Ainda sem entender a pandemia, indígenas de MS enfrentam as dificuldades do isolamento social

Essa é a realidade de uma das maiores aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul, a Jaguapiru, que já enfrenta dificuldades devido ao coronavírus.

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Famílias com tradições diferentes, acostumadas com a liberdade e a socialização diária, isoladas por uma pandemia que pouco entendem. Essa é a realidade de uma das maiores aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul, a Jaguapiru, localizada a 228 quilômetros de Campo Grande, que já enfrenta dificuldades devido ao coronavírus.

O espaço de aproximadamente 3,5 mil hectares é lar para as etnias Kaiowá, Guarani e Terena. Os três povos recebem orientações do representante da aldeia, Izael Morales, que por sua vez é informado sobre a situação da pandemia do coronavírus por meio de vídeos e ligações com profissionais da área da saúde. Sobre a gravidade e proporção da doença, o cacique admite que “muito no começo a comunidade não estava entendendo” e acredita que “até agora eles ainda têm uma grande dúvida” sobre a pandemia.

“Recebemos algumas orientações, vídeos de como se proteger, e a gente também está usando álcool em gel, alguns máscaras e essas coisas”, explica. Uma das alternativas encontradas pelo cacique, foi bloquear a entrada de não indígenas dentro da aldeia. Mas essa solução teve que ser flexibilizada, devido a necessidade de alguns membros da comunidade.

Medidas de prevenção

“A circulação para dentro da aldeia foi aberta agora, estava trancada até a terça-feira (14) dessa semana”. Izael conta que apenas alguns serviços de venda foram liberados. “Vendedores que atendem os aposentados, mas quando trazem algo eles nem saem do carro, passam álcool em gel antes de entregar e usam máscaras”, exemplifica um dos cuidados que tenta manter na aldeia.

Sobre outras atividades da comunidade, ele explica que tenta orientar a não saírem de casa e repassa as informações na mesma medida em que recebe do mundo externo. Mesmo com as explicações de como devem enfrentar este período, o cacique admite que o cumprimento “é variado, têm alguns que respeitam e alguns que ainda não conseguem entender a gravidade da situação”.

Ainda sem entender a pandemia, indígenas de MS enfrentam as dificuldades do isolamento social
Foto: Mario Vilela/ Funai.

Apesar disto, Izael é otimista e com mais ânimo na voz, conta que espera que aos poucos a comunidade vai dar mais atenção ao cenário em que se encontram. “A gente vai dando como exemplo as coisas que estão acontecendo em outros lugares, como aqui em Dourados, que já está aumentando o número de casos, a gente tem esse receio”.

Dourados é a cidade mais próxima da aldeia e até sexta-feira (17) possuía 11 casos confirmados de coronavírus. De acordo com o boletim epidemiológico da SES (Secretaria de Estado de Saúde), o município é o terceiro com maior número de infectados do estado.

Acostumados com a liberdade

Izael Morales lida diariamente com três etnias indígenas diferentes, mas garante que qualquer “índio sempre foi acostumado a ser livre”. A recomendação repentina de isolamento social como única forma de conter a pandemia afetou diretamente os kaiowás, guaranis e terenas.

“A gente fica meio que indeciso, porque não temos os mesmos costumes de nos aprisionar, de ficar em casa assim por muito tempo, só em casa o tempo todo”, esclarece. Entre risos, o cacique conta algumas das situações rotineiras dos indígenas. “Ele está sentado e do nada resolve dar uma volta, levanta e vai saindo. Decide visitar uma pessoa e já vai”.

Falando de si, Izael admite que não mantém o isolamento social. “Tento seguir as recomendações de higiene que pedem, mas a minha rotina mesmo eu não parei, e nem tenho como parar”. Mas logo garante que a rotina segue apenas para ele e que a segurança da família é uma prioridade. “Minha família eu já procuro segurar em casa, meus irmãos, meus filhos, minha família. Meus pais não saem nem no portão lá de casa”.

Impactos visíveis

Para evitar aglomerações, a aldeia Jaguapiru segue os decretos de Dourados, município mais próximo da comunidade. Izael diz que maior parte das igrejas já não realizam mais cerimônias, mas “tem umas doutrinas que não aceitam muito bem”.

Para ele, a maior dificuldade durante a pandemia é relacionada ao trabalho, pois grande parte dos indígenas trabalha como diarista, dependem do pagamento de diárias em obras ou faxinas em casas da cidade. “Então aqui foi um impacto muito grande, porque parou muita gente, têm muitas coisas, coisas para pagar”, explica.

Em tom de preocupação, o cacique fala que a procura por doação de alimentos é grande. Ele lembra que receberam doações de cestas básicas do estado, mas ainda não foi o suficiente. “Agora a gente espera que o pessoal que conseguir o auxílio emergencial compre coisas necessárias para comer, porque a gente sabe que se continuar desse jeito as coisas vão ficar mais difíceis”, lamenta.

Izael relata que nas ruas o movimento caiu bastante com a chegada da pandemia e que a mudança é muito visível. “Principalmente no final das tardes, que o pessoal vinha do trabalho e já se aglomerava nas áreas em comum, mercearias e bares também e agora já não está tendo mais, porque na verdade não estão indo para o trabalho”, finaliza entre suspiros.

Conteúdos relacionados