Realidade ou utopia? Veja se Campo Grande inteira pode receber fiação subterrânea
Para especialistas, a ampliação da fiação subterrânea é possível mediante projeto de longo prazo e em conformidade com os agentes envolvidos em Campo Grande
Nathália Rabelo –
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A fiação subterrânea tem se destacado nos últimos anos como uma alternativa inovadora e eficiente em substituição à tradicional fiação aérea, ou seja, aquela em que os fios ficam presos em postes. Essa tecnologia, que consegue ocultar os fios sob o solo, proporciona uma série de benefícios, desde estética urbana a melhorias na qualidade e confiabilidade dos serviços. Campo Grande já tem uma rua modelo que já passou pela reforma de adequação: a Rua 14 de Julho, durante o programa Reviva Campo Grande. Portanto, o sucesso obtido nesse projeto-piloto abre caminho para que novas ruas, como a Rua Bom Pastor, também possam receber a fiação subterrânea.
Porém, apesar dos inúmeros benefícios e da crescente demanda pela modalidade, a implementação em toda a extensão de Campo Grande ainda é um desafio. Mas por quê? Considerando isso, o Jornal Midiamax buscou a opinião de especialistas, os quais ressaltaram que a transição para a fiação subterrânea é um projeto viável, porém, de longo prazo, que depende do consentimento do poder público, concessionárias de energia, de telefonia e da população em geral.
Em entrevista à equipe de reportagem, Catiana Sabadin Zamarrenho, subsecretária da Sugepe (Subsecretaria de Gestão e Projetos Estratégicos) e coordenadora do Reviva Campo Grande, abordou a complexidade da implantação da fiação subterrânea na cidade. Segundo ela, várias cidades, incluindo Campo Grande, já tinham determinações para incentivar as companhias elétricas a realizar a transição, porém, há um vácuo em relação à gestão municipal sobre essas empresas, que são reguladas pela Aneel e não sofrem regulação direta do poder público local.
Ela destacou que em outras cidades, como Porto Alegre – onde os vereadores criaram leis para implementação da fiação subterrânea em todo o seu perímetro urbano – as companhias elétricas entraram com liminares alegando desequilíbrio financeiro e a necessidade de repassar os custos do investimento aos consumidores. Catiana ressaltou que essas dificuldades jurídicas foram enfrentadas em outras partes do país.
Para a especialista, a fiação subterrânea tem inúmeros benefícios, como melhorias na paisagem urbana e maior efetivação, uma vez que existem menos falhas no sistema de iluminação. Porém, a complexidade da fiação subterrânea envolve acordos entre concessionárias de energia elétrica e telefonia, custos altíssimos de implementação e consentimento da população, uma vez que espaço precisa ser ‘quebrado’ para fios serem enterrados.
R$ 10 milhões por quilômetro
Conforme a Sugepe, estima-se o valor superior a R$ 10 milhões por quilômetro, para a companhia elétrica, para a instalação da fiação no solo.
“Há um impacto financeiro muito grande nesse processo, então de uma forma geral isso não tem avançado no país a não ser em alguns projetos urbanísticos. Afeta o equilíbrio financeiro porque é bem mais caro do que passar os fios hoje na rede existente. Só que a longo prazo, para o município, seria muito interessante porque reduz os roubos dos fios elétricos. Esse tipo de tecnologia onde há o embutimento de rede reduz os furtos e tem um ganho urbanístico muito grande, porque a 14, por exemplo, ficou tão bonita quanto ficou porque não tem fio”, explica Catiana.
Segundo Airton Faria Vargas, engenheiro eletricista que atua em projetos de Campo Grande, como na Rua 14 de julho e na Bom Pastor, os custos são elevados porque são “milhões que vai gastar com a telefonia, os milhões que vai gastar com a rede elétrica, os milhões que vai gastar com a rede de iluminação. E você tem que prever de tal forma para que não haja buracos no futuro”.
Isso significa que os custos também poderiam ser elevados para o consumidor final caso a fiação subterrânea fosse custeada pela Energisa, por exemplo.
Fios de telefonia e internet
Para Airton, os fios que mais deixam a cidade feia são os de Internet e telefonia. Na sua opinião, empresas responsáveis não têm cuidado com aspecto estético urbano e abandonam os fios nos postes quando há troca de empresas por parte do consumidor. Assim, fios ficam acumulados e interferem na paisagem da cidade.
