O TRT-24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região) confirmou decisão que condenou empresário por escravizar um trabalhador sul-mato-grossense durante aproximadamente dois anos, em uma zona de guerra na África. A vítima, que sonhava com uma vida melhor e maior projeção na carreira, foi obrigada a trabalhar quase 20 horas por dia, sem intervalo para almoço, em condições impróprias e correndo risco por estar dentro de um cenário de conflito armado.

Conforme apurado, o trabalhador operava máquinas pesadas em São Gabriel do Oeste, município distante 133 quilômetros de Campo Grande, quando em agosto de 2014, foi contratado pelo empresário que se apresentava como diretor-administrativo de uma multinacional da produção agrícola, que atuava no continente africano.

Com salário mensal de dois mil dólares na época, o profissional viajou naquele mesmo mês para Damazine, no Sudão, onde desempenharia a função de operador de máquinas agrícolas. No entanto, o trabalho não foi nada do que a vítima esperava. O operador tinha que cumprir expediente diário das 6 horas às 20 horas, com apenas 30 minutos de intervalo, sem horário de almoço e com apenas uma semanal.

Além disso, ele relata que durante os meses de janeiro a maio, período da colheita, era obrigado a trabalhar das 6h até às 23h, com apenas 20 minutos diários de intervalo e sem qualquer dia de descanso. O funcionário ressaltou ainda que, desconhecendo o cenário geopolítico do Sudão, trabalhava em uma região de conflito e não tinha condições dignas de trabalho e segurança.

Com conflitos permanentes entre os governos do Sudão do Norte e do Sul e de grupos terroristas pelo domínio da região, o profissional conta que era constantemente ameaçado e que sofreu agressões físicas por grupos extremistas. Para o advogado da vítima, Mário Cezar Machado Domingos, a situação vivida pelo profissional foi crítica e até análoga ao trabalho escravo.  

“As reclamadas, com o único objetivo de ganharem dinheiro, ou seja, apenas visando o capital, expuseram o reclamante e demais colegas a situações de risco e humilhação, podendo, sem exagero algum, serem equiparadas a condições análogas à escravos. Apesar de saber do conflito e da situação a que os empregados estavam submetidos, as reclamadas não protegeram seus funcionários brasileiros do ambiente hostil, perigoso, sem proteção e longe do seu país. Tais fatos são comprovados por vídeos e fotos”, defendeu o advogado em ação trabalhista para a reparação dos danos sofridos.

O calvário do operador durou até o dia 19 de maio de 2016, quando foi demitido sem justificativa, sem garantias trabalhistas e com 13 meses de salário atrasado, totalizando 26 mil dólares em vencimentos não pagos.  No dia 31 daquele mês, o empresário realizou o pagamento parcial da dívida no valor 19.810,00 dólares, deixando um saldo devedor de  6.190,00 dólares com o trabalhador.

Ao retornar ao Brasil, o homem ingressou com ação judicial buscando reparar os danos sofridos durante quase dois anos no Sudão.   A defesa do empresário tentou a tese de incompetência da Justiça do Trabalho do Brasil no julgamento, pois o contrato seria entre o trabalhador e empresa estrangeira, para anular a ação. “Não há que se falar em aplicação da legislação brasileira ao caso em questão, haja vista que os contratos firmados fora do Brasil se submetem à legislação do local, e não à CLT”, alegou a defesa.

Porém a juíza Ana Paola Emanuelli Pegolo dos Santos afirmou que o contrato foi assinado em solo brasileiro. “Assim, porque comprovada que a contratação se deu no Brasil, rejeito a preliminar supra para, nos termos dos arts. 21, CPC e 651, §3o, CLT, reconhecer a competência da Justiça do Trabalho Brasileira e da Vara do Trabalho de São Gabriel do Oeste para processar e julgar a presente ação trabalhista”, decidiu.

O valor da causa foi atribuído em R$ 493.370,98 e em julho de 2019 a Justiça do Trabalho reconheceu os pedidos do profissional e condenou os réus ao pagamento dos valores devidos. Em abril deste ano, com a relatoria do desembargador Francisco das Chagas Lima Filho, os desembargadores do TRT-24 confirmaram a decisão da primeira instância favorável ao trabalhador.