Com atestado de óbito e até lápide em cemitério, Cilas briga na Justiça de MS para provar que está vivo
Vivo, Cilas tem em mãos a própria certidão de óbito, enquanto um homem foi sepultado em Campo Grande com sua identidade
Mariane Chianezi –
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Imagina dar entrada em um centro cirúrgico por conta de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), sobreviver e, quando sair do hospital, descobrir que tem um atestado de óbito em seu nome? Foi o que aconteceu com Cilas Paulino de Lima, de 47 anos, morador de um assentamento de Sidrolândia, cidade a 90 km de Campo Grande. Com um documento afirmando que ele está morto e até lápide em cemitério, ele agora briga na Justiça para provar que está vivo.
Cilas conversou com o Jornal Midiamax em Sidrolândia e, diante da situação, ele agora até brinca: “É a primeira vez que vocês cumprimentam um morto”, caçoou com a reportagem. Durante a conversa, ele explicou que tudo começou quando, em 2021, precisou ser internado na Santa Casa de Campo Grande por conta do AVC.
Naquela ocasião, ele recebia o auxílio-doença do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o valor de aproximadamente R$ 1,4 mil, desde quando teve um problema no joelho que o impossibilitou de trabalhar. Com o atestado de óbito lavrado em seu nome e o CPF cancelado, o benefício foi cortado. E só então, “a sua morte” foi descoberta.
“Quando eu tive o AVC, operei e quem passou a cuidar das coisas para mim foi minha mãe. Eu recebi meu benefício por uns meses ainda desde que saí do hospital, mas de repente foi cortado. Conversamos com o dr. Milton Abrão Neto e ele nos falou que o benefício foi cortado porque tinha a informação de uma certidão de óbito no sistema do INSS. Foi aí que a gente soube que tinha essa certidão de óbito de um paciente que estava no HRMS, mas que foi dado o meu nome”, comentou.
No entanto, aí que surge o mistério: Cilas nunca esteve internado no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, unidade onde o suposto homem com a identidade dele faleceu. A certidão de óbito, fornecida pelo advogado de Cilas, detalha todos os dados pessoais dele, como o CPF, identidade, título de eleitor, nome dos pais e data de nascimento. Ou seja, informações pessoais que inviabilizam serem de outro cidadão.
No documento ainda aparece o nome da médica que atestou a morte e as diversas causas que levou o tal paciente ao óbito, cinco no total: covid, choque séptico, insuficiência renal, pneumonia e diabetes. Novamente, Cilas não perde a oportunidade de se entreter com a situação. “Colocaram lá que eu morri de um monte de coisa. Morri bem morrido mesmo”, ri.
‘Esposa’ e lápide em cemitério
As únicas informações que não coincidem com a vida de Cilas é o endereço de sua casa e o nome de uma esposa. A mulher que assinou a declaração de óbito, autorizou a lavratura da certidão de óbito e o sepultamento, chegou a ser procurada pelo advogado da família, mas nunca foi localizada.
Se existe uma morte atestada no hospital e uma certidão de óbito, com certeza alguém foi enterrado. Com as informações constatadas na declaração, a reportagem foi apurar se realmente um Cilas Paulino de Lima foi enterrado no cemitério indicado.
Por ligação, a confirmação: Cilas, ou o homem com sua identidade, realmente foi sepultado no Park Monte das Oliveiras. A lápide onde o corpo foi enterrado não consta o nome de Cilas, mas com o endereço no livro do cemitério, o túmulo foi localizado.
‘Um dinheiro que faz falta’
Meses antes da descoberta da certidão de óbito, o CPF de Cilas começou a apresentar problemas de restrições e isso foi levantando suspeitas da família. A mãe de Cilas, Fátima Pedro de Lima, de 67 anos, conta que a família conseguiu reaver o número do CPF na Receita Federal, mas enquanto a certidão de óbito não for anulada, o INSS não reativará o benefício.
“A gente mora em um assentamento que fica a 80 km de Sidrolândia e precisa viajar mais ainda para ir para Campo Grande levar ele nas consultas. O dinheiro do benefício era para ajudar a arcar com esses custos. Não temos condições, é um dinheiro que faz falta”, afirma.
Como apenas o pai de Cilas é aposentado, a família precisa economizar para garantir o tratamento das sequelas do AVC na Capital.
Processo para provar que está vivo
Quem cuida do caso de Cilas é o advogado Milton Abrão Neto, que ingressou com o pedido de anulação da certidão de óbito para que o morador possa voltar a receber o benefício do INSS.
No processo, consta que, inclusive, Cilas chegou a realizar prova de vida no instituto após a suspensão pela morte, mas que de nada adiantou. Em manifestação, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) recomendou que fosse realizado a colheita das impressões digitais de Cilas no instituto de identificação, entretanto, o processo ainda está em análise.
O processo está em trâmite na 3ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos de Campo Grande, com a juíza Liliana de Oliveira Monteiro.
O que diz o hospital
À reportagem, o HRMS confirmou que um paciente faleceu em um leito do hospital e conforme as informações do prontuário, indicaram que ele se chamava Cilas. “Consta em nossos registros o óbito, entretanto vale ressaltar que o paciente, aqui internado, veio regulado via sistema com toda documentação já registrada. Seu óbito foi repassado à família, que deu seguimento com os trâmites para o sepultamento“, disse em nota.
O advogado solicitou o prontuário do paciente ao hospital, assim como a família de Cilas, mas acesso aos papéis foram negados. Enquanto isso, a família busca entender o que aconteceu e quem é de fato o homem enterrado com a identidade de Cilas.
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