A arquitetura imponente pertencente ao prédio do antigo Hotel Gaspar, localizado na Avenida Mato Grosso esquina com a Calógeras, chama atenção mesmo três anos após ser fechado em Campo Grande. Apesar das pichações na fachada e do grande cadeado em frente à porta, local guarda momentos que para sempre ficarão marcados na memória dos antigos hóspedes. Avaliado em R$ 6,8 milhões, prédio segue sem um novo dono. Porém, herdeiros sonham que espaço venha a se tornar, algum dia, um braço da cultura sul-mato-grossense.

A equipe do Jornal Midiamax foi recebida por Christian Melim Gaspar, 54 anos, neta do fundador do Hotel, Antônio Gaspar, por Cesar Braga, de 63 anos, cunhado de Christian, e Thiago Melim Braga, advogado de 32 e terceira geração de herdeiros do prédio. Durante a visita de 1 hora, a família abriu as portas do antigo hotel, nos mostrou com detalhes como está o espaço atualmente e detalhou quais são os seus desejos para o local.

Hotel Gaspar
Hotel Gaspar foi inaugurado em 26 de agosto de 1954 por Antônio Gaspar, português que veio a Campo Grande para empreender (Foto: Kísie Ainoã com Arquivo Pessoal/Jornal Midiamax)

O Hotel Gaspar foi inaugurado em 26 de agosto de 1954 pelas mãos de Antônio Gaspar. Português, o empresário chegou em 1935 à Capital, onde montou um bar na 14 de Julho. Mas suas ambições cresceram e ele resolveu, ao lado da esposa, Mariana Margarido Gaspar, construir o hotel, que se tornou símbolo de modernidade e referência em Campo Grande por muitos anos.

Você deve estar se questionando o porquê. Bom, o Hotel Gaspar foi o primeiro hotel de Campo Grande a implementar elevador, a servir café da manhã e também refeições 24h por dia, além de ter sido o primeiro a ter cinco pavimentos. O local conta com o térreo mais quatro andares, todos com sacada com vista privilegiada da esplanada ferroviária, além de 2.678,65 metros de área construída e 84 apartamentos, a maioria suítes com banheiros.

A grandiosidade dos seus atendimentos fez com que muitos astros e personalidades da década de 50 e 60 se hospedassem lá, como o ex-senador Fillinto Muller, o cantor Cauby Peixoto e o ator Mazaroppi. Não é à toa que muita gente lembra com carinho os dias passados por lá.

“Meu avô chegou, se apaixonou pela cidade, resolveu ter um bar. Do bar resolveu construir o hotel. Meu avô foi precursor em muita coisa, ele era um apaixonado pelo hotel, tanto que sua vida inteira se resumiu somente a isso. Embora minha avó tenha voltado várias vezes para visitar Portugal, meu avô sempre ficou em Campo Grande em decorrência disso, nunca mais saiu. Ele tinha um apego emocional ao hotel, às pessoas e à cidade”, recorda Christian Melim Gaspar, uma das donas do espaço.

Hotel Gaspar
César Braga, Christian Melim Gaspar e Thiago Melim, respectivamente (Foto: Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Porém, Antônio faleceu em 1988. Na época, sua esposa, Mariana Margarido Gaspar, deixou o empreendimento arrendado por 10 anos até os netos assumirem a empresa em 2020, quando a pandemia se alastrou pelo Estado. Na época, o negócio ficou muito difícil de se manter.

Fechamento do Hotel Gaspar

Christian conta que trabalhar com o hotel durante a pandemia ficou impossível, uma vez que os funcionários tinham comorbidades, os hóspedes pararam de fazer reservas porque não podiam mais viajar e os próprios moradores do local eram pessoas com mais de 60 anos. Então, a família optou por fechar o espaço em maio de 2020 e colocou prédio à venda em 2021.

“De lá para cá tivemos um muro de lamentações por ele ser um símbolo histórico de Campo Grande. Todo mundo tem uma história para contar do hotel, especialmente as pessoas mais antigas. Mas resolvemos isso porque somos três herdeiros e mais dois herdeiros depois da gente, ou seja, nossos filhos. Mas trabalhar com hotel requer atenção 30 dias por mês, 24h por dia, 365 dias por ano e sem feriado. O Thiago, meu sobrinho, é advogado e segue na carreira. A minha filha mora na Irlanda. Por isso achamos por bem colocar o hotel à venda”, explica a mulher.

