Completar os estudos e obter um diploma representa um desafio para os estudantes. Para aqueles que estão fora da faixa etária escolar, essa etapa se torna ainda mais desafiadora. Em celebração ao Dia do Estudante (11), o Jornal Midiamax compartilha histórias de estudantes “não convencionais” que demonstram que, mesmo diante de adversidades, nunca é tarde para aprender.

As mãos calejadas carregam consigo a trajetória de alguém que passou a maior parte da vida trabalhando no meio rural. Aos 76 anos, Erli Nunes Rosa retomou os estudos por meio da EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Natural de Botucatu, , Erli veio para aos oito anos, acompanhado dos pais e dos irmãos.

Apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pela família, ele relembra que seus pais sempre deram prioridade à educação. Durante a , teve que se mudar com frequência, mas a cada nova cidade para onde se mudavam, a prioridade de seus pais era matriculá-lo, assim como a seus irmãos, em uma nova escola.

“Estudei em várias escolas durante minha infância, mas tive que sair quando estava no 2º ano do para poder trabalhar. Após isso, servi no exército, trabalhei um tempo na polícia e fui motorista de ônibus”, relata.

Erli é parte de um grande grupo de brasileiros que precisa interromper os estudos para trabalhar. Agora aposentado, ele decidiu voltar à escola para completar o Ensino Fundamental por meio da EJA.

“Passou tanto tempo desde que parei de estudar que mal me recordo. Agora, surgiu essa oportunidade e decidi voltar. Para mim, nunca é tarde para estudar, sempre há algo novo para aprender, e mesmo depois de me formar, pretendo continuar estudando”, enfatiza.

Segundo ele, a ideia de retornar à escola e concluir seus estudos surgiu por influência de uma irmã. Assim, ele e mais quatro irmãos deram início a essa nova jornada juntos.

“Entrei na escola com três irmãs e um irmão. Devido a questões de saúde, elas tiveram que parar, então restamos apenas eu e meu irmão”, explica.

Com o passar do tempo e as adversidades da vida, as irmãs de Erli acabaram por desistir dos estudos, sendo somente ele e o irmão mais novo que prosseguiram. Hoje, ao lado do irmão de 75 anos, Erli compartilha a sala de aula e o sonho de se formar.

“Meu irmão e eu vamos nos formar juntos este ano. Sempre estudamos em conjunto, auxiliando um ao outro nas tarefas de casa, proporcionando apoio mútuo”, ressalta.

Mesmo em sua aposentadoria, ele enfatiza que continuará a estudar após a formatura e planeja ingressar em cursos profissionalizantes.

“Nunca é tarde para adquirir novos conhecimentos. Sempre há algo diferente para aprender. Pretendo seguir estudando; após concluir esta etapa, planejo me matricular em outra escola para completar o Ensino Médio e também desejo fazer alguns cursos”, afirma.

Alfabetização trouxe autonomia a Marileide

Dia do estudante

Para quem passou grande parte da vida alçando voos baixos devido a uma deficiência, Marileide Andrade Barbosa, 51, encontrou na educação sua liberdade.

Portadora de paralisia, ela enfrentou inúmeras dificuldades de aprendizagem durante a infância e adolescência, devido à falta de um ensino inclusivo para pessoas com deficiência.

“Sou natural de e, quando era mais jovem, meus pais não tinham condições de me manter na escola. Anos depois, tomei a iniciativa de ingressar na escola. Quando cheguei aqui, eu não conseguia ler nada. Hoje, consigo”, relembra.

Mesmo após se tornar adulta, ela ingressou na EJA (Educação de Jovens e Adultos) em uma Associação Assistencial voltada para pessoas com deficiência, mas não recebeu o apoio pedagógico de que precisava.

“Comecei a estudar nessa Associação, mas sentia que não estava aprendendo nada e decidi sair. Um amigo me recomendou o Osvaldo Cruz e aqui aprendi a ler, escrever e lidar com dinheiro. Isso me ajuda muito no dia a dia”, explica.

