À medida que a imunização contra o novo coronavírus avança em Mato Grosso do Sul, começam a surgir situações que colocam em xeque os critérios de vacinação adotados pelas secretarias municipais de saúde no Estado. Sem serem exatamente “fura-filas”, a imunização de profissionais da saúde distantes da linha de frente de combate à pandemia revela que há adoção de critérios muito subjetivos, que variam a cada cidade.

Em , a cerca de 130km de , até esteticistas receberam a imunização, enquanto somente na última semana teve início a vacinação de idosos de 78 e 79 anos. Situação semelhante é relatada em , a quase 400km da Capital. Lá, um vereador, proprietário de uma farmácia, e sua esposa, receberam a imunização mesmo sem serem profissionais de saúde, de forma propriamente dita.

Este cenário é reflexo do pouco rigor no texto do Plano Nacional de Imunização, editado pelo Ministério da Saúde em dezembro do ano passado. A normativa determina vacinação prioritária a grupos de riscos e profissionais de saúde. Neste campo, porém, deixa de definir que setores realmente são considerados prioritários. Com isso, o que se vê são profissionais fora da linha de frente e com menos risco dando um “jeitinho” e passando à frente até mesmo de idosos, o grupo mais vulnerável e que tem na vacina a chance de não desenvolver a forma grave da Covid-19.

A situação tem despertado desconfiança na população e incômodo entre especialistas. O infectologista Julio Henrique Rosa Croda, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) criticou a situação. “Sim, é inadequado. Prioridade é quem está na linha de frente. Depois, idosos. Esteticista não é grupo prioritário e nem empresários do ramo farmacêutico”, pontuou.

Julio Croda infectologista
Croda é referência no estudo do coronavírus no Brasil. | Foto: Saul Schramm | Divulgação | Governo de MS

O infectologista também pontuou que a situação ocorre devido a falta de rigor sobre o que seria “grupo prioritário” e, neste universo, que profissionais de saúde estariam contemplados. “Isso acaba beneficiando pessoas que não deveriam ser vacinadas nesse momento. O Governo Federal não determinou claramente quem seriam os grupos, isso ficou a cargo de cada município. Então, a culpa é dos dois, governo e município”, pontuou.

O Jornal Midiamax questionou a SES (Secretaria de Estado de Saúde) acerca da subjetividade observada nos critérios de imunização nos municípios de MS. Em nota, a pasta destacou que todos os 79 municípios receberam diretrizes para condução da campanha conforme o Plano Nacional de Imunização. “Cabe a cada um seguir e priorizar conforme necessidade local. Deve-se atentar ao plano nacional e estadual de vacinação contra a Covid -19”, traz a comunicação.

Linha de frente “já vacinada”

O Jornal Midiamax solicitou posicionamento à sobre a imunização do vereador Jovenaldo Francisco dos Santos e de sua esposa, Rayler Klener Costa Lemos Santos. Em nota assinada pela secretária municipal de Saúde, Juliana Oliveira Dias Corrêa, foi informado que todos os profissionais da linha de frente já haviam sido vacinados.

“Conforme a Resolução nº 33/CIB/SES, a vacinação poderia ser feita em profissionais de saúde, preferencialmente acima de 60 anos. A classe dos farmacêuticos já havia solicitado junto a Vigilância em Saúde a vacinação dos mesmos. Assim como os dois citados, outros profissionais de saúde do segmento de farmácia foram vacinados, preferencialmente acima de 60 anos e depois pegando faixa etária próximas”, pontua a nota.

Falta de rigor em imunização permite a prefeituras vacinarem até esteticistas antes de idosos em MS
Vacinas Covishield e | Foto: Edemir Rodrigues | Subcom-MS

Já a assessoria de São Gabriel do Oeste respondeu ao questionamento da reportagem afirmando que a imunização de profissionais da rede particular de saúde ocorreu com 77 doses exclusivas para a saúde, após todos os servidores ativos da rede pública receberem a imunização. “Cabe esclarecer que TODOS os trabalhadores da saúde serão contemplados com a vacinação, entretanto a ampliação da cobertura desse público será gradativa, conforme a disponibilidade de vacinas.

A comunicação ainda destacou que o ramo da estética está inserida na área da saúde, “por desenvolver ações que auxiliam os profissionais da saúde na promoção do bem-estar físico, social e emocional dos clientes”.

“Nessa estratégia, está sendo solicitado documento que comprove a vinculação ativa do trabalhador com o serviço de saúde ou apresentação de declaração emitida pelo serviço de saúde. Em São Gabriel, os esteticistas vacinados apresentaram diplomação da área e estão diretamente ligados a cuidados domiciliares e atendimentos pós-operatórios”, traz a nota.

“As vacinas destinadas para os profissionais também serão ofertadas, conforme disponibilidade, aos biólogos, psicólogos, assistentes sociais, profissionais de educação física, médicos veterinários e demais profissões que atuem em atividades ligadas à saúde e em espaços e estabelecimentos de assistência e vigilância à saúde, sejam clínicas, hospitais, ambulatórios, laboratórios e outros locais. Trabalhadores de apoio (recepcionistas, , motoristas e outros), assim como acadêmicos em saúde e estudantes da área técnica em saúde e em estágio hospitalar, atenção básica, clínicas e laboratórios”, conclui.

Imunização atrasada

vacinação Campo Grande
Vacinação em Campo Grande | Foto ilustrativa: Leonardo de França | Midiamax

Com seis lotes de vacinas distribuídos pelo Estado desde 18 de janeiro, ainda há quatro cidades de MS não aplicaram nem metade das doses recebidas. Os municípios utilizaram apenas 22,7 mil unidades dos imunizantes até a última quarta-feira (4), tonando-se as localidades com menor taxa de aplicação de doses. São eles: Terenos, Dourados, Japorã e Coronel Sapucaia. De acordo com os microdados do Vacinômetro, disponibilizados pela SES (Secretaria de Estado de Saúde), foram distribuídas 52,9 mil doses para estas cidades.

Com 38,55% de doses aplicadas, Coronel Sapucaia é a cidade que menos aplicou vacinas em MS. A gestão recebeu 4.573 doses e fez uso de 1.763 em 46 dias. A segunda colocada é Japorã, com 2.179 imunizantes injetados dos 5.509 recebidos pelo município. Ou seja, 39,55% das unidades foram utilizadas.

Se segunda maior cidade de MS, Dourados, vem em terceiro, com apenas 18.234 vacinas aplicadas, das 41.522 recebidas pelo município. Na cidade, 43,91% dos imunizantes foram utilizados. Por fim, em Terenos são 601 unidades aplicadas, que representam 44,85% das 1.340 doses de vacinas contra a Covid-19 recebidas.