No dia 13 de março de 2022, o engenheiro Alfonso Júnior, de 54 anos, desembarcou em Campo Grande para começar uma nova vida na cidade – a terceira capital onde já morou entre tantas andanças pelo Brasil. Até hoje, o novo morador se diz impressionado com o costume que há tempos faz parte do cotidiano de quem vive por aqui: saciar a sede com água que sai direto da torneira.

“Levei um tempo até me acostumar à ideia de que aqui as pessoas têm segurança para beber água da torneira. Nas cidades onde morei ninguém tinha essa tranquilidade e filtro era indispensável. Por receio, muitos só tomavam água mineral comprada”, comenta.

Na memória, Alfonso tem recordações de quando enfrentou de perto uma crise de abastecimento de água, realidade que em nada se parece com a que encontrou em Campo Grande. Naquela outra cidade, por dias, o que chegou às casas foi água marrom e de forte odor, combinação que levou muita gente ao hospital com quadros de vômito e diarreia.

“Eu já estava acostumado com a água estranha, mas daquele jeito foi assustador. Aconteceu em pleno verão e passamos por um forte calor em meio a essa crise”, lembra.

Em Campo Grande, análises de laboratório comprovam qualidade da água, que pode ser consumida direto da torneira. (Foto: Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

No centro de picos de calor que atingem o País, Campo Grande tem “fervido” em 2023 e se viu em meio a repetidos alertas de altas temperaturas. Com termômetros perto dos 40°C, beber água direto da torneira é um privilégio do campo-grandense e importante aliado para reduzir os efeitos do calorão.

Com a cidade castigada pela sensação térmica, moradores sentiram na pele os efeitos do aquecimento, ao mesmo tempo em que se tornava ainda mais evidente a importância do acesso à água tratada e de qualidade.

Para quem é campo-grandense e teve de partir, viver uma nova realidade é tarefa desafiadora. É o caso da jornalista Kerolyn Araújo, de 30 anos, que em 2020 se despediu da Cidade Morena para viver em São Paulo. “Assim que eu mudei, senti muita diferença no cheiro da água e não tive coragem de tomar diretamente da torneira. Quem mora aqui há mais tempo se acostumou, mas quando se vem de fora é bem nítido. É muito diferente de Campo Grande”, detalha.

Segundo ela, na capital paulista são poucos os que se aventuram a beber água não filtrada, cuidado que já é cultural entre a população. “Na maioria das casas, as pessoas usam filtro. Lembro que o primeiro apartamento que morei não tinha, então passei seis meses comprando água”.

O Jornal Midiamax levou o assunto para as ruas de Campo Grande. Perguntamos aos moradores o quanto eles confiam na água que é distribuída na cidade. Confira a enquete no vídeo abaixo:  

O ciclo da água 

Até que chegue à casa de quase 900 mil campo-grandenses, boa parte da água que ajuda a amenizar o calor percorre ciclo que parte do Córrego Guariroba, às margens da BR-262. De lá, a cada segundo, saem 1.400 litros de água, que fazem um trajeto de 30 km até a primeira parada do percurso: a ETA (Estação de Tratamento de Água) da Águas Guariroba, empresa responsável pelo serviço de água e esgoto de Campo Grande. 

O restante da captação vem do Córrego Lageado, com capacidade de extração de 570 litros por segundo, e de outros 150 poços subterrâneos espalhados por todo o município.

“Antes da captação, fazemos análises que nos apontam se a água do córrego ou do poço é de qualidade e pode ser tratada. Falamos que Campo Grande tem a melhor água do Brasil porque aqui temos córregos bem conservados, a qualidade da água captada é muito boa e são feitas análises e processos rigorosos que asseguram isso”, explica Marjuli Morishigue, gerente de operações de tratamento de água e esgoto da Águas Guariroba.

Segundo ela, na Estação de Tratamento, a água de coleta bruta é submetida a oito importantes etapas até que atinja nível de qualidade que pouco se vê pelo Brasil. São elas:

  • Pré-alcalinização
  • Coagulação
  • Floculação
  • Decantação e Flotação 
  • Filtração 
  • Desinfecção 
  • Fluoretação
  • Ajuste final de PH

Confira no quadro abaixo o que é feito em cada fase de tratamento

Em cada uma das fases do tratamento, a Águas Guariroba avalia elementos como cor, temperatura, coloração e turbidez da água, mas também, realiza exames mais complexos, feitos em laboratório bacteriológico e físico-químico, que detalham, por exemplo, parâmetros orgânicos, inorgânicos e níveis de agrotóxicos. O conjunto de etapas é o que garante aos moradores que, sim, a água de Campo Grande pode ser consumida direto da torneira. 

