Todo bairro começa com uma história, histórias essas que são contadas e feitas por moradores. No bairro Coophavila II, em , os primeiros habitantes da região, uma das mais antigas da Capital, construíram um centro comercial que era considerado o verdadeiro ‘shopping' do bairro.

Segundo a Associação de Moradores, pela distância da região central e a quantidade de famílias do conjunto habitacional, a ideia era evitar várias lojas distantes uma da outra e formar a união entre os comerciantes, somada com a logística de ter que se deslocar até o Centro da cidade. Sendo assim, foi inaugurado o Centro Comercial Coophavila, em agosto de 1979.

O quadrante do local tem quatro blocos e 40 salas, na Rua . São diversos tipos de comércios e serviços, dentre os mais antigos estão lojas de roupa, material de construção, lotérica, cabeleireira, mercado, restaurante e até uma escritório imobiliário. Há uma praça a céu aberto bem no meio do centro, com direito a árvores, canteiro e bancos. A maioria dos primeiros comerciantes já não está mais trabalhando – passaram o ponto ou deixaram o legado para membros da família.

Em 1998, Maria Luzia Fadeli de Souza, de 65 anos, conta que ela e o marido, Walter Lopes de Souza, de 69 anos, se mudaram para a região em busca de novos negócios. Ela compara que antes os clientes viam os anúncios no jornal ou em placas de publicidade na rua, além dos conhecidos que indicavam o trabalho.

“Hoje em dia, a pessoa coloca na internet, acha a gente e entra em contato. As coisas mudaram muito. Temos nossos antigos clientes, ninguém vem presencialmente mais, tudo se faz pelo telefone ou pela internet. Na pandemia nosso setor faturou muito, crescemos bastante as vendas, o que, infelizmente, não aconteceu com alguns colegas que fecharam”, explica.

Maria e o esposo não são os comerciantes mais antigos do centro, entretanto, percebem que a tecnologia pode ter afetado o movimento do local. “Antigamente a lotérica estava cheia, todo mundo vinha pagar boleto, comprar o que precisava. Hoje em dia não, todo mundo compra online e paga online”.

centro -shopping de bairro
Praça a céu aberto no meio do centro comercial. (Foto: Stephanie Dias/Midiamax)

Meus filhos cresceram aqui nesse bairro

Leonida Rivas, de 58 anos, morava de aluguel com o esposo. Um colega de trabalho dele indicou o Coophavila com um bairro em ascensão. “Eu tinha dito para ele que precisávamos mudar de vida. Pegamos nossas últimas economias e demos entrada. Hoje é nosso lar e não troco minha casa por nada. Meus três filhos cresceram aqui”, disse.

Ela considera o bairro tranquilo; hora ou outra são informados de crimes corriqueiros, o que considera comum em todo bairro. “Meu marido disse esses tempos que queria comprar uma chácara, mas eu já cantei a bola: minha casa eu não vendo e não dou para ninguém. Eu amo o bairro, foi aqui que construí minha vida, minha família”. 

Documentos que valem ‘ouro'

Mario Morandi é professor e advogado, além de ter sido um dos sorteados para morar no bairro, construiu a família ali. Foi por anos secretário da associação de moradores. Contudo, ainda guarda documentos do desenvolvimento comunitário da região, boletim que orientava cada morador sobre o objetivo da construção e avanço econômico da parte distante da cidade. O que era descrito no documento: você já sabe que a vida em conjunto apresenta uma situação um pouco diferente daquela de uma casa isolada, porque a vizinhança é maior e os problemas surgem, como os benefícios que pretendem para o progresso dessa área residencial, de interesse de todos.

“Aumentou a quantidade de moradores, tem terrenos que eram uma casa só e hoje tem duas ou três. Faz 42 anos que morro aqui. Eu construí uma família aqui. Tenho três filhos, mas vim solteiro com pai, mãe e irmão. Já pensei em me mudar, mas vender a casa jamais. Fui para e voltei, só que não penso em deixar o bairro tão cedo. Eu posso dizer que ajudei a erguê-lo, não sozinho, mas ajudei”.

Documentos de moradores do bairro
Documento de desenvolvimento do bairro (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

‘descentralizado'

Quando o campo-grandense se lembra do tradicional Desfile Cívico de 7 de Setembro, logo remete aos corredores da Rua 14 de Julho, no Centro da cidade. Mas em 1986, os moradores se mobilizaram para trazer o grande evento para a região. Várias escolas e entidades participavam. Antecediam dias de preparação e roteiro. Segundo Morandi, vinham até vizinhos de e demais regiões para acompanhar.

“Como a vila é um pouco distante, pensamos: por que não trazer para vila? E era bem organizado, isso era em 1985-1986; durou uns 10 anos. Vinha outras escolas para cá, foi considerado como um evento paralelo, mas a nossa intenção era atender o bairro. O pessoal adorou. Agora, eventos são esporádicos, tem que mobilizar. Se perdeu a tradição de força, de unir muita coisa para fazer algo grande pelo bairro”.

Morandi conta que o local destinado para feira tradicional na Avenida Marinha era para ser um corredor gastronômico durante as noites. Como adiantado, a intenção era aproximar um conjunto de comércio numa mesma avenida, assim como os blocos da região central.

A feira acontece toda terça a partir das 16h e na quinta-feira de manhã. “Começamos a fazer as feiras em 1984. Quando a avenida Marinha foi recapeada, marcou a região, foi quando começamos a crer em mais avanços, isso na época de Lúdio Martins Coelho [prefeito da época]. Eles asfaltaram lá primeiro e depois a vila toda. Isso deu uma valorizada no bairro”, relata.