Hoje, aos 51 anos, Marileide se tornou mais independente por meio da alfabetização. Após aprender a ler, escrever e realizar cálculos básicos de matemática, ações que antes exigiam auxílio de familiares agora são realizadas por ela mesma, como ir e voltar da escola e fazer compras no mercado.

“Depois que aprendi a lidar com dinheiro, consegui realizar tarefas sozinha que antes não conseguia, como ir ao mercado. Isso fez uma grande diferença”, destaca.

Após concluir seus estudos, Marileide deseja se tornar professora. Embora ainda não tenha certeza do que quer ensinar, sabe que deseja compartilhar com os outros tudo o que aprendeu.

“Penso em me tornar professora de artes ou algo assim, talvez oferecer aulas de crochê, que é algo que gosto muito”, detalha.

Ambição que ultrapassa fronteiras

Dia do estudante
Diseli

Natural do Paraguai, Diseli Oliveira Machado, de 22 anos, cruzou a fronteira sozinha em busca de melhores oportunidades e fez do Brasil o seu lar.

A jovem estudou até o 4º ano, mas as dificuldades de ir e voltar à escola a fizeram desistir dos estudos.

“No Paraguai, era muito difícil se manter na escola. Eu morava muito longe e tinha dificuldade para ir até lá. Acabei estudando até o 4º ano e acabei desistindo”, relata.

Diseli conta que chegou ao Brasil em 2018, aos 18 anos. Na época, a ideia era apenas visitar uma tia que mora no país, mas acabou ficando e encontrou na educação a oportunidade de um futuro melhor.

“Aqui no Brasil, o ensino é excelente. Os professores são dedicados e vejo que posso ter um futuro melhor e realizar meus sonhos”, diz.

Para o futuro, Diseli sonha em cursar administração e se tornar uma empreendedora.

“Sem estudo, a gente não consegue nada. Por isso, vou concluir os meus estudos e ingressar na faculdade de administração para trabalhar nessa área. Esse é o meu sonho.”

Educação transformadora

Erli, Marileide e Diseli fazem parte dos 311 alunos matriculados na Osvaldo Cruz, em Campo Grande. A instituição atende os três turnos na modalidade EJA e recebe uma imensa pluralidade de alunos.

Diretor da escola, Moacyr Arruda destaca que a instituição recebe alunos a partir de 15 anos, sem limitação máxima de idade.

“Atendemos principalmente idosos e pessoas que trabalham durante o dia ou estão em defasagem, mas também temos alunos que vêm de clínicas de reabilitação, pessoas do sistema prisional, são diferentes perfis que exigem um preparo específico do educador”, explica.

Entre os diferentes perfis que procuram a EJA, Moacyr ressalta que algo que o chamou atenção foi a crescente procura de mulheres viúvas. Impedidas a vida inteira de estudar, muitas mulheres fora da idade escolar só conseguem completar os estudos após a morte do marido.

“Recebemos muitas viúvas aqui, geralmente são mulheres que casaram cedo e o marido não deixava estudar, mas redescobriram o estudo por meio da EJA. Conheço uma viúva que o marido não deixava nem sair na porta de casa, depois que ele morreu, ela finalizou os estudos e começou uma profissão”, ressalta.

Para o diretor, o maior desafio é combater a defasagem dos estudantes, que na modalidade EJA é ainda mais alarmante.

“Eles desistem muito fácil, por isso tentamos sempre cativar o aluno, aqui recebemos todo tipo de pessoas, muitas com histórico de discriminação, então fazemos o possível para o aluno se sentir acolhido. Além disso, focamos na busca ativa”, ressalta.

Moacyr ressalta que o período de pandemia de Covid-19 impactou drasticamente os estudantes da EJA. Segundo ele, muitos perderam o emprego ou acabaram desistindo por não se adaptar ao sistema remoto.

“Um dos maiores impactos foi a pandemia, se nas escolas regulares teve impacto, imagina na EJA. Alguns perderam a fonte de renda e o estudo ficou em segundo plano. Entre 2020 e 2022, perdemos muitos alunos”, destaca.

Para quem se inspirou na história dos estudantes e pensa em recomeçar os estudos, Moacyr destaca que a escola segue de portas abertas com disponibilidade de vagas em todos os turnos.

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