‘Não tem remendo’: especialista de MS explica por que Novo Ensino Médio é retrocesso para educação
Cronograma de implementação do Novo Ensino Médio foi suspenso no início de abril e aguarda novas discussões para decidir novos caminhos para o programa
Thalya Godoy –
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O cronograma de implementação do NEM (Novo Ensino Médio) foi suspenso por 60 dias pelo MEC (Ministério da Educação) no início de abril e agora aguarda a conclusão de uma consulta pública para a reestruturação do programa.
Mas afinal, o que é o Novo Ensino Médio e por que ele passará por mudanças? O NEM estava previsto desde 2014 pelo Plano Nacional de Educação e foi regulamentado em 2017, no governo de Michel Temer, por meio da Lei nº 13.415/2017. As secretarias de educação de cada estado tinham o prazo de cinco anos, ou seja, até 2022, para começar a implementação.
No texto, estão previstas as mudanças para o Novo Ensino Médio. Entre as alterações mais significativas estão a criação da FGB (Formação Geral Básica), orientada pela Base Nacional Comum Curricular. Também estão previstos os IFs (Itinerários Formativos).
Na prática, as disciplinas não ficam concentradas por matérias, mas pelas seguintes áreas de conhecimento: Matemáticas e suas Tecnologias; Linguagens e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Além disso, os estudantes também passam a contar com IFs com aprendizado focado no técnico e profissional e outros conhecimentos para projetos de vida. São disciplinas flexíveis, que ficam a cargo dos estudantes escolherem o que querem aprender conforme o que é disponibilizado pelas secretarias de educação de cada estado.
Em Mato Grosso do Sul, a SED oferece 123 novas unidades curriculares, que compõem o Catálogo de Itinerários Formativos.
Mudança na Carga Horária
Além das novidades nas disciplinas, o Novo Ensino Médio prevê aumento progressivo na carga horária mínima anual, passando de 800 horas para 1.400 horas. As escolas tinham o prazo máximo de cinco anos, a partir de 2017, para implementar pelo menos 1.000 horas.
Assim, a carga horária mínima de ensino durante os três anos do ensino médio passaria de 2.400 para 3.000 horas, sendo 1.800 horas destinadas para Formação Geral Básica e 1.200 horas para os Itinerários Formativos.
Mas por que o Novo Ensino Médio passará por mudanças?
Um dos principais alvos de críticas de profissionais da educação e estudantes sobre o Novo Ensino Médio são os Itinerários Formativos, pois reduz a oferta de conteúdos cobrados em vestibulares e considerados tradicionais para darem lugar a formação técnica, o que aprofunda a desigualdade entre alunos de escolas particulares e públicas.
Assim, em todo Brasil grupos ligados à educação pediram a revogação do Novo Ensino Médio. Em 15 de março e em 19 de abril deste ano, Campo Grande foi palco de uma manifestação de professores e estudantes que se uniram contra o NEM.
“É a retomada de um ensino esvaziado e desqualificador que já tinha sido modelo no período da ditadura militar. As únicas disciplinas obrigatórias são Língua Portuguesa e Matemática. É formar para o desemprego. Isso que a reforma significa”, criticou durante o ato a professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Maria Lima.
Além disso, também foi realizada uma audiência pública na Capital em que foi apontado um “empobrecimento” no ensino e feitas críticas sobre professores ensinarem temas fora da formação.
Na ocasião, matérias como “brigadeiro gourmet” e “como se tornar um milionário” serviram de exemplo de como a implementação do NEM não prepara o aluno para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou vestibular.
Assim, em 6 de abril, o MEC anunciou a suspensão do cronograma de implantação do novo método do Novo Ensino Médio até que estudos e audiências públicas apontem o melhor caminho para o novo programa. Na ocasião também foram suspensas as mudanças previstas para o Enem.
Especialista de MS critica Novo Ensino Médio
A Professora Doutora Maria Dilnéia Espíndola Fernandes, que é pesquisadora sênior no Programa de Pós-Graduação de Educação da UFMS e que compõe o Comitê de Revogação do Novo Ensino Médio em MS, explica que as mudanças reduziram conteúdos historicamente construídos pela humanidade, como história, filosofia e sociologia.
“Está errado na forma que está sendo implementado. À medida que vão fazendo isso vão aprofundado uma desigualdade que já existe no sistema do ensino brasileiro. Quando chega a hora do aluno chegar na universidade, esse processo seletivo não vai perguntar se ele sabe fazer bolo de pote, sabão, o que é ser um empreendedor de sucesso, este processo seletivo vai perguntar uma concepção de mundo que é o que a filosofia tentar responder, por exemplo”, explica a doutora em educação.
A especialista acrescenta que as escolas particulares precisam apresentar resultados que são medidos pela quantidade de alunos que entram nas universidades. “Lá a escola sabe que se não lecionar esses conteúdos construídos historicamente pela humanidade, o aluno não vai passar e ela [escola particular] não vai abrir mão disso”, ela aponta.
Outro alvo de críticas é colocar o professor concursado dentro de uma especificidade para ensinar disciplinas fora da área de conhecimento, o que gera uma precarização dos profissionais.
“Não tem remendo, na verdade, isso é uma contra-reforma que fere o direito da educação, da forma como tá não tem remédio, esse aluno que vai formar no âmbito dessa proposta não vai chegar a lugar nenhum. Tem que colocar um ensino médio de qualidade, que valorize o professor. A reforma que traz uma figura que tinha sido abolida das políticas educacionais, que são os professores de notório saber, não está habilitado a atender os desafios do ensino no Brasil. Isso era uma coisa que o Brasil tinha superado desde a Constituição Federal de 1988, que garante a profissionalização do professor”, explica.
Por fim, a especialista em educação acredita que a reforma do Novo Ensino Médio precisa passar não somente pelo MEC, mas também chegar às secretarias de educação de cada estado, já que o ministério é responsável pela coordenação nacional e cada unidade federativa faz a implantação.
“Quem é responsável pelo ensino médio são os Estados, então, por exemplo, em MS a lei aprovada em 2017 já vinha sendo implementada, mas como você tem uma lei de contexto federal se cria um movimento de revogação para que o MEC coloque outra lei que oriente a coordenação nacional. Precisa-se fazer um movimento mais amplo, não só direcionado para o MEC, mas também para as secretarias estaduais de educação”, finaliza.
SED afirma que MS contrata somente professores
Questionada sobre a contratação de pessoas para lecionarem os Itinerários Formativos, a SED-MS contrata “profissionais com formação específica (bacharéis e tecnólogos) para atuarem como docentes nas disciplinas específicas dos cursos”. Mato Grosso do Sul conta atualmente com 123 disciplinas para os IFs.
“Vale salientar que esse contexto não se trata de uma novidade, uma vez que as contratações dos professores temporários (convocados) já ocorrem em função da demanda observada nas unidades escolares da Rede”, finaliza a pasta.
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