Engraxate mais antigo, há 59 anos Elias resiste para profissão não acabar em Campo Grande
Febre entre as décadas de 60 e 90, trabalho quase não é mais encontrado na Capital
Clayton Neves –
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Foi ainda na década de 50 que o engraxate Elias Dionízio, de 66 anos, teve o primeiro contato com a profissão. Inspirado pelo irmão, que observava atentamente entre um atendimento e outro, decidiu também sair às ruas da cidade com uma pequena caixa de madeira nas costas, isso ainda aos 7 anos de idade.
Veterano e cheio de orgulho do que faz, Elias é o engraxate mais antigo ainda atuante em Campo Grande. Da profissão, que ajudou a mãe a complementar a renda da família, também saiu o sustento de três filhos, todos criados e formados.
Nesta quinta-feira (27), Dia Nacional do Engraxate, Elias Dionízio é símbolo da luta para que a profissão não acabe em Campo Grande.
No acervo de memórias, Elias resgata lembranças de quando tudo começou, em tempos onde Campo Grande ainda pertencia ao estado de Mato Grosso. Disposto a trabalhar, o primeiro ponto de serviço do garoto foi no cruzamento das ruas Dom Aquino e 14 de Julho, quando a cidade dava os primeiros passos para se tornar a Capital que é hoje. Aliás, o desenvolvimento do município por vezes se confunde com o crescimento pessoal do trabalhador.
“Eu tinha 7 anos e ficava em frente à antiga Frutaria Califórnia, depois transferi o ponto para o Jardim, na esquina da 13 de Maio com a Afonso Pena, em frente Hotel Globo, onde hoje é o Banco do Brasil. Naquela época, lá funcionavam as paradas de ônibus coletivos”, detalha.
Engraxate das autoridades
Com a experiência adquirida dia a dia, Elias Dionízio engraxou os sapatos de diferentes personalidades do passado. Na lista, nomes como Ramez Tebet, Wilson Barbosa Martins, Rachid Neder, Plínio Barbosa, Alair Barbosa de Rezende, coronel Arquimedes e tantos outros que a memória já nem consegue se lembrar.
“A cidade não era tão grande e todo mundo se conhecia por nome. A Prefeitura ficava perto do nosso ponto, na Avenida Calógeras com a Afonso Pena, mais acima, tinha o Fórum de Campo Grande e ao lado o Cine Alhambra. Tínhamos contato com todas essas autoridades e criamos um conceito de trabalho, afastando a imagem de que engraxate era marginalizado”, pontua.
Quase 20 anos após o início da vida profissional, partiu para o último espaço público onde ofereceu os serviços por quatro décadas. Da calçada da Avenida Afonso Pena, logo abaixo da Rua 14 de Julho, só saiu quando a Prefeitura retirou ambulantes da região para obras de revitalização no Centro.
“Ali éramos em oito e ficamos por muitos anos, com o tempo, alguns foram morrendo e ficamos apenas em três engraxates. Com a revitalização, deixaram a gente em um lugar sem cobertura e não dava para trabalhar direito. Enquanto procurávamos um local apropriado que tivesse a permissão da Prefeitura, dois se aposentaram e eu comecei a trabalhar exclusivo para a OAB-MS”, relata.
Hoje, Elias é contratado da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul) e tem espaço na sala que a entidade mantém no fórum de Campo Grande. O trato nos sapatos é um brinde do órgão aos advogados associados que passam pelo prédio.
Apesar do emprego fixo e com carteira registrada, ele não deixou de atender fregueses das antigas e garante que a clientela é grande.
“Como trabalho há muito tempo com isso, muita gente conhece e gosta do meu trabalho, então, é comum o pessoal vir aqui deixar o sapato pra eu fazer o serviço e depois entregar”, conta.
O serviço oferecido envolve técnicas e materiais de trabalho específicos, como escova de crina de cavalo, pincéis, verniz e tintas de diferentes cores. Só para polimento o valor cobrado varia entre R$ 15 e R$ 20, quando é preciso tingir, o preço pode chegar até a R$ 30 por par de sapatos.
Resistência contra o fim
O que era febre entre as décadas de 60 e 90, atualmente está obsoleto em Campo Grande. Pelo que se sabe, além de Elias, apenas quatro trabalhadores continuam com os serviços de engraxate em áreas públicas da cidade, dois na calçada da Rua Barão do Rio Branco e outro na Marechal Cândido Mariano Rondon.
Com a atuação escassa, algumas justificativas são apontadas por quem luta para que a profissão se mantenha.
“O que comprometeu muito e interferiu na nossa renda foi a popularização do tênis e sapatênis, além disso, graxa líquida se tornou comum e é tida como ‘salva pátria’ em situações de emergência pela praticidade, mas ela é um produto nocivo ao couro”, avalia Elias.
Para ele, alternativa para reviver a profissão seria a criação de cursos profissionalizantes para jovens e o combate ao preconceito que ainda rodeia a função.
“Ainda existe demanda e a sociedade precisa de um engraxate porque tem coisas que a máquina e a tecnologia não faz. Uma ótima opção seria prefeitura investir para ensinar jovens que queiram trabalhar. Também é preciso levar informação porque alguns têm vergonha e não sabem que existe um bom rendimento e a chance de todo dia ter um dinheirinho. Hoje tenho minha casa, minha família e meus filhos estudados graças a essa profissão honrosa”, finaliza.
O que temos é saudade
Na Avenida Afonso Pena, nada sobrou da época em que os engraxates eram vistos diariamente na área. No último espaço ocupado por ele, hoje se vê uma placa anunciando a comida vendida em um restaurante.
Hermes de Souza, de 57 anos, é comerciante na avenida e lembra bem da época em que os trabalhadores atendiam em frente a lanchonete administrada por ele.
“Eles sempre foram muito requisitados. Lembro de ver juiz, gente de família tradicional, coronel, todos vinham aqui engraxar sapato. Como estavam há muitos anos aqui, eles também tinham uma função quase pública aqui e sempre davam informações para pessoas que precisavam se localizar”, lembra.
Para o chapeiro Gilson Souza, de 62 anos, voltar a Campo Grande após 20 anos vivendo em São Paulo foi um susto.
“Na década de 80 eu sempre via os engraxates, já fiz os sapatos com eles e lembro que era um momento de conversa, descontração. Quando voltei a morar aqui já não vi mais eles, quase não se acha mais. É uma pena”, relata.
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