Cansados do mau cheiro e sujeira, os moradores de uma área nobre de Campo Grande denunciaram, em 2019, uma mulher norte-americana, de 67 anos, que viva em meio ao lixo. Atualmente, a casa, que fica no Bairro Vilas Boas rodeada de edificações refinadas, parece abandonada, mas a condenada no processo ainda vive por lá.

Na época da prisão, o cenário encontrado no local surpreendeu os agentes de saúde e a polícia: comida estragada, panelas sujas em que ela supostamente cozinhava, fezes, carne em decomposição, ossos de animais, larvas pelo chão, cães mortos, acúmulo de materiais diversos e entulho. Uma circunstância inimaginável e que não quase ninguém suspeitava de que alguém poderia viver ali.

Naquele ano, o Jornal Midiamax noticiou que a polícia prendeu a mulher sob suspeita de maus-tratos a animais e poluição, que poderiam causar problemas a saúde dela e dos vizinhos. Agora, quase três anos depois, ela foi condenada a 1 ano e 4 meses de prisão por maus-tratos, mas cumprirá a sentença em regime aberto por não ter antecedentes e pelo crime ser de menor potencial.

Ela responderá pelo crime “presa” em sua casa, na mesma residência onde tudo começou.

Da casa abandonada ao processo

Após a prisão, a mulher chegou a ser acolhida em uma unidade do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) para avaliação, onde, segundo a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), deixou a unidade em menos de 15 dias. Já dava indícios que não queria ser ajudada.

Durante o processo, a americana, que tem visto permanente para viver no Brasil, chegou a assinar duas procurações para que advogados a representassem nas audiências, um deles renunciou.

Foto anexada em processo mostra a casa da moradora em 2019 | Imagem: reprodução

Ele alegou falta de comunicação e dificuldade de encontrar a mulher no endereço em que ela vivia e isso não colaborava com a defesa.

Um trecho do processo, inclusive, diz que até o oficial de Justiça deixou de intimá-la em ocasião porque a americana tinha ‘paradeiro incerto’. Mas a defesa explica.

O advogado que defendeu a ré, Alex Rodrigues Ales, disse ao Midiamax que ela ainda mora na casa e como tem muitos conhecidos, acaba saindo e se abrigando em outras residências. Por isso, às vezes, a dificuldade de encontrá-la.

Durante o processo, o advogado argumentou que a moradora precisava de atendimento médico e psicológico “não de cadeia”, pois a americana tinha transtorno de acumulação. No processo, é citado a Síndrome de Noé, que acontece quando o apego é tão grande com os animais que a pessoa permanece com ele mesmo depois de mortos. O que explicaria as carcaças de cães encontradas na residência.

Porém, o argumento da defesa nunca saiu das alegações, pois a americana sempre se recusou a fazer qualquer exame que comprovasse algum transtorno. “Durante o processo eu propus a ela que realizasse os exames [psicológicos] para ajudar no processo, mas ela nunca aceitou. Infelizmente, agora ela tem uma condenação no histórico”, disse o advogado.

Foto anexada em processo mostra a casa da moradora em 2019 | Imagem: reprodução

Relação difícil com vizinhos

A relação com os vizinhos da região nobre da Capital não colaboravam para a vivência da mulher. O advogado diz que ela era discriminada e esse atrito com os moradores próximos pode ter ‘ajudado’ a agravar as supostas questões psicológicas, que acabavam refletindo em como ela cuidava da casa.

Ales relata que os vizinhos não aceitavam a americana no bairro, que, inclusive, chegaram a afirmar à polícia que a casa era ponto de tráfico de drogas e que ela matava os cães para comer. Nada disso foi comprovado. A intenção dela, na verdade, era o oposto a qualquer maldade, diz o advogado.

“Ela sempre acolhia os animais de rua, independente do estado deles. Ela recolhia das ruas e levava no CCZ, mas uma vez foi repreendida para parar de levar os animais e então passou a cuidar deles ela mesma. Aí ela não conseguia dar conta e os animais morriam na casa. Ela queria cuidar”, comenta com a reportagem.

Condenação

A sentença proferida pelo juiz Marcio Alexandre Wust, da 6ª Vara Criminal de Campo Grande, ocorreu em novembro de 2020 e o acórdão, decisão final do processo, foi publicada no dia 27 de junho de 2022.

A pena, que será cumprida em regime aberto, passou a valer a partir de abril, segundo o advogado de defesa. Ela deverá se apresentar à Justiça quando for intimada, não deve se ausentar da cidade, assim como não frequentar lugares noturnos, ficando em casa durante à noite. Além de não se envolver em qualquer outro delito.