Aprovado, projeto que adapta provas para pessoas com TDAH acende esperanças em MS
Projeto de Lei busca adaptar provas de vestibulares e de concursos públicos para candidatos diagnosticados com TDAH em Mato Grosso do Sul
Nathália Rabelo –
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“Latido de cachorro, vizinho com a televisão no volume máximo, obra no apartamento ao lado, crianças gritando no playground”. “Que horas são?”, “Preciso molhar as plantas”, “Tenho que ligar para minha mãe“, “O que tem para comer?”, “É hoje que vence o condomínio”. Apenas cinco minutos sentada em frente ao computador e tudo isso já passou pela minha cabeça. Tudo ao meu redor chama a minha atenção. Tudo fala mais alto do que escrever este texto. Fecho a janela, checo o relógio, desligo a televisão, passo um café, como um chocolate. E então consigo voltar para explicar, ou tentar explicar como funciona a mente de um portador de TDAH. Ou o que eu costumo chamar de ‘zoeira mental’.”
Este breve relato acima, pertencente à escritora Gisele Garcia feito para a revista Vida Simples, mostra em poucas linhas o que seria o mundo de quem é diagnosticado com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Nas palavras de Garcia, uma vida sem foco. Tendo em vista que transtorno afeta cerca de 2 milhões de pessoas em todo o Brasil, conforme dados da ABDA (Associação Brasileira do Déficit de Atenção), ao menos parcela dessa população se sente esperançosa com o novo Projeto de Lei que prevê adaptação de concursos públicos e vestibulares para pessoas diagnosticadas com TDAH em Mato Grosso do Sul.
Para além da inclusão, a efetivação das normativas significaria maiores oportunidades acadêmicas e de inserção no mercado de trabalho para pessoas que, até então, tiveram suas características ignoradas.
A Associação Brasileira do Déficit de Atenção define o TDAH como um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Mas, afinal, o que isso significa na prática?
Significa que um portador de TDAH pode ser acometido por diversos sintomas inerentes ao transtorno. Na infância, os destaques são: crianças agitadas e inquietas, dificuldade de atenção em atividades longas, repetitivas ou que não sejam interessantes. Essas crianças são facilmente distraídas por intervenções externas e pensamentos internos, além dos meninos apresentarem mais aspectos de impulsividade. Dessa forma, crianças com TDAH normalmente são conhecidas como se estivessem ‘ligadas’ por um motor.
Mexem pés e mãos, não param quietas na cadeira, falam muito e constantemente pedem para sair da sala de aula ou da mesa de jantar. Têm dificuldades em fazer tarefas e cometem erros visíveis de distração nas provas, como erros gramaticais simples, esquecem material escolar na sala ou até mesmo o assunto estudado para um teste.
Em adultos, os sintomas também são encontrados numa ‘roupagem’ um pouco diferente, como dificuldade em organizar e planejar atividades do dia a dia ou trabalho, a determinação de tarefas prioritárias quando elas estão em grande escala, o que pode gerar estresse e sensação de sobrecarga. Indivíduos com TDAH também deixam trabalhos pela metade ou se esquecem completamente dele, por exemplo.
Portanto, é notório o quanto tarefas que requerem muita atenção e controle de tempo, como o caso de provas de concursos públicos e vestibulares, podem ser um verdadeiro obstáculo para os portadores do transtorno. Uma vez que essas questões estão cada vez mais presentes na sociedade, pensar em políticas públicas de inclusão para adaptar métodos de avaliação e ensino são fundamentais para atender igualmente essa parcela da população.
Entenda o Projeto de Lei que tramita em MS
De autoria do deputado estadual Neno Razuk, Projeto de Lei apresentado à Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul propõe o atendimento especializado nos concursos públicos e vestibulares de âmbito estadual para pessoas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e Dislexia.
Se sancionado, projeto determinaria, por exemplo, tempo adicional de uma hora para candidatos inscritos com TDAH e Dislexia durante as provas. Além disso, um profissional para leitura dos enunciados também estaria disponível para auxílio, bem como profissional transcritor para ajudar na escrita e preenchimento do gabarito.
