Atleta e com saúde de ferro, é assim que a sobrinha lembra de Patrocínio Naveira, a terceira vítima fatal de em . O dentista de 74 anos foi incluído no boletim da SES (Secretaria de Estado de Saúde) como hipertenso, diabético e um dos óbitos causados pelo vírus neste domingo (03). Hellen Calvino afirma que o tio não sofria de nenhuma dessas doenças e lamenta a forma que a morte foi divulgada pelo órgão.

Ainda abalada pela morte do tio e a divulgação em documentos oficiais, a estudante do quarto ano de medicina lembra de como o dentista era. “Estão colocando como se a doença matasse apenas pessoas idosas e com doenças de base, mas meu tio tinha 74 anos e uma saúde de uma pessoa de 50, ele nadava, mergulhava sempre, não tinha nenhuma doença”.

Sobre o câncer que Patrocínio enfrentou, Hellen lembra com clareza de que a cirurgia de retirada do nódulo foi curta e rápida. “O câncer que ele teve há um ano atrás não precisou fazer radioterapia, nem quimioterapia, foi um nódulo retirado por meio de cirurgia. Então assim, ele não tinha nada de debilidade”, comenta, com a voz trêmula.

Morte por coronavírus

Hellen, como familiar de uma das vítimas do coronavírus, acredita que existe uma falsa ideia sobre quem pode se tornar uma vítima fatal da doença. “O que eu senti nesse momento é que usaram disso, da idade dele, do câncer, que ele teve apenas um nódulo, para justificar a morte. Falarem na leitura que ele era hipertenso e diabético, isso foi um insulto para a gente que conhecia ele”, fala indignada.

A sobrinha do dentista, afirma que irá buscar o laudo médico oficial nesta segunda-feira (04), mas adianta que as informações constam apenas a morte causada por coronavírus. Com um pouco de dificuldade para falar e longas pausas, ela lembra dos últimos dias de vida do tio.

“Nós passamos 38 dias tentando fazer com que ele melhorasse, não é justo que as pessoas usem o caso dele para classificar como alguém que tem doenças, ele não tinha. O meu tio morreu por doenças respiratórias, por coronavírus, que destruiu 75% dos pulmões dele”. Entre o choro e pequenos soluços controlados, Hellen relembra que Patrocínio trabalhou normalmente um dia antes de ir para o hospital. “Meu tio só percebeu e procurou ajuda porque ele não conseguiu mergulhar naquele dia”, termina a frase antes de cair nas emoções.

Após uma pausa, a sobrinha revela que, também no dia anterior à internação, o dentista realizou exames completos para verificar a saúde. Com os exames em mãos, a sobrinha afirma que não foi detectada nenhuma outra enfermidade nele, além do coronavírus. “Ele não é um paciente com complicações, ele morreu por destruição pulmonar, causada pelo Covid-19”.

A dor de uma família

De atleta e nadador no dia 23 de março, para uma maca de hospital e com tubos para ajudar na respiração apenas um dia depois, essa foi a última trajetória de Patrocínio. “Isso judia da gente, minha tia está sofrendo há 38 dias e ficou 15 dias hospitalizadas também”, lembra a sobrinha sobre a dor da família.

A esposa do dentista também é uma das vítimas de coronavírus em Mato Grosso do Sul, segundo a sobrinha, a tia também precisou ser internada por conta do vírus. “Ela ficou doze dias internada e nesses dias ela teve pneumonia bacteriana, não conseguia comer, problema no esôfago e tudo que você puder imaginar, causado pelo coronavírus”, descreve.

Ainda sobre Patrocínio, Hellen relata que ele era uma pessoa de bem com a vida, que saia todos os dias para trabalhar, mas que nunca ficava um dia sem praticar algum tipo de esporte. “Fazia a natação dele sempre, minha tia até falava para ele não ir algumas vezes e ele em nenhum momento deixava de fazer. Ele motivou quase todos os amigos dele a fazerem natação para melhorar a saúde também”, diz, em um momento de alegria ao lembrar do tio falecido.

Para a família, além das memórias felizes, o que fica é a dor da perda. “Quando ele faleceu foi muito difícil, porque o quadro dele era de uma melhora”, lembra a estudante de medicina.

“As pessoas não se conscientizaram”

Quando olha nas ruas, Hellen afirma que o sentimento é de “pena”. “Tenho pena, porque a pessoa só vai cair em si quando ela sentir na pele o que é estar ali dentro, vivenciar isso tudo, vê uma pessoa que você conhece passando dificuldade para respirar e morrer porque não conseguia mais respirar”.

Citando a situação e quantidade de mortes que são registradas em e , a sobrinha de uma das vítimas do coronavírus acredita que as estatísticas não fazem mais efeito. “Falar só e mostrar as estatísticas, a gente está vendo, mas as pessoas não se conscientizam sobre o que está acontecendo em nosso país”.

Sobre a dificuldade de praticar o , a única forma de enfrentamento do coronavírus até o momento, Hellen comenta que é preciso pensar nos males que você evita. “É difícil ficar sozinho, eu sei, porque fiquei isolada sozinha em um apartamento mais de 15 dias. Tive contato com duas pessoas contaminadas, meus tios, e preferi me afastar da minha família para proteger eles”.

Mais uma pausa para emoções e Hellen menciona a filha de seis anos e o esposo, que ficaram longe por duas semanas. “Para mim não foi nada fácil, mas todo momento em que eu olhava para a janela eu pensava: é melhor eu estar aqui dentro sozinha do que correr o risco de estar assintomática e contaminar alguém, porque esse alguém pode não ter uma força no sistema imunológico”.

Em nota, a SES informou que “qualquer caso suspeito de Srag precisa ter preenchimento da ficha de notificação SIVEP-Gripe, seguindo portaria do Ministério da Saúde. O Campo 35 da ficha SIVEP-GRIPE questiona se o paciente possui fatores de risco e comorbidades”. E explica que “por razões éticas e sigilo dos pacientes não divulgamos os documentos oficias preenchidos por profissionais de Saúde”. Confira a nota na íntegra, clicando aqui

*Matéria atualizada às 13h30 do dia 04 de maio de 2020, para inclusão do direito de resposta.