A Síndrome de Down foi descrita pela primeira vez em 1866 pelo médico John Langdon Down, famoso pediatra inglês. Dois séculos depois, a sociedade segue se conscientizando mais sobre o respeito e a diversidade humana, com recursos para oferecer oportunidades de inclusão para qualquer Pessoa com Deficiência (PcD). Em Campo Grande, o trabalho na socialização de pessoas com Síndrome de Down mostra de perto a sua importância na hora de abrir portas para a vivência em sociedade.

O Dia Internacional da Síndrome de Down é comemorado todos os anos no dia 21 de março (21/3) para representar as três cópias do cromossomo 21. O objetivo da data é celebrar a vida das pessoas diagnosticadas com a síndrome e conscientizar os demais indivíduos da importância da inclusão e busca pelas mesmas oportunidades educacionais, sociais e profissionais. 

De acordo com profissionais, essa inclusão fica muito mais facilitada quando, desde a infância, a pessoa com Síndrome de Down é inserida num contexto de socialização com as demais crianças, sejam elas com ou sem deficiência. Em escolas regulares, por exemplo, conviver em diversidade é bom não apenas para essas crianças, que acabam mais estimuladas pelo ambiente escolar, quanto para aquelas que não possuem a síndrome. 

Já nas escolas especiais, que têm um currículo adaptado, faz-se importante trabalhos nos campos culturais, esportivos e sociais que unem a socialização com as demais atividades. É o caso da Associação Juliano Varela, em Campo Grande. 

Foco principal da inclusão

A Associação Juliano Varela atua na Capital e, atualmente, atende 915 pessoas com Síndrome de Down, autismo e microcefalia. Segundo José Luiz Fernandes Varela, coordenador da Instituição, outras atividades são oferecidas além das aulas de alfabetização, como capoeira, música e projetos voltados ao mercado de trabalho. 

“A educação especial é bem específica e com a Síndrome de Down não é diferente. Nós focamos bastante no método de socialização através de programas. Nós queremos que nossos alunos sejam alfabetizados, escrevam e entrem numa faculdade, mas nosso foco principal é que eles sejam incluídos”, afirma José Luiz ao Jornal Midiamax.

Assim, a educação inclusiva, desde que acompanhada, acaba beneficiando ainda mais o desenvolvimento físico e intelectual das crianças com Síndrome de Down. Outro ponto de suma importância é que, quanto mais elas forem inseridas numa dinâmica social, mais as pessoas as enxergam com igualdade.

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(Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

“Eles estão ali se socializando, mostrando para a sociedade que são iguais a qualquer outra pessoa”, diz Varela.

Miguel Ângelo Ramires, 31 anos, estuda na Associação Juliano Varela e afirma aproveitar bastante os programas de integração. Lá, ele faz aula de culinária e capoeira. Além disso, divide a sua rotina com o trabalho de auxiliar administrativo da Igreja Adventista.

“Eu participo do projeto desde 2015, melhorei meu desempenho na cozinha. Eu melhorei bastante. Então, eu frequento a escola, faço todas as atividades, como cozinha, educação física e capoeira. Nesse projeto Cromossomo do Amor, nós estamos fazendo pão de forma, brownie, chocotone, panetone…”, diz Miguel. 

Atualmente, Ângelo trabalha como auxiliar administrativo no setor de almoraxifado da Igreja Adventista Sétimo Dia. Questionado sobre atuação profissional, ele afirma, com orgulho: “Faço todo o serviço certinho”. A rotina do auxiliar, então, é corrida. Ele trabalha de manhã, estuda a tarde e, no fim do dia, faz academia. “Eu tenho orgulho”, afirma.

A advogada Valéria Scapin atua em Campo Grande e é ativista na causa das pessoas com Síndrome de Down. Mãe de duas meninas, a mais nova foi diagnosticada com Síndrome de Down. Hoje com 12 anos de idade, Ana Luíza sente de perto os benefícios de crescer inserida na sociedade. 