“Nós não temos indústrias, com exceção do HRMS, poderíamos ter ajuizados, repartições públicas, uma delegacia. Nós sempre queríamos que os moradores trabalhassem dentro do bairro, por exemplo, um órgão público que rendesse empregos”, explica Morandi.

Moradi conta das histórias do bairro
Morandi cresceu e construiu família no bairro (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

A delegada do bairro

“Prazer, sou a delegada do bairro”, é assim que Firmina Brites, de 77 anos, se apresentou para a reportagem. A autodescrição é uma brincadeira entre ela com os vizinhos, amigos e a família, pois, quem conhece as regras do bairro e ajudou a construí-lo seria “autoridade”. Convenhamos que, em minutos de conversa, não há jeito durão ou autoritário, mas sim a imagem de uma mulher que desempenhou várias funções na região e entende bem sobre a política, educação, segurança e turismo que há por ali.

As rugas do rosto, o sorrido solto e a fala que relembra cada ponto no bairro que foi erguido em uma esquina ou rua demonstra o conhecimento e o carinho que tem pelo Coophavila 2. Ao lado da mãe, de 100 anos, Firmina pontua: “lutamos muito para estar como está hoje”.

“Aqui melhorou muito. Hoje a vila está pronta, quando pegamos, não tinha asfalto, as casas foram entregues com arames lisos, porque não tinha muro. Depois que organizamos o centro de comunicação. Naquela época, em 80, em plena ditadura, não existia movimento social, não tinha reivindicação. Fomos começando a organizar, porque naquele tempo ser tirado de comunista era o cúmulo”.

Firmina mora na avenida principal do bairro, a poucos metros da sede da associação e do ‘shopping do bairro'. Ela explica que a via não era pavimentada, logo, o ‘poeirão' tomava conta da casa. “Aqui, a maioria é aposentado, minha avó, os vizinhos. Falamos que é um bairro de aposentado. Todo mundo que ajudou a criar não se muda daqui”, diz o neto Fernando Gabriell.

família cresceu no bairro
Família de gerações que cresceu no bairro. (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

A primeira escola

Na época, havia apenas uma escola, a E. E. Padre José Scampini, com estrutura precária, hoje em dia, sequer um engenheiro autorizaria liberar alunos para o local. Firmina relembra os tempos difíceis onde as comunidades da região matriculavam as crianças na única unidade escolar pública do Imbirussu.

“Entregaram [o bairro] com uma escola e uma creche, sem muros, era tudo aberto. Pensa: uma creche toda aberta, as professoras tinham que ficar de olho nas crianças. Como todo mundo se conhecia, ficava cuidando os filhos também. Tinha só 12 salas para comportar dezenas de crianças. A mãe tinha que madrugar na fila para conseguir vaga. Quando o Dr. ganhou para governador, veio visitar junto com a esposa. Ela ficou horrorizada quando viu a situação da escola. No outro dia veio um caminhão com tapumes, tijolos, pedra e iniciamos assembleia para construir outra escola. Foi evento na época”.

Haviam três turnos na escola, quando as obras começaram, os tapumes dividiam as turmas e os estudantes tiveram que conviver com meses de obras e barulho. “A secretaria de educação veio. Fizemos uma assembleia bem grande porque a reivindicação era grande, era uma nova escola que ia nascer. O nome escolhido para foi E.E. Manoel Bonifácio Nunes da Cunha, uma forma de homenagear a autoridade do Estado, construída no Tarumã para desafogar o tanto de aluno que tinha aqui”, declarou.

Firmina estava presente em cada decisão do bairro, ajudava na administração, mas jamais pensou em se eleger como presidente da associação. “Eu ajudava na limpeza da escola, era um poeirão, passávamos cera nos pisos, acho até que faliu a empresa depois, porque usávamos demais”.

Firmina exige foto
Firmina exibe fotos de eventos que aconteciam na região. (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

A briga pela caixa d'água que abastecia o bairro

Na época, os moradores consumiam água direto da enorme caixa d'água instalada na Avenida Marinho. Suficiente para cada família que vivia ali, abastecendo os poços artesianos. Os políticos gostariam de dividir a água com os vizinhos do bairro Tarumã, o que acabou resultando em muita discussão em assembleia.

“As pessoas ficaram apavoradas achando que ia faltar água no bairro. Eu tinha que ir de casa em casa pedindo assinatura, conversar e explicar o motivo, mas muita gente ficou discutindo. Depois de uns anos a Sanesul, hoje é Águas Guariroba, instalou a rede de água para todo mundo. Não chegamos a dividir a água da caixa, mas isso rendeu muito pano para manga”, brinca.

Feira e corredor gastronômico

Há pelo menos 25 anos, a feira tradicional da Avenida Marinha mantém os costumes de se reunir para comer comidas típicas, fazer a ‘feira' dos vegetais ou encontrar alguém conhecido. Os moradores detalham que o ponto era o preferido para paquerar, encontrar amigos e se divertir.

“A avenida era para ser um corredor gastronômico, como a Avenida Bom Pastor, mas perdeu a força para movimentar algo. A feira tem muito potencial. Tem gente que vem de Sidrolândia para curtir uma tarde aqui. Nosso bairro, sem dúvidas, é um dos mais acolhedores da cidade”, finaliza Morandi.

Tradicional feira (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)