“Para fazer investimento para melhorar essas coisas, o investimento fica muito elevado. Na medida que você faz uma rede para 1 concessionária de energia, você precisa fazer para 5 ou 6 concessionarias e operadoras de telefone e internet. Então ficam vários dutos por baixo do solo que encarece muito. Porque se você só enterrar a rede de energia, tirar o poste, os fios das telefonias vão ficar onde? Então, precisa encontrar uma solução pra isso”.
Por sua vez, Catiana ainda ressalta que a negociação com as empresas de telecomunicações para embutimento da fiação na 14 de Julho aconteceu mediante custeio do município.
“Além das companhias de energia elétrica, há também as de telecomunicações, que às vezes tem sido mais difícil em alguns municípios de executar esses projetos porque são várias e você também afeta a questão financeira delas. Em Campo Grande, a gente compactuou com essas empresas e elas executaram, cada uma passando a sua fiação, mas de uma forma em que nós reduzimos os custos para ela no momento em que a gente fez as infraestruturas enterradas”.
Agora imagine a situação: existe o dinheiro de investimento e as concessionárias de energia elétrica e de telecomunicações topam abraçar projetos cada vez mais amplos para enterrar a fiação. Parece o cenário ideal para iniciar os projetos, certo? Para os especialistas, outro ponto fundamental é a viabilização para a população, uma vez que precisaria ‘parar’ determinado local para abrir buracos no solo.
“A população está disposta a pagar por isso?”
“Será que a população está disposta a pagar por isso?”, questiona Airton. Especialista no setor há muitos anos, outro fator determinante para dificultar a implementação de fiação subterrânea em mais pontos é, justamente, fazer obras de grandes proporções com a cidade operando.
Como seria, por exemplo, interditar toda a Afonso Pena por pelo menos um ano para fazer a obra de adequação? O quanto disso ficaria afetado? E as demais vias? E a população? O que fariam os comerciantes? Para os especialistas, tudo isso é colocado à prova antes de iniciar qualquer projeto urbanístico.
“Mexer numa cidade não é fácil porque tem os aspectos econômicos e financeiros, vai mexer em toda uma população que está trabalhando ali de lojistas, vai mexer com circulação de pessoas, de ônibus – que vai melhorar no futuro, mas naquele momento será paralisado – e você precisa mover todos esses agentes políticos, como prefeitura, câmara de vereadores, empresas de energia elétrica, de telefonia e a comunidade”, explica Airton.
Afinal, conforme já mencionado pela Sugepe, precisa fazer buraco para enterrar fio. “Precisa quebrar as infraestruturas existentes, então imagina fazer isso na área central de Campo Grande inteira. Tem um custo muito elevado”, diz Catiana.
Apesar da complexidade de todo o processo e da quantidade de pessoas envolvidas, Campo Grande já sente os reflexos positivos da fiação subterrânea.
É importante ter uma cidade bonita
Conforme a gestora do Reviva Campo Grande, a experiência da 14 de Julho foi bem positiva. Lá, foram usados transformadores submersos já pensando na possibilidade da expansão das redes.
Por lá, 1,3 quilômetro da rua contém fiação subterrânea. Obra custou R$ 16 milhões e toda a revitalização da 14 de Julho durou 18 meses. Depois de anos, os benefícios são observados.
“A contagem de pessoas que passavam pela 14 antes da reforma e depois, hoje é superior. As pessoas estão indo com famílias, tem outro perfil de pessoas que frequentam aquele espaço porque antes tinha dificuldade de levar idosos, crianças e agora se vê muitas famílias. Virou espaço com novo uso turístico, então tem novos usos pra via”.
Jakeline Santana da Costa Alves é gerente de loja na 14 de Julho e acompanhou as obras do Reviva. Para ela, ter os fios subterrâneos melhorou o paisagismo na loja, que funciona desde meados de 2011.
“Eu acho que mudou mesmo a beleza, ficou mais bonito e a queda de luz ficou melhor, ainda tem quando chove muito, mas é menos do que antes. Antes qualquer caminhão que passava já arrebentava tudo e era feio aquele monte de emboleira de fio, agora é a questão da estética que ficou bem mais bonito, dá pra ver mais as fachadas das lojas”.
Kazumi Nakasse, conhecido por Roberto, é dono de ótica na 14 de julho há 14 anos e afirma ter percebido diferença na estética desde que os fios foram para o subsolo. “Ficou bem melhor o visual, modernizou”.
Ele ainda afirma que nada foi cobrado depois que houve a mudança na colocação dos fios da energia na conta. Isso acontece porque a prefeitura fez uma negociação com a Energisa e custeou a adaptação.
