PEC das Domésticas completa dez anos, mas carteira assinada não é realidade para 76% da categoria
Mulheres de Campo Grande contam experiências da profissão
Thalya Godoy –
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O transporte público de manhã tem olhos sonolentos de mulheres que saem de casa na periferia antes do sol nascer. As empregadas domésticas levam horas até chegar em casas localizadas em bairros nobres para preparar o café da manhã de quem ainda nem acordou e cuidar dos filhos dos patrões, enquanto os próprios crescem sozinhos.
O Dia da Empregada Doméstica é celebrado nesta quinta-feira (27), profissionais que há décadas lutam por melhores salários e condições de trabalho.
Em abril também são celebrados dez anos da PEC das Domésticas, que equiparou os direitos trabalhistas já assegurados a outras categorias no século passado. Porém, milhões ainda trabalham na informalidade (ver mais detalhes abaixo).
Aparecida Braga de Almeida* tem 60 anos e trabalha como doméstica desde a adolescência, quando tinha 15 anos. Passou três quartos da vida desempenhando todos os tipos de funções dentro de uma casa e agora sonha com a aposentadoria o quanto antes.
Os braços e pernas de Aparecida já não têm a mesma firmeza de décadas atrás para desempenhar os trabalhos que exigem tanta força. “Eu acho o salário que ganho pouco para a quantidade de trabalho que faço. Minha dificuldade atualmente é o cansaço, já não tenho todo aquele vigor de antes”, ela expõe.
Já no caso da diarista Luana Vieira*, de 58 anos, a maior dificuldade nos 40 anos de trabalho é a condução. Leva mais de uma hora de ônibus para sair da região Norte de Campo Grande até chegar ao serviço para receber um salário mínimo e meio.
“Graças a Deus nunca passei nenhuma humilhação, mas acho pouco o salário”, ela lamenta.
*Os nomes das personagens foram alterados a pedido delas para preservar a identidade.
PEC das Domésticas completa dez anos
Neste mês também são comemorados dez anos da promulgação da PEC das Domésticas, que em 2 de abril de 2013 garantiu igualdade de direitos trabalhistas com as demais categorias, por meio da Emenda Constitucional 72.
Foram 70 anos de espera para que essas trabalhadoras tivessem os mesmos benefícios que outros empregados, que foram assegurados pela CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas), no governo de Getúlio Vargas, em 1943.
A regulamentação da PEC veio em 2015 e garantiu o limite de carga horária semanal, adicional noturno, remuneração por hora extra, recolhimento do FGTS, proteção contra demissão sem justa causa, reconhecimento de acordos coletivos de trabalho e outras conquistas.
Porém, mesmo com essas conquistas, a categoria ainda sofre com desrespeito aos direitos trabalhistas já conhecidos, como a falta de assinatura da carteira de trabalho.
De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), 76% desses profissionais trabalham na informalidade sem carteira assinada, o que acarreta também em salários até 40% menores em relação aos de trabalhadores que são registrados.
O levantamento mostra que 92% das vagas de trabalho doméstico no Brasil são ocupadas por mulheres e 65% são pessoas negras. No trimestre encerrado em janeiro deste ano, o país contava com 5,9 milhões de trabalhadores na área.
A coordenadora geral da Fenatrad (Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos), Luiza Batista Pereira, afirma que a falta de assinatura na carteira de trabalho atualmente ainda é comum e que os empregadores dificilmente são penalizados.
“A trabalhadora passa anos trabalhando e às vezes o empregador retém a carteira para assinar e não devolve, o que não pode. A gente sempre orienta a pedir a carteira de volta assassinada. Quando isso acontece, geralmente, o empregador não assinou a carteira e ela só descobre que não estava assinada quando pega de novo”, explica.
Outro desrespeito comum que a trabalhadora enfrenta é quando passa anos com o mesmo patrão e a carteira quando é devolvida foi assinada apenas por 90 dias, como contrato de experiência.
“A gente fala para as companheiras produzirem fotos para no futuro ter como comprovar que trabalhou ali. A gente [sindicato] procura orientar as trabalhadoras para que elas não saiam prejudicadas”, ela elucida.
Luiza Pereira até cita os casos em que os patrões tentam simular que a empregada doméstica fez algo errado para forçar uma demissão por justa causa e, assim, não pagar os direitos trabalhistas.
“Quando isso acontece, a empregada doméstica pode procurar o sindicato para ajudar ela a registrar o boletim de ocorrência. Acusou e não tem prova? Ela até pode processar por danos morais, não acontece com muita frequência, mas infelizmente tem empregadores assim”, ela orienta.
MS não tem sindicato filiado
A Fenatrad tem 18 sindicatos filiados em todo Brasil, porém nenhum em Mato Grosso do Sul. De acordo com a coordenadora geral, a federação nunca visitou o Estado por falta de convites de entidades locais e de recursos, já que trabalham por meio de projetos.
Ela conta que há uma grande dificuldade na mobilização da categoria, já que boa parte das empregadas trabalha o dia inteiro e o trabalho no sindicato não é remunerado.
“Como é uma luta que precisa buscar apoio, tem trabalhadoras que falam que não dá para ficar o tempo todo no sindicato sem receber salário, o que é complicado porque sindicato não paga salário. Além disso, nós trabalhadoras domésticas entendemos que é difícil conseguir a liberação para atuar no sindicato”, explica.
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