Hotel Gaspar
Hotel Gaspar (Foto: Nathalia Alcântara/Jornal Midiamax)

Ao longo dos anos, a família sentiu a grande dificuldade de vender o espaço, principalmente pelo preço e por sua grandiosidade. No início avaliado em R$ 9 milhões, o prédio teve valor reduzido para R$ 6.800.000 para ajudar nas negociações.

“A gente não está colocando o Hotel Gaspar à venda, a gente está colocando à venda o prédio na Avenida Mato Grosso nº 2, que vai ser sempre uma referência ao Hotel Gaspar”. Porém, apesar das procuras, prédio segue sem novo dono.

Família espera envolvimento do setor público

Desde o fechamento do Hotel Gaspar, a família foi procurada para a destinação do espaço, porém, sem nenhum negócio fechado até o momento. Segundo a herdeira, a prefeitura já desejou locar o espaço, mediante reformas de adaptação por parte da família, para funcionamento de um setor da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), mas as tratativas não foram para frente.

“As pessoas responsáveis gostaram do prédio, mas como o prédio não é da prefeitura, o município alegou que não poderia reformar. Mas isso foi impossível da gente fazer porque o custo é muito alto. Outra coisa é fazer uma reforma com as especificações de quem vai alugar de você e, depois disso, seu prédio ficar à mercê do mandato do prefeito. Ou seja, e se depois de quatro anos o novo gestor parar de alugar o meu prédio? Por isso aluguel nunca foi uma coisa que nos interessou”, pontua a família.

Outro fator de dificuldade, apontada pelos parentes, é a falta de segurança onde o espaço está localizado, o que teria atrapalhado outras negociações. Por isso, apesar de estarem dispostos a negociar com iniciativas privadas, herdeiros acreditam que o fundamental seria o envolvimento do setor público, principalmente as secretarias de cultura para transformar local num espaço histórico, por exemplo.

“Estamos vendendo parte da história de Campo Grande, o poder público poderia pensar nisso”, diz Cesar. “As investidas são muito mais nossas do que o poder público”, complementa Thiago Melim.

Além disso, outro ponto que estaria atrapalhando as negociações, especialmente entre entidades privadas, é a falta de segurança no local. Recentemente ladrões roubaram fios de cobre do espaço e deixou Christian – que mora no último andar do prédio – sem luz.

“Eu queria colocar o valor histórico do hotel, mas quando a gente caiu na realidade e viu que ninguém compra história, e sim tijolo e cimento, a gente reduziu o valor. Por isso a gente tem interesse que o poder público tomasse à frente disso porque tem condição de manter o prédio”.

Questionada pela reportagem, a prefeitura de Campo Grande respondeu que “não consta até o momento projetos do Município para o referido local”. O Jornal também questionou o Estado, por meio da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, se haveria algum interesse em utilizar o prédio. Porém, não houve retorno até o momento. Espaço segue aberto para manifestações.

Enquanto prédio segue sem destinação, a família mantém todos os cuidados no local. Outra curiosidade é que a própria Chris mora lá, no quarto andar, junto com os seus seis cachorros e madrasta. Os outros pavimentos, apesar de praticamente vazios, ainda guardam históricas que ficarão para sempre marcadas no imaginário campo-grandense.

Hotel Gaspar: conheça de pertinho como está 66 anos depois

Sessenta e seis anos separam a inauguração do Hotel Gaspar ao dia de hoje. As mudanças foram muitas. Os corredores que eram cheios de malas e hóspedes se encontram vazios. Na área de refeição, cheia de opções de comidas e cozinheiras, só restam alguns móveis e louças que remetem à época dourada de seu funcionamento. Os 84 quartos também estão vazios, sem camas ou qualquer outro móvel, restando uma ou outra mobília ainda para contar a história. Afinal, a família vendeu praticamente todo o mobiliário após o fechamento do negócio.

Apesar disso, toda a sua estrutura te faz voltar ao tempo e ainda é possível encontrar resquícios de uma época vivida nos poucos detalhes, como nos azulejos decorados nas paredes dos banheiros, os pisos originais dos apartamentos e corredores. A recepção, por exemplo, está praticamente intacta desde 1954 e o elevador ‘azul calcinha’, que funciona perfeitamente, ainda preserva sua cor originária.

Ficou curioso(a) sobre como está o Hotel Gaspar em 2023, sessenta e seis anos depois de sua inauguração? Confira o tour completo logo abaixo: