Confinados, com problemas no abastecimento de água e com limitações de atendimento dos profissionais que atuam nas aldeias, por falta de equipamento de proteção individual, os indígenas das aldeias Jaguapiru, Bororó e também das áreas conhecidas como retomadas, continuam vulneráveis aos riscos de contaminações pelo coronavírus.

Além da falta de abastecimento de água e saneamento básico, eles reclamam do descaso das autoridades públicas. “Faz dias que a Funai não manda ninguém aqui para ver como é que o nosso povo está. Temos fé nas nossas crenças, que ajuda a gente a se proteger. Mas tem hora que não temos água nem para beber, quanto mais para fazer as nossas higienes”, reclama uma moradora da aldeia Jaguapiru.

Segundo a mesma moradora, os indígenas que vivem nas aldeias sabem que precisam tomar cuidados para evitar contaminações, no entanto, a realidade chega a ser cruel. “Tem dia que a gente precisa escolher entre tomar banho e cozinhar. Assim fica muito difícil seguir as orientações que a gente ouve nas notícias”, conta a indígena.

“Tenho duas caixas. Quando a água chega, fico até tarde da noite esperando elas encherem para poder usar nos outros dias. E tem dia que essa água não vem e a gente entra em desespero”, conta outra moradora da aldeia Bororó.

Segundo levantamentos do Cimi  (Conselho Indigenista Missionário), na Reserva Indígena de vivem 18 mil indígenas Guarani Kaiowá e Terena dividindo 3.475 hectares de área. Tal extensão vem há décadas se mostrando insuficiente para a reprodução física e cultural dos indígenas, sobretudo de acordo com o modo de vida dos Guarani Kaiowá.

Na avaliação do Cimi, a pandemia do coronavírus, em um ambiente social com desafios bastante semelhantes às favelas nas periferias dos centros urbanos, tem gerado preocupação em uma projeção de disseminação do vírus na Reserva. “São duas aldeias, Bororó e Jaguapiru, além de oito retomadas a menos de 4km do centro da cidade de Dourados – proximidade que a transforma em um grande bairro periférico e empobrecido”, diz uma publicação do Cimi.

Entretanto, apesar dos problemas enfrentado pelos indígenas, até o momento nenhum relatório epidemiológico da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) apontou casos confirmados ou suspeitos no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Mato Grosso do Sul. No Brasil, existem 13 casos suspeitos entre indígenas, sendo quatro do DSEI Interior Sul, um no Alto Rio Solimões, um em Alagoas e Sergipe, um no Ceará, um em Cuiabá, um no Amapá e Norte do Pará e dois no Maranhão.

Mesmo sem casos suspeitos entre os indígenas no Mato Grosso do Sul, por enquanto, o temor existe porque o governo federal não apresentou até o momento um plano de combate ao novo coronavírus junto às aldeias. Tampouco os povos indígenas foram considerados como pelo , o que não implica cuidados específicos e diferenciados.

Segundo a enfermeira Indianara Ramires Machado, que mora na Aldeia Jaguapiru “a demanda de atendimento nas aldeias é muito  grande e requer uma logística que seja mais eficaz”,  uma vez que envolve uma população que pode chegar a quase 20 mil indígenas só em Dourados”, considerando as aldeias e também as retomadas nas proximidades da reserva.

“Em termos normais nós já temos essa dificuldade e escassez de políticas públicas que realmente contemple a comunidade na segurança, no saneamento, na educação e na saúde. Diante de uma pandemia isso só gera mais preocupação ainda para nós moradores aqui da comunidade porque sabemos que em algumas casas a água não chega e quando chega é uma vez por semana ou em alguns períodos do dia”, explica Indianara.

Segundo ela , é muito difícil estar vivendo uma pandemia diante de uma situação em que a orientação básica é a lavagem de mãos. “Como é que as pessoas vão seguir esses procedimentos se elas nem têm água em casa. Mas de qualquer forma estamos repassando essas recomendações em nossas comunidades, apesar de algumas pessoas não terem condições financeiras para ter acesso a álcool gel e outros gêneros de higiene”, relata a enfermeira.

A indígena atende na Unidade de Saúde localizada na Reserva e tem ajudado caciques e demais lideranças a entender a doença e estabelecer formas de prevenção. Ela explica que a orientação é a de não ir para a cidade além do necessário, não levar crianças ou idosos e evitar ao máximo o contato pessoal. “Esse ponto complica porque a Reserva é pequena, vivemos amontoados. O isolamento social é mais difícil”, diz.

“Temos idosos, diabéticos e hipertensos. Planos de contingência e monitoramento são parte do processo, mas é preciso fortalecer alguns pontos: garantir água nas casas, garantir alimentos chegando dentro da aldeia. A longo prazo é trabalhar como grupo de risco, não apenas para monitorar”, afirma a enfermeira.

Isolamento

Apesar da prefeitura de Dourados  ter flexibilizado algumas medidas, como a reabertura do comercio de Dourados, as ações adotadas pelas lideranças das aldeias continuam vigentes, como restrição de acesso, principalmente de pessoas que não residem na reserva e suspensão de reuniões sociais e religiosas.

“Todos os cultos nas igrejas para evitar aglomeração de pessoas e estamos conversando com os moradores para que continuem tomando cuidado”, disse o cacique da Aldeia Bororó, Gaudêncio Benitez .

Além das medidas de restrição, as comunidades indígenas continuam utilizando as redes sociais, em tempo real para orientar os moradores. “Como nem todos tem acesso a internet,  um  morador avisa o outro”, afirma Galdêncio.

“Nossa programação está totalmente voltada para a divulgação de informações e orientações sobre o coronavírus. Temos correspondentes na Jaguapiru e também na Bororó”, explica Gilberto Fernando Fernandes, da FM Indígena, que faz transmissão via facebook.