Pouco ganho e jornadas cansativas: motoristas de aplicativo de Campo Grande chegam a trabalhar por 72h

Para conseguir lucrar acima das despesas, trabalhadores se arriscam contra o sono

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Foto: Ilustrativa/Leonardo de França, Midiamax/de arquivo

Na última quinta-feira (31), o ex-BBB Rodrigo Mussi e um motorista de aplicativo sofreram acidente após o condutor dormir no volante durante a corrida, colidindo em um caminhão. O artista foi internado em estado grave. O alerta reacende a questão de jornadas cansativas no trabalho e a pouca remuneração que a categoria enfrenta nos últimos anos. Para conseguir lucrar, alguns chegam a trabalhar por 72h seguidas, em Campo Grande.

Para preservação da categoria os relatos serão anônimos. Anderson* conta que gasta, diariamente, em média, R$ 130 de combustível, para percorrer 250 km ao dia, fazendo no mínimo 12h. A estratégia é desligar o ar condicionado, assim, o custo seria maior, sem mencionar a manutenção, seguro financiamento ou aluguel, e a obrigatoriedade do MEI (Microempreendedor individual).

“As plataformas não aumentam o valor do km, uma paga por 1,18 km ou outra 1,10 km, onde o mínimo seria de 1,5 km. Hoje estamos [trabalhando] por 12 a 15 horas, eu mesmo começo as 6h e só paro as 17h30, o intervalo só para urinar e fazer almoço, encerro às 19h. Eu procuro diariamente emprego, mas os salários estão defasados”.

Um colega relata que no início da pandemia as corridas haviam se reduzido drasticamente, abalando ainda mais a remuneração. Nesse período, chegou a ficar três dias seguidos na função sem descanso, pausando apenas para se hidratar, necessidades fisiológicas e se alimentar.

“Foi meu recorde, tomava café, pílula de cafeína, energético. Tivemos que chegar nesse tipo de situação para manter nossas casas. Agora, não faço mais isso, não luto mais contra o sono, pois ele é traiçoeiro. Quando bate o sono eu volto para casa”.

A situação se repete para quem não tem emprego fixo, colocando a saúde do corpo e a vida no trânsito em risco. Renato* afirma que quase toda categoria precisou estar na ocupação mais do que o ideal para se manter, em vista do cenário atual.

“Teve uma vez que comecei às 4h e encerrei 23h30 de um domingo. Mas vi que não compensa, porque o desgaste físico é muito grande, não compensa, no outro dia você está tão cansado que não consegue trabalhar, ou seja, perdeu um dia de trabalho. É impossível ficar vem trabalhando seguido. Você precisa recorrer a estimulantes. Chateia, ninguém quer trabalhar mais que o necessário para conseguir se manter”

Alguns admitem que ficam exaustos, mas não permitem descansar e ultrapassam as horas ideais. Os incidentes de dormir ao volante não se restringem apenas em cidades metropolitanas. “Um amigo me disse que deixou o cliente no supermercado, quando viu estava dormindo por cerca de 2h, no mesmo lugar que parou para o passageiro descer. Ele olhou o relógio e continuou trabalhando”.

Contas X Lucros

Todos os entrevistados concluem que não há ganho lucrativo sem a superexploração da categoria, além disso, a maioria dos condutores tem sua própria meta de remuneração através das corridas. “É uma necessidade trabalhar mais. Eu acredito que os aplicativos devem ter responsabilidade também, pois o motorista tem que dobrar a rodagem. Claro, nós temos responsabilidade com a nossa e a vida do próximo, mas há quem precise manter a família e quem é novo, está no fôlego, quer provar para si mesmo que consegue ficar mais acordado”.

Caroline* reconhece que houve um momento da profissão que precisou sair do limite, passou a trabalhar de madrugada, mesmo depois de 8h de jornada no emprego fixo. “Me vi em meio as dívidas, eu fazia para tirar um extra. Tinha dias que eu piscava e acordava com uma buzina. Só assim eu parava e voltava para casa, esse era meu extremo”.

*Nomes fictícios para preservação de fonte.

Últimas Notícias

Conteúdos relacionados

Comunidade quilombola Eva Maria de Jesus
enem