Projeto também determina a instalação de sala diferenciada para candidatos com TDAH com acompanhamento dos profissionais citados acima; correção da prova avaliada a partir de uma matriz de correção específica para os participantes disléxicos e por uma banca especializada no assunto e atendimento especializado para as provas disponibilizado para os candidatos que comprovarem, por meio de laudo médico e/ou de profissional especializado.
A justificativa para a implementação do projeto consiste na diversidade existente nos sistemas educacionais. Além disso, o TDAH e a Dislexia são transtornos reconhecidos pela OMS (Organização Mundial de Saúde), responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem de crianças e adultos. Portanto, se faz necessário o atendimento especializado na realização de provas.
Além disso, o Projeto de Lei defende que a oferta de atendimento diferenciado deve ser construída considerando-se as prerrogativas legais de atendimento nas escolas, faculdades, vestibulares e concursos públicos. Como exemplo, cita o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que dispõe sobre atendimento especializado aos estudantes com Dislexia e TDAH.
O projeto passou por votação no último dia 12 e recebeu aprovação unânime dos deputados Mara Caseiro, Antonio Vaz, João Mattogrosso, Junior Mochi e Pedrossian Neto. Nesta sexta-feira (19), proposição constou na ordem do dia do plenário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
“Me acostumei pelas exigências do mercado de trabalho”
Guilherme Carvalho Brasil de Moraes tem 26 anos e foi diagnosticado com TDAH aos 7. O jornalista elenca que sempre teve dificuldades para prestar vestibular e concursos públicos, mas precisou se acostumar para atender às exigências do mercado de trabalho.
Ao Jornal Midiamax, ele compartilha que os sintomas começaram na infância pela dificuldade de acompanhar as aulas, a sensação de ver os colegas ‘avançando’ e ele, por outro lado, não, e tentar aprender assuntos que não conseguia absorver em mais detalhes.
“O hiperfoco também me afeta bastante porque às vezes tinha dificuldade de deixar certas ideias pra lá e, na adolescência, isso atrapalhava porque o consumo de entretenimento vinha todo de uma vez, às vezes ao custo do sono e das responsabilidades. Essas características em conjunto acabavam gerando um estigma conhecido do TDAH que é a fama de preguiçoso e desinteressado, sendo que isso não é necessariamente verdade e é só uma dificuldade da absorção e retenção de informação”, elenca.
Não é à toa que o jovem, que já prestou vestibular e concursos públicos, passou por momentos desagradáveis na prova.
“O TDAH atrapalha nesses momentos pela exigência quase absoluta de encarar a mesma coisa por horas e se manter num mesmo espaço confinado. A sensação é claustrofóbica e sei que é até pior para outras pessoas com a mesma condição. É algo que me acostumei pelas exigências do mercado de trabalho e da vida num geral”.
Projeto acende esperança
Para Guilherme, o projeto de lei acende esperança, especialmente quanto ao adicional de uma hora de prova, uma vez que a noção de passagem de tempo é um grande desafio.
“É ainda pior em concursos já que proíbem o uso de relógios. [O Projeto de Lei] Não vai impactar muito minha “vontade” de fazer concurso porque já é algo que eu e praticamente todos que conheço estão fazendo, mas com certeza tiraria muito da pressão e da sensação de inépcia”, conclui Guilherme.
Dados sobre TDAH no Brasil
Segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, desenvolvido pelo Governo Federal, a prevalência mundial de TDAH estimada em crianças e adolescentes é de 3% a 8%, dependendo do sistema de classificação utilizado.
Embora o TDAH seja frequentemente diagnosticado durante a infância, não é raro o diagnóstico ser feito posteriormente. As evidências científicas sustentam sua continuidade na idade adulta, com uma prevalência estimada entre 2,5% e 3%.
No Brasil, a prevalência de TDAH é estimada em 7,6% em crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos, 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos e 6,1% nos indivíduos maiores de 44 anos apresentando sintomas de TDAH.
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