Letalidade prisional: 341 detentos morreram em MS, mas falta de informação é desafio para estudo
Segundo relatório do CNJ, cerca de 341 detentos morreram em MS entre 2017 e 2021, porém falta de informações é desafio em todo o Brasil
Nathália Rabelo –
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O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lançou recentemente no mês de maio a pesquisa “Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública”. Em Mato Grosso do Sul, dados apontam que ao menos 341 detentos morreram durante o cumprimento de pena entre 2017 e 2021, porém o próprio CNJ alega a dificuldade em conseguir informações para realizar comparativos mais abrangentes sobre o tema. Dessa forma, relatório traz à tona a quantidade de pessoas que faleceram sob a custódia do estado, mas também a falta de certas práticas administrativas que vem a ocultar dados dessas mortes ou, por vezes, apresentar números que divergem entre si em todo o país.
Conforme o relatório, a expressão ‘letalidade prisional’ refere-se ao conjunto de eventos e riscos para a saúde associados à exposição à vida prisional e aos elementos que afetam e condicionam esses eventos e riscos, como as práticas institucionais de agentes e de organizações do sistema de justiça criminal.
Dessa forma, o CNJ aponta o quanto as falhas na entrega de recursos básicos, como alimentação adequada, água limpa e potável, itens de higiene, vestimenta, ou acesso a espaço, ar limpo e luz do sol, são alguns dos fatores que contribuem para tornar as unidades prisionais de todo o Brasil espaços de propagação de doenças infectocontagiosas, de piora severa da saúde mental, além de aumentar os riscos de traumas, lesões e mortes violentas.
Portanto, num contexto nacional, o quadro é agravado com a falta de acesso e estrutura na prestação de serviços primários de saúde física e mental, ou mesmo de acesso ao cuidado secundário e terciário de saúde.
“A pandemia de Covid-19 levou ao grande público todas estas preocupações com as condições de vida das pessoas privadas de liberdade, assim como com as condições de trabalho dos servidores(as) penitenciários(as) e equipes de saúde que atuam nestes espaços. Mas a pandemia é apenas um exemplo: há muito tempo se sabe que outras condições de saúde como tuberculose, HIV/Aids e sífilis, predominam na população prisional”, ressalta o relatório.
Além disso, os estudiosos apontaram que os dados sobre a temática são escassos e permeados por “problemas de confiabilidade, transparência e qualidade”, uma vez que faltam números desagregados por unidades prisionais e por pessoa que permitam compreender de forma clara as condições de vida e saúde na prisão e os fatores que explicam diretamente a mortalidade de pessoas privadas de liberdade.
Tipos de mortes
O documento diferencia os tipos de mortes em presídios do país. As mortes por causas ‘externas’ e violentas são as mais associadas a prisões e, até os anos 1970, remetia às políticas de tortura e repressão política trocadas pela ditadura militar. “Tal modalidade de violência estatal deliberada prolonga-se, atualiza-se e desdobra-se até os dias atuais, constituindo o Massacre do Carandiru, em 1992, o emblema maior de uma política de extermínio e eliminação de sujeitos considerados inimigos no período democrático”, informa o documento.
Há também o ‘desaparecimento de presos’ sem uma explicação plausível, uma vez que a invisibilidade desses casos promove a isenção de responsabilidade dos agentes do Estado pelas graves violações perpetradas. Passado um ano dos massacres de 2017, o Mecanismo reconheceu que poucas medidas haviam sido tomadas pelos atores institucionais do Poder Executivo e do Poder Judiciário locais.
“A reação das autoridades às demandas do Mecanismo para que apresentassem respostas aos casos de desaparecimento não foram adequadas nem suficientes. Por vezes, classificaram burocraticamente as pessoas como fugitivas, sem promover provas de vida; por vezes, negaram informações […] apesar do silêncio predominante sobre este fenômeno, ele não é recente”, diz o estudo.
O relatório também traz investigações quanto às mortes consideradas naturais, que partiram do surto de doenças em presídios, onde estudos apresentaram monotonia alimentar, intermitência de 15 horas entre o jantar e o café da manhã e dieta rica em carboidratos simples, principalmente o arroz branco, o que pode ter sido agravado pela interrupção no envio de alimentos pelos familiares no contexto da pandemia de Covid. Pontua o relatório, então, que muitas dessas mortes naturais podem ter sido ocasionadas por desnutrição dos detentos.
Assim, o relatório ainda define que não existem dados confiáveis acerca das mortes sob custódia penal na América Latina, sobretudo no Brasil, já que há uma carência de estudos aprofundados sobre mortes em contextos de privação de liberdade no Brasil. Uma vez que faltam dados, as diferenças e os limites entre os diferentes tipos de morte – natural, violenta, acidental e deliberada – ficam esfumadas.
Dados de Mato Grosso do Sul
No comparativo de óbitos totais entre os anos de 2017 e 2021 por sistema prisional estadual e federal, a Sisdepen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) e o CNIEP (Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais) divulgaram números que divergem entre si sobre as mortes ocorridas durante o cumprimento de pena em Mato Grosso do Sul. Confira:
Dados da Sisdepen sobre óbitos registrados em MS entre 2017 e 2021:
- 2017: 69
- 2018: 63
- 2019: 69
- 2020: 73
- 2021: 67
Dados do CNIEP sobre óbitos registrados em MS entre 2017 e 2021:
- 2017: 120
- 2018: 43
- 2019: 47
- 2020: 29
- 2021: 31
Em contrapartida, nenhuma informação foi fornecida pela Base Estadual ao relatório. Portanto, pelo relatório da Sisdepen, 341 detentos morreram entre 2017 e 2021, enquanto o CNIEP aponta 270 óbitos no mesmo período, uma diferença de 71 óbitos entre uma base de dados e outra.
Além disso, os pesquisadores realizaram busca ativa para fazer levantamento de dados sobre óbitos, atos normativos e protocolos relacionados à comunicação de óbitos de PPL (população privada de liberdade) com dados específicos de óbitos decorrentes por Covid-19.
A investigação abrangeu as secretarias estaduais/distritais de administração penitenciária, de segurança pública e os órgãos responsáveis pela gestão do sistema socioeducativo. Dentre as informações investigadas em plataformas online, o relatório concluiu que alguns Estados publicam boletins regulares de monitoramento de indicadores de testagem, vacinação e óbitos por coronavírus. Diante disso, Mato Grosso do Sul é uma das unidades federativas com atos normativos e protocolos de registros disponíveis de forma online quanto aos adolescentes em conflitos com a lei.
Porém, ao analisar quadro com dados sobre óbitos gerais por Covid em MS, é possível ver que que os números não são constados pela Agepen, órgão responsável.
Óbitos de adolescentes
Ainda conforme relatório, o número de óbitos de adolescentes sob custódia ocorridos entre 2017 e 2021 em Mato Grosso do Sul foi 5, totalizando 116 mortes nessa faixa etária entre outros Estados que enviaram os dados, como Espírito Santo, Sergipe, Mato Grosso, Rondônia, Bahia, Maranhão, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Goiás, Pernambuco e São Paulo.
Sobre a temática, a Secretaria Executiva do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Mato Grosso do Sul informou à pesquisa que, desde 2010, existe no Estado o Plano Estadual de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação, Internação Provisória e Semiliberdade, o qual tem como referência a Política Nacional voltada ao mesmo tópico (PNAISARI).
As medidas rotineiramente adotadas incluem avaliação inicial das condições de saúde dos internos, realizada por profissional de enfermagem, e acompanhamento contínuo a cargo de equipe multiprofissional, com utilização da rede de unidades de saúde nas situações em que o acompanhamento médico se fizer necessário.
“Refere inexistência de registro de óbitos por doenças entre os internos. Todavia, no período de 2017 a 2021 ocorreram cinco mortes violentas, sendo três delas na Unidade Educacional de Internação (UNEI) Dom Bosco, em Campo Grande. Em tais situações, o protocolo inclui isolamento da área, acionamento da Polícia Civil e Corpo de Bombeiros e acompanhamento familiar pela equipe psicossocial e da área da saúde da Unei.”
Precariedade no registro de informações raciais
Conforme pontuado pelo relatório, existe uma ausência considerável de informações relativas a indicadores raciais no curso dos processos. Como exemplo, a constatação alega baixíssimas taxas de registro de encarceramento e óbito de pessoas indígenas em estados com taxas populacionais significativas de pessoas indígenas, como no Amazonas.
Em Mato Grosso do Sul – Estado que possui a maior taxa oficial de encarceramento de pessoas indígenas do Brasil, segundo os dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) relativos ao período de janeiro a junho de 2022 – a escassez de registros enviados ao relatório também foi observada.
O que diz a Agepen sobre o relatório do CNJ
Questionada sobre isso, a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) informou ao Jornal Midiamax que foram registrados quatro óbitos de detentos indígenas entre os anos de 2021 e 2022.
Quanto à divergência de informações apresentadas nos relatórios, a Agência alega que a base de dados da Sisdepen é abastecida pela Agepen, mas o CNIEP, não.
“Um pode ter como base apenas quem está dentro do sistema e o outro todos, incluindo as mortes externas compressoras em regimes aberto, domiciliar e de tornozeleira. Nós fazemos o controle com base nas certidões de óbito de cada custodiado”, diz. Portanto, a Agepen alega que não tem como saber o porquê da divergência de número de óbitos entre Sisdepen e CNIEP porque a Agepen só abastece a primeira base de dados.
Além disso, a entidade alega possuir dados mensais do sistema carcerário em Mato Grosso do Sul e que parte deles é disponibilizada mensalmente no site da Agepen. “Referente aos óbitos é feito controle diário pela nossa Diretoria de Assistência Penitenciária/Divisão de Promoção Social com base nas certidões de óbitos”, alega.
Os dados da Agepen podem ser conferidos aqui, enquanto o relatório de “Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública” publicado pelo CNJ está disponível neste link ou no endereço eletrônico.
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