Retrospectiva 2020: Incêndios devastaram Pantanal de MS e recuperação pode levar anos, dizem especialistas
O incêndio que devastou o Pantanal neste ano foi o maior já registrado na região dos últimos 50 anos. A fauna e flora ainda estão em processo de recuperação, mas especialistas estimam anos até que a perda no bioma seja restaurada. O analista ambiental do Ibama, Alexandre Pereira, se emociona ao contar os meses que […]
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O incêndio que devastou o Pantanal neste ano foi o maior já registrado na região dos últimos 50 anos. A fauna e flora ainda estão em processo de recuperação, mas especialistas estimam anos até que a perda no bioma seja restaurada.
O analista ambiental do Ibama, Alexandre Pereira, se emociona ao contar os meses que passou longe de casa e a dedicação dos colegas no trabalho de combate em meio à chamas assustadoras.
“Foi um ano bastante difícil porque os incêndios começaram num período atípico. Nós não estávamos preparados, tanto que foram abertos vários recursos para adquirir equipamentos. No segundo semestre, que é o esperado para temporada de fogo, nós já estávamos na ativa, mas não tivemos nem tempo de fazer o trabalho preventivo. Nós observávamos o cenário de catástrofe e nos perguntávamos ‘vamos dar conta?’ e, com muito esforço, conseguimos”, disse.
A força-tarefa envolveu mais de 300 pessoas no Estado, dentre voluntários, brigadistas, Corpo de Bombeiros, Forças Armadas, Ongs e institutos de vários lugares do país. Segundo Alexandre, por várias vezes as equipes chegavam nos abrigos exaustos tanto emocionalmente como o cansaço físico.
Mortes
“Muitas das vezes, a sensação do pessoal era de impotência total. Todos os dias eram de muito cansaço, muita luta. Todos nossos brigadistas foram levados ao limite de cansaço físico e mental. Foi uma temporada extremamente difícil. Perdemos vidas nos combates, perdemos dois com a queda do helicóptero, homens que perderam a vida lutando pelo Pantanal”, desabafa.
As dificuldades eram inúmeras, como o difícil acesso aos locais de serra, onde o transporte das equipes era feito com aeronaves. Já nos locais, os homens tinham que lidar com o calor intenso das chamas na vegetação e o mormaço do solo e das planícies quentes.
Fumaça nas cidades
Os impactos do fogo não se concentravam apenas nas regiões de serra, a fumaça também se alastrava pelos céus de Corumbá e Ladário. A cidade branca chegou a ficar encoberta pelas cinzas durante meses. “Além da fumaça nas cidades, o fogo ameaçou casas de famílias ribeirinhas, por várias vezes tiveram que ser removidas as pressas”, explicou o analista.
A baixa no Rio Paraguai contribuiu para na seca nas regiões e, consequentemente, no avanço das chamas pela mata. Conforme o diretor-presidente da organização não governamental Ecoa, André Luiz Siqueira, desde o ano passado o monitoramento vinha registrando situação atípica na umidade do ar, chuva e aumento da temperatura na região. Ou seja, situação de incêndio no Pantanal foram consequência direta do clima de 2019.
“Este ano, o Rio Paraguai chegou perto do seu nível regular, junto com seus afluentes, como o Rio Miranda. A represa tem uma vazão mais lenta, e tem uma influência grande na inundação de milhares de hectares pelo Pantanal. As cheias regulares extraordinárias tinham regulagem desde 1974, o que não aconteceu em 2019 e 2020. Tivemos um período atípico, sem chuva perdurada até dezembro, tanto que as queimas foram mais severas”, explica.
Estado chegou a decretar situação de emergência e a proibição de queimadas controladas até o fim do mês de novembro.
Recuperação de anos
Institutos e Ongs iniciaram planos de recuperação nas regiões atingidas, o maior refúgio mundial das araras azuis, na reserva São Francisco do Perigara, já está passando pelo processo de mitigação. A bióloga e presidente do Instituto Arara Azul, Neiva Guedes, conta que já foram instalados ninhos nos locais afetados e que continuam sendo oferecidos cachos de bocaiúva para as aves.
“A gente sabe que os efeitos dos impactos são muito danosos até depois do fogo. Um ano depois, quando essas araras forem se reproduzir, terá menor quantidade de cavidades nas árvores, mais competição. É muito lenta a recuperação. Os que não vão nascer esse ano, vão afetar a reprodução que aconteceria daqui alguns anos”, lamenta.
Neiva ressalta que mesmo com o surgimento do verde, a situação está longe de ser considerada normalizada na fauna e flora, pois algumas espécies estão com menos animais do bando. Um dos alertas é na conscientização de moradores, fazendeiros e turistas para importância da preservação ambiental.
“Por mais que eu conhecesse sobre as araras e os ambientes delas, isso iria muito além das minhas possibilidades de evitar e acabar com os incêndios. A perceptiva de que a seca, escassez de agua está além do pantanal, mas é acentuado com nossas ações, como combate ao desmatamento. ”
Patas queimadas
Animais resgatados com partes do corpo queimados e debilitados, estiveram sob cuidados do Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres). Conforme a médico veterinário e responsável técnico do local, Lucas Cazati, os trabalhos de resgate foram desafiadores, pois, os incêndios de grandes proporções atingiram muitas vidas.
Alguns bichos já foram soltos na natureza, como um gavião-de-asas-de-telha e uma cutia. A Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), informou que outros animais também recuperados foram devolvidos ao habitat natural, mas não mencionou o quantitativo deles.
A onça-pintada ainda segue em tratamento e não tem uma estimativa de quando deve retornar a mata. De acordo com a equipe, o felino macho apresenta um quadro significativo de melhoras com cicatrização total dos membros afetados pelo fogo. As patas queimadas foram restruturadas com escamas de tilápia.
“Hoje o animal ganha peso e tamanho se alimentando muito bem, resultado dos esforços. A equipe de resgate, que o capturou, batizou o felino macho de Joujou”, explicou o profissional.
E os culpados?
Em novembro, a Polícia Federal concluiu o inquérito e as provas coletas indicam que fazendeiros próximos, sendo quatro produtores rurais, são os principais suspeitos de provocar focos na Serra do Amolar, que logo se alastrou para outras regiões.
Peritos analisaram imagens de satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e até da Nasa (do inglês, Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) e encontraram indícios de ação humana. Depoimentos de trabalhadores rurais e moradores da região complicaram ainda mais os fazendeiros.
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