O ex-diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, o médico infectologista Júlio Henrique Rosa Croda, assistiu de perto o início dos embates entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que está na iminência de deixar o cargo.

Croda, que também é professor na UFMS e pesquisador na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), foi um dos primeiros a se descompatibilizar com a pasta da Saúde após as interferências de Bolsonaro contra o isolamento social ganharem grandes proporções, já no fim de março.

Nesta quinta-feira (16), Croda concedeu entrevista ao Jornal Midiamax, na qual considerou que a saída de Mandetta pode trazer um resultado trágico ao país, caso o discurso do governo não seja unificado.

“É importante ter uma resposta unificada no país, principalmente em relação ao isolamento social. Isso serve, principalmente, para dar subsídio para municípios seguirem a crise de maneira oportuna e orientada. Veja que há muitas regiões pobres, como no caso do Cone Sul, em MS. Se a doença se alastrar por la’, muitas pessoas vão precisar de leito de UTI, e a região não dispõe. Quando falamos de sobrecarga do sistema, é justamente disso. Não ter atendimento para todos”, aponta o infectologista.

Falta de discurso unificado no Governo vai prejudicar combate à pandemia, avalia infectologista
O pesquisador também tem auxiliado a SES, ao lado da esposa Mariana Croda, em aspectos técnicos para enfrentamento da pandemia | Foto: Reprodução

Croda avalia que, se até mesmo os países mais organizados – como a Itália, França e os EUA – enfrentaram a falta de leitos, a situação no Brasil pode ser caótica, caso a quarentena não seja incentivada. Segundo o médico, porém, o modelo de isolamento praticado no Brasil até o momento não é uma quarentena, no aspecto técnico. Porém, trouxe resultados positivos.

“Se avaliarmos bem, em nenhum momento houve quarentena no Brasil, ao menos não aos moldes do que foi feito na China e na Itália, quando sair de casa era proibido, gerava multa, prisão, e havia policiamento ostensivo. Então, não vivemos uma quarentena propriamente dita, mas um meio termo, no qual quem pode, deve ficar em casa, e quem não pode, sai para trabalhar, mas toma os cuidados”, considera.

Modelo ideal

O médico considera que o modelo atual é eficiente, pois proporciona redução do contato social, mas não compromete inteiramente a economia. Ele aponta que qualquer redução já é eficiente no achatamento da curva de transmissão e considera que o aumento na taxa de isolamento refletiu positivamente no cenário atual e ainda não sobrecarregou o sistema na maior parte do país. A redução da taxa de isolamento, porém, desperta preocupação.

“O que foi feito até agora foi efetivo. Mas, para continuar assim, precisa ser mantido. Não é o momento de relaxar. Se a gente retomar nossa vida normal, como muitos pregam por aí, será caótico, como já se observa em alguns Estados. O Ceará, por exemplo, está com 100% da rede ocupada com pacientes”, considerou.

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Isolamento não precisa ser radical, mas precisa ser incentivado, segundo infectologista | Foto: Marcos Ermínio | Midiamax

O posicionamento do médico parece polêmico, mas Croda explica que a quarentena não precisa, necessariamente, seguir normas radicais: não cumprir o isolamento total não significa que se pratica o não-isolamento.

“O discurso extremista nas redes sociais, nos debates mais acalorados, trazem esses dois extremos e desconsideram que há muitas realidades nesse país. No mundo real, fora das redes, você encontra o meio termo. É fácil defender quarentena total quando não há prejuízo de salário, quando dá para ficar em casa. Mas a população mais pobre, que vive do dia a dia, não tem como aderir. É muito difícil cobrar um esforço maior deles, há uma dificuldade inerente de sobrevivência, antes mesmo do Covid-19”, avalia.

“O isolamento é muito eficiente e deve ser feito por quem pode. Mas o que vemos é que justamente aqueles que podem é que estão relaxando. O modelo atual proporciona redução de casos, mas quem pode ficar em casa, realmente, deve ficar. É impossível não ter impacto econômico, mas pode haver um equilíbrio. Temos elementos para isso”, avaliou.

Equipe técnica

Croda avaliou que a saída de Mandetta do Ministério da Saúde possivelmente trará prejuízos de grandes dimensões. Isso porque, segundo o médico, há incerteza sobre qual será a condução. Ele destacou, a propósito, que Mandetta teve preocupação de montar uma equipe atendnedo basicamente o critério técnico, o que permitiu enfrentar a pandemia a partir das evidências científicas.

“A questão mais importante é que, independente de quem assumir, precisa alinhar um discurso baseado na ciência, principalmente em relação ao isolamento social. Não adianta colocar uma pessoa com qualificação técnica se não conseguir manter o isolamento. Quem assumir, creio eu, vai ter bastante dificuldade pela frente para conduzir a pandemia”, afirmou.