Lei Brasileira de Inclusão – 12 anos até se tornar realidade 

A LBI (Lei Brasileira de Inclusão), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um conjunto de normas destinadas a assegurar e a promover, em igualdade de condições, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando sua inclusão social e à cidadania.

Na visão da advogada Valéria Scapin, mãe de uma menina com Síndrome de Down que está na pré-adolescência, a atual geração está sendo mecanismo de mudança para um futuro melhor e mais inclusivo.

“A Lei Brasileira de Inclusão é de 2015, nós não temos nem 10 anos de lei. Essa lei ficou tramitando no Congresso durante 12 anos para ser aprovada do jeito que está hoje. Em termos de direito, essa lei veio pôr no papel garantias que os pais que me precederam buscavam na raça. Hoje, nenhuma escola pode negar vaga para a minha filha, o que antes você não tinha opção”.

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(Foto: Arquivo Pessoal)

A filha da advogada, Ana Luíza, desde sempre estudou em escola particular, no ensino regular. A decisão de Valéria foi pensada para que a filha crescesse inserida em meio às pessoas que não são PcD. Segundo Valéria, Ana Luíza aprende muitas interações sociais com outros alunos por meio da imitação.

“Eu não posso dizer que todo mundo tem o mesmo direito se e falou que determinada parcela das pessoas não podem frequentar determinados lugares. Quando você coloca essa criança com dificuldade com aquela que não tem, as duas vão sair ganhando, porque a minha filha se espelha nas amigas. Ela quer gravar TikTok igual as amigas, canta as músicas praticamente sem dificuldades. E essas crianças que convivem com ela [Ana Luiza] vão ter uma visão de futuro e de vida muito melhor do que a minha geração teve, que não convivemos com pessoas com deficiência. Elas [crianças] não veem a deficiência mais, elas veem as pessoas. Elas veem a Ana Lu”, conclui.

Alunos com Síndrome de Down na rede pública

De acordo com a Semed (Secretaria Municipal de Educação), ao todo, a Reme (Rede Municipal de Ensino) tem 137 alunos com Síndrome de Down matriculados em Campo Grande. Eles estudam na mesma sala que crianças e adolescentes que não são PcD e recebem a mesma assistência que os demais do público-alvo da Educação Especial.

“Todos os alunos públicos-alvo da Educação Especial são acompanhados pelo professor regente, professor do atendimento educacional especializado (AEE), que atua nas salas de Recursos Multifuncionais, e profissional de apoio em sala de aula”, informou, em nota, a Secretaria.

A instituição ainda informa que todas as unidades escolares estão preparadas para receber alunos PcD para a Educação Especial.

“Os profissionais de apoio recebem formação específica para atuar com os alunos que são público-alvo da Educação Especial, assim como os professores”, informa. Ainda de acordo com a Semed, o número de pessoas com Síndrome de Down matriculadas na Reme é baixo, uma vez que grande parte desses estudantes se encontra nas escolas segmentadas. 

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(Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

Para especialistas, a eliminação dessas barreiras é condição fundamental para que se promova uma equiparação de oportunidades e igualdades de direitos. Segundo estudos, é um cenário que tem mudado gradualmente.

De 2014 a 2018, o número de matrículas de estudantes com necessidades especiais cresceu 33,2% em todo o país, segundo dados do Censo Escolar divulgados em 2019 pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). No mesmo período, também aumentou de 87,1% para 92,1% o percentual daqueles que estão incluídos em classes comuns. Entre 2017 e 2018, houve aumento de aproximadamente 10,8% nas matrículas.

Segundo dados do Censo, o maior índice de estudantes em classes comuns está na rede pública. Nas escolas, 97,3% dos alunos com necessidades educacionais especiais estavam nessas classes em 2018. Na rede particular, o percentual foi 51,8%.

