Carlos partiu, mas deixou um legado de valorização da cultura indígena que deve se “perpetuar e se espalhar como sementes”. A avaliação é da advogada Tatiana Azambuja Ujacow, dirigente do Rede Sustentabilidade e amiga da liderança indígena que, no sábado (12) faleceu em Brasília aos 66 anos por complicações da Covid-19.

Carlos Terena morreu no sábado (12) em um hospital de campanha de Brasília, após 17 dias internado por conta do novo coronavírus (Covid-19). O sepultamento também ocorreu na capital federal, em razão dos protocolos de biossegurança para lidar com a doença.

“Foi um grande líder, um amigo, alguém que conseguiu reunir os povos indígenas do Brasil todo e que foi reconhecido internacionalmente por trazer, através dos Jogos, essa união e mostrar esse sentimento diferente dos povos indígenas de que o importante não é competir, mas celebrar”, destacou Tatiana, que acompanhou várias edições da celebração “e senti ali o espírito de fraternidade e reafirmação da identidade dos povos indígenas”.

A advogada lembra que o sonho de Carlos Terena de realizar os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas gerava entre seus protagonistas “uma sensação única de pertencimento, de os indígenas estarem ali com o propósito da fraternidade”.

Sobre o pai dessa ideia, ela reforça o papel de liderança de Carlos Terena. “Ele será para sempre um líder. Tinha muito o espírito de realizar e ser combativo naquilo que acreditava. Mas tinha muito do amigo, conselheiro, da pessoa que conseguia, em meio a tantas etnias, ser um elo pacificador entre as pessoas”.

Ao lado dessa postura de liderança, havia também um lado que não gostava dos holofotes, lembra a advogada. “Era reconhecido internacionalmente, mas também era discreto. Tinha um amor muito grande pela causa e uma força imensa. É difícil acreditar que a Covid levou mais um guerreiro na luta pelos direitos, e ele lutava muito pelos direitos dos povos indígenas pelo esporte e a cultura, que une as pessoas”.

Para irmão, Carlos foi ‘comandante' e conseguiu alcançar seu sonho

“Carlos tinha um temperamento de comandante. E foi essa personalidade que fez com que ele alcançasse o sonho dele de reunir os povos indígenas do mundo”. Com essa frase, o advogado Marcos Terena define o irmão, o pajé Carlos.

“Com a realização dos Jogos Mundiais e também dos Jogos dos Povos Indígenas ele conseguiu alcançar seu sonho. Reuniu povos das Américas, África, Ásia, Rússia… e com isso mostrou para os indígenas que se trata de uma caminhada sem volta”, destacou Marcos, referindo-se ao legado do irmão, que indica a necessidade de os mais jovens: a espiritualidade dos povos indígenas.

Como exemplo, ele cita que a abertura do evento sempre envolve o “fogo sagrado”, acendido por um pajé mais velho, a fim de reforçar um elemento que vai além do esporte tradicional ou da cultura propriamente dita. Além disso, salientou o caráter de integração dos jogos: disputas nas quais não há um juiz.

Segundo Marcos, isso reforça algo que Carlos pretendia exaltar no evento. “Uma competição onde não há um juiz tradicional, mas sim uma celebração, na qual todos são campeões”.

‘Ele chegou ao hospital bem grave'

Marcos lembrou que, além de pajé, Carlos Terena era da linhagem Sukrikeono –enquanto o irmão é Xumono. “Os terenas têm duas linhagens e, apesar de sermos irmãos, podemos ter linhagens diferentes. Ela só aparece depois dos 60 anos, mais ou menos, sendo uma distinção tradicional: não é alguém que vai dizer ou você quem vai se autodenominar”, contou, citando o arranjo social dos terenas que “dividem” as aldeias em 2 grupos.

Fora desse ambiente, o advogado afirma que o irmão era a pessoa mais cuidadosa da família em relação ao coronavírus, não sabendo ao certo como ele pode ter se contaminado. Carlos se preparava para vir a Campo Grande ajudar nos cuidados com a mãe. Antes da viagem, porém, começou a manifestar os sintomas de uma –revelando-se depois ser algo mais assustador. “Ele chegou ao hospital bem grave”, disse Marcos.

Em nota divulgada em redes sociais, o comitê organizador dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas lamentou a morte de Carlos Terena, que “cumpriu sua missão”. “E partiu para campo dos ancestrais, aos 66 anos, na noite deste sábado (12), em Brasília, devido a complicações decorrentes da Covid-19”.

“Carlos Terena será sempre lembrado por sua coragem, intrepidez, inteligência e sabedoria ancestral. Foi um líder, realizador, homem visionário, apaixonado por suas raízes, tradições e cultura. Ele nos deixa um legado de paixão pelo trabalho com os povos indígenas, de sempre acreditar nos nossos sonhos e uma forte inspiração: para sempre ter orgulho das nossas origens e de quem somos”.