‘Dói na alma’, desabafa professor nigeriano vítima de racismo e agressão em supermercado de MS

Professor universitário da UFGD foi agredido quando estava com filho de 6 anos

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Professor trabalha com alunos de pós-graduação na UFGD (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução)

Vítima de racismo e agressão em um supermercado de Dourados, cidade distante 228 quilômetros de Campo Grande, o professor universitário e doutor em Ciências da Saúde, Sikiru Olaitan Balogun, de 48 anos, tem a sensação de estar vivendo um pesadelo. Em entrevista ao Jornal Midiamax nesta quinta-feira (4), o nigeriano, que está no Brasil há 11 anos e em Mato Grosso do Sul há dois, fala sobre a violência que viveu junto do filho de apenas 6 anos.

Ainda sem entender tudo que aconteceu nesta quarta-feira (3) e abalado, Sikiru disse estar processando em sua memória “um episódio inesperado e extremamente lamentável” que põe em questionamento, segundo ele, os valores não só das pessoas envolvidas, incluindo o casal de agressores, como também toda a sociedade. A mulher de 62 anos e o marido dela, de 48 anos, foram levados para a delegacia. Preso por agressão, o homem pagou fiança de R$ 1,2 mil e foi liberado.

“Como é que pode um simples equívoco de pegar um carrinho errado de compras que nem tinha sido pago ainda, se transformar em ofensa contra a dignidade de uma pessoa? Essa não é a primeira vez que minha família passa por esse tipo de situação. Tem coisas que a gente aguenta calado, como olhares de indiferença e de desconfiança, mas uma agressão contra uma criança de 6 anos tem um peso maior”, disse o professor.

Pai de duas meninas de 16 e 13 anos e de dois meninos de 4 e 6, Sikiru relata que está no Brasil há 11 anos, mas que ainda não tinha sofrido tamanha ofensa. “Estou aqui em Dourados há dois anos trabalhando com estudantes de pós-graduação. Jamais imaginei algo tão constrangedor”, afirma o professor visitante da Faculdade de Ciências da Saúde da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).

“Fomos chamados de ladrões e de pretos sem nenhum pudor por parte dos agressores. Isso dói na alma. E dói mais ainda quando essas ofensas partem de pessoas que a gente imagina que sejam avós. Como será que eles educaram seus filhos? Que legado deixaram para as futuras gerações? Tudo isso nos deixa entristecidos. Alguma coisa precisa ser feita para deixarmos essa sociedade mais humana”, pondera o doutor.

O professor também contou à reportagem do Midiamax que além do desgaste emocional sofrido diante da situação, chegou a passar mal e pensou que iria desmaiar na delegacia. Segundo ele, entre o momento da ocorrência no supermercado e o registro da mesma, foram mais de 5 horas sem comer.

“O celular descarregou e fiquei sem contato com a minha mulher. Quem me salvou levando alguns salgados foi uma aluna que tinha orientação comigo e já tinha combinado de me dar uma carona da delegacia até a Universidade”, disse ele.

Durante reunião do CEPC (Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura), o reitor da UFGD, Jones Dari Goettert, incluiu o assunto em pauta e aprovou a emissão de uma nota de solidariedade ao docente nigeriano e também de repúdio às práticas de racismo que, segundo ele, ainda afetam a sociedade nos tempos atuais.

Vítima de racismo, professor é doutor em Ciências de Saúde

Sikiru Olaitan Balogun possui graduação (1998) e mestrado (2004) em Bioquímica (Olabisi Onabanjo University), doutorado em Ciências de Saúde, na área de farmacologia de produtos naturais (2014) da Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Medicina (UFMT).

Foi Professor na Faculdade Noroeste do Mato Grosso e Faculdade do Vale do Juruena – AJES. Ele atuava no ensino de graduação em Bioquímica, Farmacologia, Microbiologia e áreas a fins, e na Pós-graduação em farmacologia. Também integrou o Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/AJES, foi membro da Comissão Própria de Avaliação (CPA). Faz parte da Equipe do Grupo de Pesquisa da Farmacologia da UFMT liderado pelo Professor Domingos Tabajara de Oliveira Martins com ênfases em Farmacologia de Produtos Naturais e Farmacoepidemiologia, nas linhas de pesquisa: etnofarmaologia, toxicologia, atividade anti-inflamatória, antiúlcera, antimicrobiana, cicatrizante de feridas.

As áreas de pesquisa do professor incluem ainda epidemiologia molecular, uso racional de medicamentos, mecanismos de resistência bacteriana aos antibióticos e anticâncer/antitumor studies. “Atualmente sou professor visitante na Universidade Federal da Grande Dourados, Mato Grosso do Sul, com atuação no Grupo de Estudos em Biotecnologia e Bioprospecção Aplicados ao Metabolismo – GEBBAM liderado pelo professor Dr Edson Lucas dos Santos”, conta o pesquisador.

Nigeriano atua como professor visitante na UFGD há dois anos (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Racismo em supermercado

A PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) foi acionada para atender a uma ocorrência de injúria racial e agressão em um supermercado de Dourados, na Vila Industrial, na tarde desta quarta-feira (3). A família de estrangeiros foi vítima de racismo e agredida por outros clientes dentro do comércio.

Conforme uma das vítimas, um homem de 48 anos, ele estaria fazendo compras com sua família quando deixou o filho na fila do caixa, cuidando de um carinho de compras que imaginava ser o seu, e foi pesar as frutas.

Quando retornou para a fila, seu filho de 6 anos de idade afirmou que havia sido agredido por uma mulher que disse que ele estava roubando o carrinho de compras dela. O pai da criança disse que foi até a senhora para perguntar o que havia acontecido, e esta afirmou que eles estavam roubando seu carrinho.

Durante uma discussão, a mulher que agrediu criança e seu marido chamaram o pai da criança de ‘preto’, em tom ofensivo, e o marido desferiu um soco no homem de 48 anos.

Uma testemunha procurou os policiais e afirmou ter visto o ocorrido, confirmando a versão da vítima e se prontificou a testemunhar. A PM localizou os autores no estacionamento do mercado, que foram até a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário Centro) em seu veículo próprio. No local, foi emitido o B.O. e entregue juntamente com os autores à Polícia Civil.

Na delegacia, a autora afirmou que não bateu na criança, todavia retirou a mão da criança do seu carrinho. E disse que fez isso porque já havia ocorrido isto com ela, de roubarem seu carinho ‘Por esse tipo de pessoa’, se referindo a pessoas estrangeiras.

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