Após o fim da primeira reunião da câmara de conciliação do STF (Supremo Tribunal Federal), realizada na última segunda-feira (5), em Brasília, para discutir a Lei do Marco Temporal, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) irá avaliar a sua permanência na composição da câmara.

Maior referência do movimento indígena no país, a organização também denuncia uma série de violências institucionais enfrentadas por seus representantes na tarde de segunda.

“Pedimos 48 horas para avaliar e decidir, em conjunto com as regionais de base, se vamos continuar compondo a câmara e o cronograma de datas estabelecido por eles”, conta Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. A próxima reunião da câmara de conciliação está marcada para o dia 28 de agosto.

Kleber também afirma que só é possível continuar se houver suspensão da lei até o fim das discussões, o que não foi atendido pela Corte até o momento. “Isso foi pedido pelas lideranças e outros grupos presentes, mas percebemos que é algo que o Supremo não quer deliberar”, complementa Kleber.

Segundo a Apib, ao transformar o Marco Temporal em lei abre-se brecha para diversos crimes contra os povos indígenas, como a contestação de demarcações, além de permitir que invasões de Terras Indígenas possam ser consideradas de boa-fé. O texto foi promulgado em dezembro de 2023, mesmo após o STF declarar a tese inconstitucional em setembro.

Câmara de conciliação

A primeira reunião da câmara, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, foi conduzida pelos juízes Diego Veras e Lucas de Almeida Rosa. Além de Kleber Karipuna, mais cinco representantes da Apib estiveram presentes. A deputada federal Célia Xakriabá também participou.

Ao longo das seis horas de reunião, o grupo pediu diversas vezes que a Corte concedesse condições iguais de participação para os povos indígenas na câmara de conciliação. Isso porque, a todo momento, membros do STF pressionavam para que as lideranças indígenas aprovassem o calendário de reuniões sem antes poderem consultar suas bases.

As regras e a composição da câmara de conciliação também não contribuíram para a participação das lideranças indígenas. Os juízes do Supremo afirmaram que os acordos feitos devem ser realizados por aclamação, mas caso não ocorra consenso entre as partes, as decisões serão tomadas pelo voto da maioria.

Também participam da reunião representantes do Governo Federal e de partidos políticos que pedem a constitucionalidade da lei. “Não estávamos ali para legitimar o processo. Queríamos ser ouvidos. Não há condições dignas de sentarmos à mesa, onde os povos indígenas têm uma arma apontada para a sua cabeça”, disse a deputada Célia Xakriabá.

Denúncias

A reunião da câmara de conciliação também foi marcada pelo racismo institucional, conforme publicou a Apib. Pouco antes de a sessão começar, Maurício Terena, com outras lideranças que iriam acompanhar a reunião, foram impedidos de entrar no STF.

A entrada do grupo foi aceita após um pedido do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, que pediu desculpas pelo ocorrido na audiência. Essa é a segunda vez que o advogado indígena é barrado ao se dirigir ao prédio do STF para uma agenda. À época, o STF disse em nota que se tratava de um “erro de procedimento pontual”.

Durante a audiência, a advogada indígena Kari Guajajara também disse que as lideranças da Apib estavam constantemente sendo interrompidas e apontou a falta de tradutores indígenas na sala, o que dificulta o debate e o entendimento daqueles que acompanhavam a sessão e não falam português.

Além disso, Karipuna denuncia posicionamentos controversos por parte do Supremo. Ao indicar que a Apib poderia não continuar na câmara, os juízes da Corte afirmaram que a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) poderia aceitar ou não os acordos propostos nas audiências.

“Nos sentimos violados. É um posicionamento que nos remete à tutela do Estado e que foi superado com a Constituição de 88. Essa atitude revela como o racismo institucional está instaurado nas instâncias de poder. A Apib, junto com suas bases, é a verdadeira representante do movimento indígena”, alegou ele.