Forte e à frente do seu tempo: Zenóbia aposentou como delegada ‘valentona’ que prendeu muito agressor de mulher

Aos 75 anos, servidora pública relembrou causos e diz que se considera sim uma mulher forte

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A caminhada, diária e matinal, da aposentada Zenóbia Pedrosa, jamais denuncia a mulher forte diante dos olhos. Reservada, ainda mais em tempos de pandemia, ela passou um período somente em casa e se orgulha das mantinhas que confecciona para doar a gestantes, além da lucidez que, aos 75 anos, a faz lembrar de muitos causos quando atuou como a primeira delegada titular da delegacia da mulher, em Campo Grande. 

Conhecida pela rigidez ao flagrar agressores de mulheres, Zenóbia ganhou apelido de sargentona na década de 80 e até hoje é referência na Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. Nesta terça-feira (8), data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, ela fala que, embora as limitações da idade, continua ativa, lúcida e contente com o andamento dos trabalhos voltados às mulheres vítimas de violência doméstica no estado.

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Momento da inauguração da delegacia, em Campo Grande

No ano de 1986, mais precisamente no dia 25 de abril, a delegada participou da inauguração da delegacia especializada. A sede ficava na região central, mais precisamente na rua 14 de julho, esquina com a 7 de setembro.

Na época, um grupo de mulheres se sensibilizou com a questão e exigiu a construção da unidade policial. De Campo Grande, houve a expansão destas delegacias para outras cidades do estado. 

Pouco antes, em 1970, ela diz que iniciou a carreira no primeiro distrito policial e, após a divisão do Estado, assumiu o cargo de assessora no gabinete da Diretoria Geral da instituição, onde permaneceu de 1980 a 1986. Em seguida, foi nomeada como titular da Delegacia de Atendimento à Mulher, onde permaneceu até a aposentadoria, em 1997. 

“Eu sou de uma época em que não contávamos com celular, internet e muito menos computador. Todo o trabalho era feito, desde o início do inquérito, com tudo datilografado. As intimações também, então, o trabalho do escrivão era bastante intenso. Assim que chegava, a mulher ou qualquer outra pessoa já ia conversar com a delegada. Daquele primeiro contato, tudo era documentado e, depois da ocorrência, usávamos os recursos que tínhamos na época”, comentou Zenóbia. 

 Mesmo sem tantos recursos, a delegada ressalta que ela e a equipe “davam conta” do serviço na Casa da Mulher Brasileira. “Eu sabia como era difícil, até hoje é, mulher ir até a delegacia. Na época, eu pensava muito em ter um local seguro para essa mulher ficar com os filhos, principalmente para não voltar para casa e correr o risco de ser morta. Quando estavam construindo o prédio, refazendo a cela da delegacia, chegamos a algemar preso em mastro de bandeira temporariamente. É o que podíamos fazer pra ele não ir lá e matar a mulher”, relembrou. 

Enquanto isso, a delegada fala que mantinha contato com a vítima enquanto ela buscava a casa de parentes ou até mesmo outro local para residir com os filhos. “Desde o início, tivemos apoio de juízes, promotores, defensores e acho que tudo isso colaborou muito com a delegacia da mulher. Não me lembro de ninguém contra o nosso trabalho e parabenizo todas as delegadas sucessoras”, alegou Pedrosa. 

Depoimentos das vítimas eram primordias, diz delegada

Sem a tecnologia do retrato falado em poucos cliques no computador, principalmente nos casos de estupro, a delegada fala que as características repassadas pelas vítimas eram primordiais para a investigação delinear o rosto do suspeito.

“Naquela época, o retrato era feito por um policial com aptidão para o desenho. Ele  colaborava com as investigações e conclusão do inquérito policial. Eu tinha uma parceira muito grande nesta época, a agente de polícia Vanessa Sales. Algumas das vítimas, no trajeto da escola para casa, eram estupradas por desconhecidos e aí as mulheres colaboravam com detalhes e nós fazíamos o nosso trabalho”, argumentou a delegada. 

Sobre ser uma mulher forte, Zenóbia fala que realmente se sente desta forma. “Eu já escutei muito isso e me considero sim uma mulher forte. Lembro quando cheguei em uma casa e vi uma mulher suja, cheia de lama, com as crianças chorando, enquanto o homem estava deitado. Eu o prendi e percebi o quanto ele achou ruim passar a noite em uma delegacia, com a cela lotada. Ele me chamou de valentona, sargentona e, na verdade, eu só estava agindo com rigor necessário. Agora, vendo os jornais amarelados, vi até conciliações que eu fazia”, finalizou. 

Delegada sempre dava entrevista sobre o trabalho na delegacia da mulher em MS. Foto: Zenóbia Pedrosa/Arquivo Pessoal

 

 

 

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