A retomada vem depois de um período difícil – no ano passado, o recuo nas vendas foi de 4% -, que fez o setor colocar o pé no freio dos lançamentos. Por outro lado, a combinação de aumento da demanda, sem aumento correspondente da oferta, fez com que o estoque de terrenos caísse bastante. De 2018 para cá, o total de lotes disponíveis recuou à metade: de 125,4 mil para 67,4 mil. Só no ano passado, a queda foi de 33%, de acordo com a Aelo. A alta na procura já começa a se refletir nos preços.

Parte desse movimento está relacionada ao vácuo deixado pelas grandes loteadoras na última década, como Alphaville Urbanismo, Scopel e Cipasa. Essas companhias chegaram a ter dezenas de canteiros de obras abertos ao mesmo tempo Brasil afora. No entanto, amargaram prejuízos com a crise de 2014 e tiveram de enxugar as operações. A Alphaville, recentemente, vem apostando no loteamento com a construção de casas pré-fabricadas, ainda para clientes de alta renda.

Vácuo competitivo. “O estoque hoje (de terrenos no País) é uma piada, ele despencou. É um dos níveis mais baixos desde que o mercado de loteamentos se profissionalizou”, afirma Fábio Tadeu Araújo, sócio da consultoria Brain. E ele diz que a crise que envolveu as grandes loteadoras, a partir da metade da década passada, deve dificultar a mudança desse cenário. “Não tem mais competidores nacionais relevantes no setor de loteamentos. É um mercado que começou a depender mais das empresas regionais”, diz o consultor.

A escassez de terrenos no mercado já estimula alguns projetos de porte reduzido a retomarem os lançamentos. É o caso da Urba, loteadora do grupo MRV. A companhia tem meta de lançar entre 4 mil e 4,5 mil lotes em 2021, o que representará um salto considerável em relação a 2020, quando ofertou apenas 250 unidades. Nos próximos cinco anos, as metas são mais ambiciosas, com previsão de 15 mil novos lotes por ano.

“O setor de loteamentos tem bastante procura dos consumidores, principalmente no interior do País. Mas ainda é um segmento pulverizado, com muitas empresas locais. Então, nos deu ‘um clique’ de que faz sentido avançar”, diz a presidente da Urba, Érika Matsumoto.

Tendência é de preços em alta e estabilidade em lançamentos

Se existe demanda e um estoque finito de determinado produto (ou serviço), o caminho natural é que a oferta suba para aproveitar o apetite dos consumidores, certo? No caso dos loteamentos residenciais, de acordo com a Aelo, associação que reúne as empresas do setor, há um empecilho: os altos custos de urbanização, que subiram 50%, atrapalham uma aceleração significativa dos lançamentos de condomínios pelo País. A expectativa, por isso, é que os lançamentos permaneçam estáveis em 2021 na comparação com 2020.

“Esse acréscimo tem trazido mais cautela para os lançamentos”, diz o presidente da Aelo, Caio Portugal. De maneira geral, o executivo também afirma que, apesar da queda brusca nos estoques de terrenos, os preços dos lotes ficaram, em média, 8,5% mais caros. A exceção, diz ele, são os condomínios fechados voltados para a alta renda. Nesses casos, alguns empreendimentos viram uma alta nos valores de venda de até 100% em pouco mais de um ano de pandemia de covid-19.

Nova realidade

A pandemia e o home office fizeram muita gente reavaliar sua situação de moradia. Nesse processo, muitos se voltaram para a compra de um terreno. É o caso do coordenador de planejamento comercial Marcelo Pinhati, de 33 anos: em março de 2020, ele deixou de se deslocar diariamente de Osasco, na Grande São Paulo, onde mora, até São Paulo, sede do trabalho. Por causa da pandemia, está trabalhando de casa. Com a nova rotina, ele e a mulher, Nathalia Chaves, 23 anos, que perdeu o emprego no início da quarentena e passou a vender bolos, repensaram a necessidade de morar perto da capital paulista.

“O custo de vida em São Paulo é muito alto. A gente passou a procurar um lugar no interior do Estado para morar, mas que também não fosse tão afastado. Como o custo de uma casa pronta é muito alto, decidimos buscar um lote”, conta Pinhati.

O casal optou por um terreno de 300 m² em um condomínio na cidade de Itupeva, a cerca de 80 km de São Paulo, que custou R$ 200 mil. Parte do dinheiro para a compra foi economizado pelo casal justamente durante a quarentena – eles gastaram menos com pedágio, combustível e comida fora de casa, por exemplo.

Além disso, Nathalia conseguiu uma renda maior com a venda de bolos do que no trabalho anterior. “Com os juros mais baixos e a facilidade para conseguir o crédito imobiliário, pudemos fazer uma compra em um lugar mais próximo da capital do que imaginávamos”, conta ele.

O arquiteto que vai fazer o projeto da casa já foi contratado, e a ideia do casal é se mudar para lá assim que a obra for finalizada. O coordenador de planejamento comercial acredita que a empresa onde trabalha vai manter o home office, mas, mesmo se houver um retorno presencial – parcial ou total -, o deslocamento até a capital não deve ser um problema.

Para o engenheiro de produção Rodrigo Feriani, de 37 anos, que mora na zona oeste de São Paulo, a pandemia foi a “deixa” para a realização de um antigo sonho: “Sempre tive vontade de morar no interior”. Durante a quarentena, conta ele, ficou evidente a necessidade de a família ter um espaço maior, onde, por exemplo, as duas filhas pequenas pudessem ter um canto maior para brincar

Depois que a decisão de mudar foi tomada, eles escolheram um lote de 300 m² em Itupeva, que custou R$ 190 mil. A ideia é pagar o terreno e, em seguida, iniciar a obra da casa. “Achamos legal a cidade, até pela proximidade com a capital”, afirma ele

Feriani manteve o trabalho presencial na pandemia, mas diz que, mesmo morando no interior, não terá problema com a distância, pois poderá usar o transporte fretado da empresa. E, mesmo se tiver de ir de carro, diz que não levaria muito mais do que 30 minutos.