Os reflexos da crise econômica e a alta na inflação que assola o mercado brasileiro atualmente também impactam as atividades ilegais, como a silenciosa figura da agiotagem. Em Campo Grande, agiotas relatam que houve aumento significativo na procura pela facilidade no repasse de dinheiro.

Em reportagem publicada nesta segunda-feira (5), o Jornal Midiamax mostrou detalhes do mercado paralelo instituído no Centro de Campo Grande e que envolve o empréstimo ilegal oferecido pelos agiotas.

O que parecia ser fácil, em poucos dias se tornou uma ‘bola de neve’ para uma autônoma de 32 anos, que preferiu não se identificar. Para facilitar na locomoção, ela e o esposo decidiram adquirir um carro, ambos iriam pagar. Entretanto, o esposo sofreu um acidente no trabalho e precisou ficar afastado, o que acabou reduzindo a renda da família.

“Foi muito fácil, vários colegas de trabalho já pegavam e eu aceitei a proposta. Peguei empréstimo de agiota de R$ 10 mil para comprar um carro. No começo eu conseguia pagar, três meses depois eu fiquei mais endividada e pagava atrasado. Nisso, pagava R$ 200 de juros quase todo mês. Uma dívida que dobrou para R$ 19 mil. Minha renda é boa, mas tem compras, tem combustível, tem gás e está tudo caro. Tinha que ver o que deixar de pagar no mês para conseguir pagar o agiota”, relata.

Há quem comece pegando valores mais baixos para compensar dívidas pequenas. Caso de uma cabeleireira que acabou se acostumando nos combinados, mas ressalta que adquire empréstimo apenas de pessoas conhecidas. “Comecei pegando R$ 1 mil, depois R$ 1,5 mil, a última vez peguei R$ 5 mil, mas é uma agiota que já tenho contato. Ela é um pouco ‘mais de boa’, então pago R$ 2 mil de juros”.

Ainda assim, a figura tenebrosa da violência aos devedores ressurge hora ou outra. “Conheço gente que apanhou, que quase morreu, ficou internado na Santa Casa. Tudo por causa de R$ 1 mil”, disse.

Mas quem são os agiotas?

Os bancos, instituições ou concessionárias de financeiras que liberam a disponibilidade de valores são assegurados pela legislação e podem inserir o CPF do endividado no Serasa, caso não honre com a dívida no prazo estabelecido. Há também o cliente que se sinta lesado pelos credores e poderá ajuizar uma ação civil assegurada por Procons, Ouvidoria, etc. Nesses casos, as instituições, assim como o cliente, mantêm o controle formalizado.

No outro lado, a agiotagem não retém os mesmos critérios. Ou seja, não há documento formal que estipule um vínculo entre o credor e o devedor. Os agiotas emprestam dinheiro, sem supervisão autorizada do governo, com taxas e juros que variam de 10 a 40%, considerados abusivos, acima do mercado, pois o empréstimo consignado público determina o teto de 2,08% por mês.

Se para os devedores a situação está difícil, para quem trabalha com a agiotagem o espaço também está impactado pela crise. Um agiota, que não será identificado, disse que assim como a busca por empréstimos, o número de ‘inadimplentes’ teve alta simultânea, na maioria dos casos a procura foi de valores baixos, de R$ 200 a R$ 1 mil. “Muita gente deixou de pagar também, muitos pedindo no meio e no fim do mês”.

Nesses casos, quando a inadimplência acontece, os agiotas acrescentam novos juros sobre a dívida, que segue subindo até ser quitada. “Ocorre também a troca por algum bem de valor similar ou superior, a famosa penhora. No meu caso, [empresto] só por indicação, mediante comprovação de renda e de moradia”, explica.

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Promissórias apreendidas pela Polícia Civil com agiota. (Foto: Divulgação/PC)

Agiotagem é crime?

Segundo o delegado Giuliano Biaccio, da Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos), a agiotagem é um crime contra a economia brasileira, intitulado como crime de usura pela Lei 1.521, que é quando a pessoa faz o empréstimo e o agiota cobra juros acima da taxa nacional por juros exorbitantes e extremamente altos.

“Geralmente 10% de juros por semana ou quinzenal, dificilmente é por mês. A pessoa vai pagando sempre os juros, a dívida nunca amortiza, pois ela vai só pagando os juros que ficam altos”, disse. Ainda conforme o delegado, dificilmente, os casos de agiotagem chegam ao conhecimento da polícia sem antes chegar ao extremo da violência, da penhora ou de situação em que uma das partes procure intervenção policial.

“Ambos interessados no empréstimo, no primeiro momento cumprem o acordo. Só chega à polícia quando a pessoa deixa de pagar, que aí a cobrança é violenta, à grave ameaça. Nesses casos, envolvem a extorsão. Ou seja, outros crimes surgem depois, como o mais grave, o homicídio”.

A pena pelo crime de usura vai de 4 a 10 anos de prisão, inclusive, para casos de agiotagem online.