Para acolhimento às vítimas de racismo, policiais civis de MS passam por treinamento

Servidores participam de curso de 40h, a partir desta segunda-feira (31), para qualificação em atendimento nas delegacias do Estado

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Curso Acadepol (Nathalia Alcântara, Midiamax)

A Acadepol (Academia da Polícia Civil Delegado Julio César da Fonte Nogueira) oferece nesta segunda-feira (31) o início da qualificação de policiais para acolhimento e atendimento às vítimas de racismo em Mato Grosso do Sul. A necessidade da orientação surgiu para humanização do serviço para quem buscava registrar boletim de ocorrência e ter a tipificação correta.

Serão 40h de curso divididos em 20h com ministração de aulas por representantes da sociedade civis, como militantes e pastas de direitos humanos. As demais horas serão preenchidas por aulas com representantes da própria polícia, por exemplo, delegados negros. O deputado Amarildo Cruz havia solicitado a implantação de cursos para categoria diante do apelo da população reforçou a qualificação dos policiais civis.

Ednir de Paula acompanhou a abertura do curso como um exemplo da necessidade da inserção da criminalização do racismo. A mulher teve seu caso usado como base para modificações na lei. Funcionária pública concursada desde 1987, ela sofreu racismo quando atuava na Câmara Municipal de Corumbá, ao ser transferida do cargo de técnica administrativa para o almoxarifado, por parte de um diretor financeiro e ex-vereador da casa que utilizavam termos racistas para mencioná-la.

“Não existia o artigo 140 do Código Penal, [naquela época] tive que me basear no artigo 5° da Constituição, que fala que todos somos iguais perante a lei. Comecei a mobilizar na câmara, reunindo documentos, entrei na Justiça e foi passando ao judiciário. Na delegacia não sabiam o que fazer [não havia tipificação de racismo] em 1992”.

Ednir teve caso anexado para mudança na criminalização do racismo (Nathalia Alcântara, Midiamax)

O primeiro processo foi perdido na justiça, com apenas um voto, não seguindo para segunda estância. Anos depois, o Ministro Nelson Jobim, reuniu os documentos de Ednir para se basear na criação do artigo. “É doloroso reviver [o que passei], foi muito traumático. Temos muito a caminhar, mas a implantação de curso de formação na delegacia ajuda muito”.

Cresce denúncias de racismo

Comparando os dados de 2021 a 2022, houve crescimento de 156,3% no registro de crimes de racismo, preconceito e discriminação em delegacias de Mato Grosso do Sul. A maioria das denúncias acontece no interior do Estado, sendo 271,4% a mais do que o ano anterior. Foram 15 casos em Campo Grande contra 26 de racismo no interior; casos de injúria por discriminação pontuaram 179 registros na Capital e 292 nas demais cidades de MS.

O delegado-geral, Roberto Gurgel, explica que há reclamação da população no registro de casos de racismo, injúria e homofobia, pois, são crimes subnotificados. Ele exemplifica que antes de alterações na lei, criação de delegacias especializadas, os casos de violência doméstica também pairavam na esfera de subnotificação.

“Para mudar a realidade dos casos de violência doméstica foi preciso uma rede de acolhimento para mostrar o que tinha que mostrar. Nos últimos anos foi notado um aumento no número de registros nos crimes de racismo. Hoje é primeiro passo para uma rede de atendimento para mostrar que o racismo não é aceitável, é crime”.

Curso Acadepol (Nathalia Alcântara, Midiamax)

Para ele, a qualificação do servidor irá inserir o policial na realidade do que a vítima busca denunciar, além de acolher no momento de fragilidade. “Isso também visa a orientação aos autores de que entendem como uma brincadeira, isso ofende e magoa.

Antônio Carlos Videira Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, disse que a pasta deve ampliar a qualificação para a Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, inclusive na modalidade de ensino à distância.

“Existe uma reclamação de pessoas que sofrem racismo de que na hora de fazer o boletim de ocorrência não tem detalhamento de forma explícita que seja racismo. A pessoa também chega fragilizada e precisa de um acolhimento. Foi notado um aumento na procura para fazer o registro, mas não se sabe ainda se é por consciência de que a pessoa tem direitos ou se há ocorrência do crime”, finaliza a subsecretária de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, Vania Lucia Baptista Duarte.

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