Por lei, o Plano Nacional de Educação indica a matricular estudantes com necessidades especiais em classes comuns. Mas, para isso, as instituições devem garantir um sistema educacional inclusivo, com recursos multifuncionais, além de classes e pessoas especializadas. 

Oferecer oportunidades para criar autonomia 

Ainda de acordo com a advogada Valéria, o que as pessoas com Síndrome de Down precisam é de oportunidade para, assim, criarem autonomia. Dessa forma, elas vão conseguir desmistificar vários preceitos impostos em relação às suas possibilidades. Mesmo com limitações, mostrar que são seres humanos iguais aos outros e que possuem a capacidade para fazer o que desejarem.

“Eles precisam de oportunidade para socializar, precisam de oportunidade para trabalhar, para estudar, namorar, vivenciar o amor. A gente tem esse preconceito de que pessoa com deficiência não ama, não tem direito de se relacionar sexualmente com outra pessoa. E isso é uma bobagem”, afirma Valéria.

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(Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

A Annie Caroline Queiroz, de 34 anos, por exemplo, afirma estar apaixonada. Paraguaia, cantora e dançarina, ela e Emerson namoram há cinco anos. De aliança no dedo, recentemente eles aproveitaram para jantar fora e curtir a noite na Capital para celebrar o amor. “Eu gosto dele há muito tempo”, disse.

Além do namorado, uma das coisas que Annie mais gosta é a arte. Filha de pais paraguaios, sempre cresceu com uma cultura rica na família. “Eu danço música paraguaia, dança do ventre e samba”, contou. Ela também participa de natação.

Então, além de namorar, fazer sexo, cozinhar, tocar instrumentos musicais e praticar esportes, pessoas com Síndrome de Down também trabalham.

Mercado de trabalho para pessoas com Síndrome de Down

Conforme as informações de José Luiz Fernandes Varela, a Associação Juliano Varela atua com a inserção no mercado de trabalho. Por isso, muitas empresas vão atrás da instituição para a contratação de pessoas com deficiência. Assim, Campo Grande tem uma abertura mais inclusiva do que no interior ou em outros Estados. 

“Em  Campo Grande é uma inclusão bem mais natural do que uma inclusão forçada igual a gente vê na maioria dos municípios, que estão ali só para cumprir lei senão vai tomar multa. Aqui já não, as empresas nos procuram com a intenção de melhorar o seu ambiente de trabalho”, afirma José Luiz. 

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(Foto: Stephanie Dias/Jornal Midiamax)

Foi assim que Edilson Rodrigues, de 33 anos, conseguiu integrar o time de colaboradores da Sanesul (Empesa de Saneamento Básico de MS). Ao Midiamax, ele afirma se sentir muito contente por exercer seu trabalho como auxiliar administrativo, como também exercer seu ofício ao lado dos colegas de trabalho. 

Além da Sanusel, a Associação Juliano Varela elencou algumas das principais empresas que mais contratam pessoas com Síndrome de Down – e com outras deficiências – para integrar a lista de colaboradores. Essas pessoas são incluídas na rede e exercem, de fato, cargos condizentes com os seus níveis de capacidade profissional. São elas: Sanesul, Drogasil, JBS, Sicredi e Igreja Adventista.

Síndrome de Down não é doença 

A Síndrome de Down não é uma doença, mas sim uma condição inerente a um ser humano. Além disso, o desenvolvimento dessas pessoas está diretamente ligado aos estímulos e aos incentivos que recebem, sobretudo nos primeiros anos de vida. Questionada sobre a vivência de ser mãe de uma criança com Síndrome de Down, Valéria Scapion afirma:

“É uma criança normal, mas com alguns enfeitezinhos diferentes […] Para aquele pai, mãe e família que está recebendo hoje um filho com Síndrome de Down, do meu coração, é um presente para ser vivido no presente, para ser vivenciado hoje”, finaliza Valéria, emocionada.