É notório o despertar da sociedade, a partir de estudos, pesquisas e campanhas, para reflexão e amadurecimento sobre a causa da proteção aos animais. Essa questão ímpar direciona trabalhos desenvolvidos e publicados no âmbito do Grupo de Pesquisa , Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global e que contribuíram para levar a menção da no Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU A/74/236 de 2019) como uma das Universidades que debate a temática dos direitos e da proteção da natureza.

Coordenadora desse grupo de pesquisa, assim como do Programa de Mestrado em Direitos Humanos e do Projeto Cooperação Internacional e Meio Ambiente – Fundect/MS, a professora Lívia Gaigher B. Campello afirma que “essa menção no Relatório da ONU é extremamente importante, pois traz um grande reconhecimento para a Universidade, bem como para suas pesquisas, ressaltando, deste modo, a relevância do fomento às discussões de dimensão internacional no âmbito acadêmico para que possamos avançar em todos os níveis, tanto localmente, quanto nacionalmente e globalmente”.

O projeto de pesquisa em questão –  “Direitos dos animais na era do desenvolvimento sustentável global” – foi iniciado em 2018 com a proposta de analisar e debater a proteção dos animais não humanos no ordenamento jurídico brasileiro, e tem como base dois princípios chave do direito ambiental: a dimensão ecológica da dignidade humana e a solidariedade interespécies.

“Isso torna possível tratar da dignidade do animal não humano como uma questão jurídica relevante no contexto de busca pela realização do paradigma global do desenvolvimento sustentável”, expõe.

Professora Lívia Campello e a acadêmica Patrícia Estolano no Conpedi

Importantes resultados possibilitaram a apresentação de pôsteres no evento do Conpedi em Porto Alegre, no Integra – UFMS e no Congresso Internacional de Direitos Humanos (CIDH – UFMS/UCDB), bem como a apresentação de um resumo expandido no Congresso da Federação Nacional dos Pós-Graduandos em Direito que foi realizado em no final de 2019. O projeto tem a participação direta da bolsista de iniciação científica Patrícia Estolano, da de Direito, assim como a colaboração dos demais membros do grupo de pesquisa.

Legislação

A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978, é um dos principais nortes dos princípios que devem ser obedecidos pela comunidade internacional no que tange aos direitos dos animais. Já em seu artigo 1º estabelece que “todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência”.

No Brasil, a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5197/67) proíbe o exercício da caça profissional e do comércio de espécies que a impulsione.

“Mas foi a Constituição federal/88 o grande marco divisor na matéria, vez que previu a proteção aos animais enquanto direito difuso de todos, presentes e futuras gerações. Mais especificamente no art. 225, parágrafo 1º, inciso VII, definiu como incumbência do Poder Público o dever de proteção da fauna ao vedar as práticas que ocasionam extinção ou que sejam cruéis aos animais”, a professora.

A Lei 9605/98, que dispõe sobre as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, tipifica no artigo 32 como crime os atos de abuso, maus-tratos e cruéis, como aqueles que causam ferimentos ou até mutilação aos animais em categoria ampla, sejam eles silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa.

“Portanto, configuram crimes os atos de abuso aos animais, por exemplo, submetendo-os a trabalhos excessivos, maus-tratos como abandono de animais, atos de violência ou privação de alimentos e até mutilação de membros ou partes do corpo. Para fins didáticos ou científicos também se aplica a norma se forem realizados experimentos dolorosos em animal vivo, havendo métodos alternativos”, explica Lívia.

Apesar das leis de proteção existentes, a leve punição é questionada. “É realmente difícil aceitarmos que crimes bárbaros cometidos covardemente contra animais indefesos sejam apenas punidos com detenção”.

O Projeto de Lei n. 1095/2019, em tramitação no Congresso Nacional, propõe aumento de pena com imposição de reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição de guarda de animal para casos de maus-tratos a cães e gatos, tornando possível, inclusive, que a pena possa ser cumprida até em regime fechado.

Infelizmente, segundo Lívia, a mudança é restrita a cães e gatos e não se aplica aos demais animais, os quais inclusive já foram protegidos por decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Nesse sentido, portanto, trata-se de um debate que deve continuar sendo fomentado, de modo que a proteção a ser conferida aos animais domésticos possa também ser ampliada aos demais seres que merecem igual respeito pela sua dignidade e sensibilidade”, completa.

Dificuldades

A deterioração do habitat dos animais silvestres, assim como o tráfico de espécies, são as principais barreiras no enfrentamento aos males que os afligem. Entre os animais domésticos e não-domesticados, um dos principais desafios consiste no combate às práticas cruéis que, em muitos casos, colocam a proteção dos direitos dos animais em conflito com outros direitos como aqueles que envolvem práticas culturais, religiosas e até econômicas.

Para a pesquisadora, “é necessário buscar uma ponderação que realce a sensibilidade, dignidade animal e a convivência harmônica entre os seres vivos”.

A discussão no âmbito do Mato Grosso do Sul, segundo Lívia, é de grande importância para desenvolver um pensamento crítico no que se refere às práticas comuns no estado que envolvem os animais. “Além disso, também colabora para aumentar a proteção da fauna do MS, uma vez que estamos diante de habitats extremamente ricos em diversidade biológica, como é o caso do Cerrado e do Pantanal”, diz.

O curso de Direito da UFMS fomenta essa discussão localmente, por intermédio das aulas de Direito Ambiental e Direito Ambiental Aplicado, ministradas pela professora Lívia.

Nos últimos anos, o STF teve de decidir sobre muitos casos de conflito entre os direitos dos animais e questões culturais, religiosas e até econômicas.

“Felizmente, o STF posicionou-se, em grande parte das decisões, de forma favorável à proteção dos animais, proibindo algumas práticas como: a farra do boi, a briga de galo e a Vaquejada. Insta destacar que ao enfrentar a questão relativa às práticas religiosas de matriz africana que envolvem os animais, o STF posicionou-se favorável a tais práticas por considerar que os animais não sofriam crueldade no decorrer das cerimônias, sendo que, muitos deles, serviam de alimentos após as atividades religiosas. Todavia, essas decisões direcionadas para a proteção dos animais demonstram a evolução de uma tendência jurisprudencial voltada para maior proteção dos animais”, aposta a pesquisadora.

Educação ambiental

A educação ambiental é uma forte aposta dos estudiosos e defensores da causa para reverter o quadro de maus tratos e crueldade contra os animais. Além das garantias legais, busca-se disseminar uma consciência voltada para uma concepção que abandona a ideia do animal enquanto ‘coisa’ e que o coloca como um ser vivo cuja dignidade deve ser respeitada.

“Para tanto, a educação ambiental é essencial para o desenvolvimento de uma cultura de respeito aos animais e, de forma mais abrangente, a todas as formas de vida e ao ecossistema natural”, acredita a pesquisadora.

Ainda em âmbito internacional, o movimento Harmony With Nature discute questões ligadas aos direitos da Natureza de forma ampla, no intuito de fomentar uma visão biocêntrica e implementar o respeito a todas as formas de vida e ao ecossistema como um todo.

“Quando falamos em direitos dos animais precisamos nos afastar unicamente da visão antropocêntrica sobre o meio ambiente para nos aproximarmos também de uma concepção biocêntrica que nos coloca enquanto seres que fazem parte e dependem da Natureza e nos desafia a respeitar e proteger cada vez mais a vida em todas as formas e os ecossistemas”, enfatiza.

Denúncias de maus-tratos aos animais podem ser feitas às Polícias e Civil, ao Ministério Púbico, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, às secretarias do Meio Ambiente e aos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária.