A morte do professor da rede municipal de Campo Grande, Tiago Bianchi, aos 45 anos, tratada como suicídio, levou o sindicato da categoria a cobrar providências da Prefeitura para criação de programa de proteção à saúde e à vida dos docentes. Colegas e amigos do professor afirmam que ele passou o ano de 2022 em licença de saúde e teve que retornar ao trabalho neste ano porque o município teria recusado um novo laudo psiquiátrico apresentado pelo trabalhador, que passou por perícia no IMPCG (Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande).

De acordo com o boletim de ocorrência, uma prima do arte-educador foi até o condomínio em que o professor morava na última terça-feira (21) e o encontrou deitado na cama, aparentemente sem vida. 

Com Tiago foram encontrados diversos remédios, documentos de perícia médica e uma carta de despedida. Ainda segundo o relato da parente, o professor tinha depressão e estava afastado do serviço. O caso foi registrado como suicídio.

Professores que trabalharam com Tiago disseram ao Jornal Midiamax, em condição de anonimato, que o professor atuava na Escola Municipal Eulália Neto Lessa. No ano de 2022, inclusive, constam no Diário Oficial de Campo Grande publicações de substituições ao professor.

De acordo com os colegas, o professor teria conseguido licença médica e se afastou do trabalho no ano passado em razão de sua saúde mental. Neste ano, conforme os colegas, Tiago não teria conseguido a renovação da licença após passar por perícia no IMPCG.

O professor teria apresentado, por duas vezes, laudos psiquiátricos que indicariam a impossibilidade dele voltar ao trabalho. No entanto, ele teve a licença médica encerrada.

Sindicato cobra providências e marca manifestação

Depois da morte de Tiago, a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública) emitiu um comunicado em que cobra providências da Prefeitura Municipal da Capital sobre as negativas de readaptação e licenças médicas pela junta médica do IMPCG (Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande). 

No texto, o sindicato classifica as recusas dos atestados como “sem fundamentação e em desacordo com o assistente técnico”.

“A situação é crítica. Muitos educadores e educadoras se encontram em sofrimento psicológico grave, o que leva à incapacidade para o trabalho e à destruição de suas relações pessoais. A inércia da prefeitura municipal de Campo Grande em tomar providências tem levado à perda de vidas de educadores e educadoras. A ACP denuncia a falta de atenção à saúde por parte do Poder Executivo Municipal e cobra políticas públicas que protejam a vida de nossos professores e professoras”, diz o comunicado. 

A ACP relembra no texto que a Prefeitura publicou, em 2018, o Decreto nº 13.570, que revogou a readaptação dos servidores e servidoras da educação, “ferindo as legislações vigentes”. O sindicato entrou com uma ação na justiça, que foi favorável aos profissionais da educação. 

(Foto: Reprodução, ACP)

De acordo com o presidente da ACP, Gilvano Bronzoni, com a morte de Tiago, aumenta para três o número de professores da rede municipal de Campo Grande que se suicidaram, desde o ano passado. 

“Nós já tivemos duas reuniões, uma com a secretaria de gestão e equipe da junta médica, e outra com a equipe da junta médica lá no IMPG, mas de fato nós não notamos mudanças. O que a gente levanta? A reclamação dos profissionais que precisam passar pela junta médica contínua, de maus tratos, humilhação e questionamentos sobre estar doente ou não”, aponta Gilvano. 

Assim, a ACP marcou uma manifestação em frente ao IMPCG nesta quinta-feira (23), com concentração marcada para as 16h e início do ato às 17h. O sindicato convida profissionais da rede municipal e estadual para cobrar melhorias nas perícias. 

“O que não dá mais é ficar na letra fria da lei que, muitas vezes, não é cumprida e a gente tem o servidor desassistido em questões sérias em que as pessoas estão tirando a própria vida”, se posiciona o presidente do sindicato. 

Colegas lamentam morte de professor

O falecimento precoce do professor Tiago Bianchi comoveu os professores da educação municipal, especialmente os que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele. 

Gilvano conta que o profissional era querido e que a categoria foi pega de surpresa com a notícia da morte, mesmo sabendo do histórico de depressão.

“Ele foi um professor com ótimas relações nas escolas em que trabalhou e que comoveu muito a perda, sobretudo pela relação nas escolas que passou. Foi uma coisa inesperada e que chocou a categoria. A gente se depara com a situação que qualquer que um sorri para você pode estar em uma situação semelhante com a dele”, lamenta o presidente da ACP.

Caps na região central de Campo Grande. (Foto: Nathália Alcântara/Midiamax)

Nas redes sociais, as publicações de condolências ao professor Tiago reúnem diversos comentários que lamentam o falecimento do colega e que cobram melhorias nas condições de trabalho e avaliações na junta médica. 

“As campanhas para cuidar da saúde mental são lindas, mas na prática se um professor contratado fica doente ele automaticamente é desligado do seu cargo quando é contratado […] ao fim todos estão destruídos psicologicamente”, diz uma pessoa nos comentários. 

Outras pessoas reforçam a opinião da colega. “Temos que olhar com mais cuidado a saúde dos servidores… muitos estão sofrendo em silêncio na sala de aula”, lamentou outro internauta.

O que diz a Prefeitura?

O Midiamax entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande para solicitar informações sobre a perícia médica em que o professor passou, porém a resposta da Prefeitura não esclareceu as perguntas feitas pela reportagem.

Confira abaixo a nota da Prefeitura na íntegra:

“A Secretaria Municipal de Gestão esclarece que a Análise Médica Pericial é realizada com base no Decreto n. 14.918, de 30 de setembro de 2021, e para readaptação tem como base o Decreto n. 13.570, de 23 de julho de 2018, ambos fundamentados na Lei Complementar n. 190/2011, os quais avaliam a capacidade laborativa, incapacidade laborativa, incapacidade permanente, incapacidade parcial, incapacidade temporária, e quando for considerado insuscetível de reabilitação da capacidade laborativa para exercício de atribuições do cargo ocupado, em decorrência de alteração do seu estado de saúde física e/ou mental, atestado por laudo Médico Pericial.

O periciado sempre é avaliado para todas essas situações com base na autonomia do ato Médico Pericial, o qual é uma ação de competência absoluta do profissional, que envolve a decisão de julgar o direito de concessão de um benefício pecuniário solicitado pelo requerente, avaliando sua capacidade laboral fundamentada no direito do requerente e nas provas e indícios apresentados para tal.

Também é importante mencionar que, ao periciado é garantido o direito de ampla defesa e o contraditório com fundamento nas normas supramencionadas, como exemplo disso tem-se o instituto da Reconsideração, este que dispõe ao periciado o direito de solicitar uma reavaliação em razão de uma negativa/entendimento contrário ao seu requerimento.

Do mesmo modo, tem-se que os procedimentos realizados pela Perícia Administrativa são executados sem distinção de categorias, ou seja, garantindo a todas as categorias de servidores municipais um direito equânime, sendo as peculiaridades de cada categoria/função analisadas na execução do Ato Médico Pericial, pois tal profissional é extremamente capacitado para tal distinção e ponderação dos fatores laborais existentes.

Conforme a Lei n. 212.030/09 e o Código de Ética Médica, o Médico deve exercer suas funções com liberdade profissional, não podendo sofrer quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência de seu trabalho, sendo a mesma assegurada ao exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal e autonomia técnica, científica e funcional”.

Onde encontrar ajuda psicológica em MS?

O cidadão que precisa de ajuda psicológica em Mato Grosso do Sul conta com alguns programas de apoio, que possuem diferentes tipos de atendimento. Confira abaixo alguns:

GAV (Grupo Amor Vida): presta serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone: 0800 750 5554 (ligação gratuita) ou pelo e-mail precisodeajuda@grupoamorvida.ong.

Coordenadoria de Atendimento Psicossocial da Polícia Civil (exclusivo para agentes e familiares): conta com equipe multidisciplinar de psicologia, serviço social e capelania. Fazem plantão psicológico e encaminhamentos junto aos planos de saúde. Mais informações pelo telefone (67) 99627-6178.

CVV (Centro de Valorização da Vida): oferece apoio emocional e prevenção do suicídio de forma gratuita, todos os dias, pelo telefone 188, e-mail e chat 24 horas todos os dias.

CAPS (Centros de Atenção Psicossocial): De acordo com a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), qualquer pessoa pode ir até a uma unidade, onde será acolhida e passará por uma avaliação do quadro clínico em que será determinado se é necessário um atendimento médico ou psicológico de urgência – o que acontece em caso de crise – ou se poderá ser encaminhado a uma unidade básica para que inicie o protocolo de acompanhamento, por meio de encaminhamento. Confira aqui a lista e endereço dos CAPS em Campo Grande.

*Matéria atualizada às 10h15 de 24/03/2023 para acréscimo da resposta da Prefeitura.