“A água é analisada de hora em hora, inclusive, em uma quantidade maior do que a legislação nos obriga a fazer. Como temos nosso próprio laboratório, as coletas e análises são feitas no mesmo dia e caso seja identificada alguma alteração nossa resposta é imediata, diferente de alguns lugares onde a análise é enviada para um laboratório e só depois de 15 dias tem o resultado para tratar”, detalha Marjuli.

Tudo o que é analisado é enviado virtualmente para o banco de dados da empresa, mas também fica disponível para a população até na fatura da conta de água. 

Campo Grande ‘ferveu’

Para quem vive em Campo Grande, reclamar sobre as altas temperaturas virou rotina ao longo de 2023. Como nunca antes, a cidade enfrentou dias consecutivos de calor extremo e acompanhou tendência de aquecimento que se espalha por todo o País.

No fim de outubro, a Capital de Mato Grosso do Sul atingiu recorde de temperatura por dois dias consecutivos, conforme dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). No dia 22, os termômetros atingiram 38,1°C, subindo para assustadores 39,4°C no dia seguinte. De acordo com o Instituto, o calor sentido foi ainda maior por causa da sensação térmica, que ultrapassou com tranquilidade a casa dos 40°C.

Com altas temperaturas, aliadas aos baixos índices de umidade do ar, institutos meteorológicos, a Defesa Civil e órgãos de saúde emitiram alerta que se espalhou pela cidade: BEBAM ÁGUA!

Mapa com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra o avanço das áreas de calor em Campo Grande entre os anos 1991 e 2020. Nos últimos dois anos, temperatura média de Campo Grande subiu 3°C.

Água, um importante regulador térmico

De acordo com o médico Marcelo Santana Silveira, consumir água potável e tratada vai muito além do prazer de saciar a sede em períodos de calor. Segundo ele, a água tem participação na regulação térmica do corpo, que, em média, deve variar entre 36°C e 37°C. “Esse ajuste térmico acontece pelo suor, fala, respiração, e através da urina, com a perda ao longo do dia”, explica o médico.

“Quando se está exposto a uma temperatura muito alta, esses mecanismos regulatórios são ampliados, isso é muito claro. A gente vai perder muito mais suor para poder regular essa temperatura e mantê-la dentro dos parâmetros. Então, a demanda por água tende a aumentar para manter o organismo numa temperatura adequada e para suprir a água que se perde ao longo do dia”, relata.

Marcelo ainda sugere o cálculo de ingestão de água: 30 ml diários de água para cada quilo de peso corporal. Portanto, uma pessoa de 70 quilos teria de consumir algo em torno de dois litros e 100 ml de água por dia. “Mas não adianta beber água em um só momento. A gente tem que dividir essa ingestão ao longo do dia”, alerta. 

Captação recorde de água versus consumo consciente

Com moradores cada vez mais afetados pelo calor, em 2023 a demanda por água atingiu patamares nunca antes vistos na Capital. Conforme dados da Águas Guariroba, em outubro deste ano a captação chegou a 306 milhões de litros, recorde em 23 anos que a empresa atua em Campo Grande. 

“Nós somos privilegiados por ter disponibilidade de água subterrânea e superficial. Isso nos permite uma cobertura universalizada e acima do indicado pelo sistema nacional. Tivemos consumo recorde, mas, ainda assim, passamos tranquilamente por conta dos nossos reservatórios”, afirma Marjuli Morishigue.

Apesar de afastar a possibilidade de falta de água em Campo Grande, a gerente da Águas chama atenção para a necessidade de práticas sustentáveis, mesmo que representem a mudança de pequenas rotinas dentro de casa.

“A gente sempre lembra que ter água disponível não é motivo para esbanjar. Precisamos cuidar desse bem tão precioso para que gerações futuras também tenham acesso. Mudanças pequenas como não lavar a calçada com a mangueira, por exemplo, são opções importantes do consumo consciente que sempre pedimos”, finaliza.