Reflexo da crise, resto de carne ‘não é mais pra fazer sabão, é pra comer’, revelam campo-grandenses
Restos de carne antes ignorados passaram a fazer parte das refeições diárias da camada mais pobre de Campo Grande
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Antes utilizados para fabricar sabão e praticamente doados nos açougues e supermercados, os restos de carne bovina passaram a ser itens diários na refeição de muitos campo-grandenses. Chamados assim, de restos, aparos, retalhos, pelancas, entre outros nomes, essas partes do boi tiveram aumento exponencial de venda nos últimos tempos, principalmente no período de pandemia, que impôs forte restrição de consumo à classe mais pobre.
O cenário de Campo Grande não chega ao extremo do Rio de Janeiro, onde fotos de pessoas pegando ossos de boi chocaram a todos e rodaram o mundo, mas para quem ainda se dá ao luxo de comer carne vermelha quando bem entende, é uma realidade impactante vivida em todo o Brasil como reflexo da crise econômica.
A reportagem do Jornal Midiamax percorreu uma das regiões mais pobres da Capital, no Parque do Lageado e, tanto em supermercados, quanto em açougues e casas de família, a percepção se repete: as pessoas mais pobres estão substituindo cortes tradicionais por restos de carne.
No supermercado em que Natália Araújo, de 34 anos, é responsável, antes da pandemia, a preço bem baixo, era vendido para os coletores de ossos, de 100 kg a 150 kg de restos de carne por semana. Atualmente, o “osseiro” não leva mais nada.
“Houve um aumento de 100% na compra desses itens. Não sobra nada, de manhã já acaba tudo. Algumas pessoas encomendam o puchero para o dia seguinte”.
No caixa do supermercado ela diz que ouviu uma frase que até hoje ecoa em sua mente. “Não é mais pra fazer sabão, é pra comer mesmo”.
Tanto aumento na procura inflacionou o preço desse tipo de mercadoria. Responsável por outro supermercado na região, Jéssica Duenhae diz que antes vendia o quilo dos retalhos a R$ 1,50 o quilo, agora cobra R$ 2,99 o quilo.
“Reparamos também um aumento do consumo das aves. Quem trabalha com salário mínimo atualmente não consegue comer carne todo dia”, completa Jéssica.
No açougue em que Flávia Moreira, de 30 anos, trabalha, o aumento na compra dos restos foi de cerca de 60%. “Quem comprava uma quantidade de carne está comprando menos ou substituindo. Pé de galinha, puchero, fígado, antes era carne que ninguém queria, agora vende todo dia”
Kauane do Santos, de 21 anos, desempregada, confirma a triste realidade observada no comércio. Morando numa casa com mais sete pessoas, tudo é aproveitado e reaproveitado
“Compro sempre uma mistura em conta, frango, salsicha e retalho. Ainda não chegou no osso, mas a pelanca a gente coloca no feijão e dá pra fazer óleo com ela. Você frita e o óleo dela você usa pra fazer outras comidas. Porque o óleo também está caro”, explica Kauani sobre como aproveita ao máximo o que consegue comprar no açougue
Já Mariluce Magalhães Siqueira, de 40 anos, conta que antes, quando podia catar coisas do lixão próximo a onde ela mora, sua mesa era mais farta que agora. “Eu tinha iogurte, arroz, feijão, tudo vinha do lixão. O que era lixo pra eles, pra gente não era. Até o puchero, segundo ela, está caro. “Antes era R$ 3,00 o quilo agora está R$ 12,00”.
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