“Da forma que foi feito na 14, a gente tem a perspectiva depois de vir em outras ruas, mas aí são novas negociações, projetos urbanísticos que envolvem, de preferência, passar o custo para as companhias elétricas porque senão o poder público não tem como assumir essa responsabilidade”, pontua a Sugepe.
Novos projetos em Campo Grande
Como já adiantado pelo Jornal Midiamax, a próxima via que está no caminho para receber a fiação subterrânea é a Avenida Bom Pastor, corredor gastronômico de Campo Grande.
O projeto para embutir os fios elétricos na Bom Pastor já está em execução, mas, diferentemente do que foi executado no Centro – com os transformadores enterrados – a pretensão é colocar os fios de energia e telefonia nas laterais da via.
“A gente acredita que a Bom Pastor merece um projeto urbanístico dessa forma. Estamos com parceria com a Energisa, que nos ajudou no processo de concepção do projeto de engenharia e a gente quer a parceria deles na execução da obra”, disse a subsecretária da Sugepe.
Assim, os projetos de engenharia já estão sendo realizados e têm previsão de ficarem prontos até o final de 2023. A perspectiva é que as obras de adequação da rede elétrica comecem em 2024. A Energisa também está envolvida no projeto.
O engenheiro eletricista Airton também está envolvido no projeto e disse que, diferentemente das obras da 14 de Julho, que tiveram financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o financiamento da Bom Pastor será pela Caixa Econômica Federal e, novamente, custeio será da prefeitura.
Ainda segundo o especialista, a próxima via que pode receber a fiação subterrânea é a Avenida Presidente Ernesto Geisel, porém, projeto ainda está em fase inicial de discussão.
Fiação subterrânea: realidade ou utopia em Campo Grande?
Para os profissionais, a expansão da fiação subterrânea em Campo Grande não é impossível, mas é um projeto pensado a longo prazo, uma vez que precisa de consenso de muitos agentes. Uma vez que a cidade não é planejada, a adequação se torna mais difícil. Porém, esperança é o que define os próximos passos.
“Além do aspecto de custo, você tem um aspecto político e estratégico, mas é possível fazer. Existe tecnologia para trazer menos desconforto na hora da construção, existem pessoas pensando nisso […] o futuro pode trazer melhorias. Acho que é uma questão de postura da prefeitura, postura das empresas de energia, postura das empresas de telecomunicações. Tem que haver movimento político positivo em cima disso”, conclui Airton.
Responsabilidade é do interessado
Sobre o assunto, a Energisa – concessionária de energia elétrica de Campo Grande – explica que se coloca à disposição para acompanhar o processo de estudo, viabilidade e acompanhamento da implementação para os casos de conversão de rede de distribuição aérea para a subterrânea.
“A concessionária informa também, que para os casos de conversão, todo o investimento é de responsabilidade do principal interessado, seja poder público, empreendedores ou grupo de moradores”.
Já para os casos que contemplem implementação de fiação subterrânea em novos condomínios, a Energisa orienta aos construtores na elaboração do projeto executivo, avaliações técnicas referentes aos materiais e equipamentos, além da realização de fiscalização no final da obra civil e elétrica.
Empresas de telefonia devem observar legislação local
Quanto aos fios das empresas de telecomunicação, que muitas vezes se acumulam nos postes, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) esclarece que os postes fazem parte de concessão pública outorgada à exploração por distribuidoras de energia elétrica.
Assim, a Legislação vigente estabelece o direito de as prestadoras de serviços de telecomunicações utilizarem de forma compartilhada essa infraestrutura para o lançamento de suas redes, conforme expresso na Lei Geral de Telecomunicações, nº 9.472 de 16 de julho de 1997:
“Cabe às distribuidoras de energia elétrica detalhar as regras de utilização dessa infraestrutura e realizar a boa gestão dos postes, atividade pela qual são remuneradas pelos prestadores ocupantes, podendo ser acionadas em caso de irregularidades. As prestadoras de telecom devem observar a legislação local, o plano de ocupação e, especialmente, a conformidade técnica com as normas de postes de cada distribuidora, sujeitando-se às responsabilidades decorrentes da sua conduta ou omissão na gestão de redes de telecomunicações”, informa a nota.
“Em caso de não conformidades na conduta, os agentes estarão sujeitos às devidas responsabilidades contratuais perante a outra parte, sem prejuízo de eventuais apurações perante os órgãos reguladores (Anatel e Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel)”, conclui a Anatel.
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