos no mercado de trabalho”, finaliza a comunicação. 

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